domingo, 29 de maio de 2011

Justiça seja feita

Em artigos anteriores, falamos de todas as novelas que estão no ar atualmente e daquelas que já acabaram. No entanto, faz-se necessário complementar algumas informações sobre “Cordel Encantado”, agora com quase dois meses no ar, e sobre “Insensato Coração”, entrando quase na sua reta final.

Quando falei sobre “Cordel Encantado” e o trio de protagonistas, disse que Cauã Reymond estava apenas correto no papel de Jesuíno e que tinha tudo para ser engolido por Bruno Gagliasso, como Timóteo. Bruno, depois de uma atuação esquisita em “Passione”, está transformando a cada capítulo Timóteo num vilão odiável. Já Cauã, a cada dia que passa, mostra mais força como o filho do rei do cangaço e um herói adorável. Justiça seja feita. Ele não será engolido pela atuação de Bruno, eles estão no mesmo nível e trazem uma força incrível em cena. Parabéns aos dois!

Outros dois atores que não foram citados no primeiro artigo, ainda sobre “Cordel Encantado”, são Nathalia Dill e Matheus Nachtergaele. Nathalia, mais uma vez, mostra a que veio. Em sua terceira novela das seis como protagonista, ela demonstra uma grande versatilidade. Já foi a Santinha de “Paraíso”, a Viviane de “Escrito nas Estrelas” e agora é a persistente e justa Doralice que se transforma em Fubá para ficar ao lado de seu amado, Jesuíno. Nathalia é daquelas atrizes que a televisão só encontra de tempos em tempos e não está preocupada em se aparecer, mas em trabalhar. Nathalia é ótima e esperemos que, ao final de “Cordel Encantado”, a Globo lhe dê uma chance numa novela das oito.

Já Matheus Nachtergaele merece todos os elogios em qualquer trabalho que faz. Sua participação no início da novela era muito pequena, pois a história do Profeta Miguezim não havia começado a ser desenvolvida. Nas últimas semanas, temos sido brindados com cenas lindíssimas em torno do Profeta, entre elas a cena em que o personagem impede Timóteo de invadir a casa do prefeito para raptar Açucena ou quando o Profeta impede Timóteo de invadir sua casa para levar a irmã, Antonia. Assim como Nathalia, é mais um dos poucos atores da televisão que não estão preocupados em se aparecer, mas em realizar um belíssimo trabalho.

Sobre “Insensato Coração”, tenho que confessar que a novela melhorou do que era. Agora que diminuiu as inúteis participações especiais e as passagens de tempo, parece que a história finalmente pôde decolar. Até então ela estava presa na necessidade de elipses de tempo por conta das prisões dos protagonistas. Hoje li uma matéria falando sobre as tais participações especiais, justificadas para dar agilidade à trama. E continuo achando que não trouxe dinamismo algum, pois todas as participações não levavam a história principal para frente. Elas estavam ligadas a tramas secundárias que, convenhamos, são meio chatinhas.

Agora que Norma (Glória Pires) saiu da cadeia e todo o núcleo de Florianópolis se juntou ao restante dos personagens no Rio de Janeiro, parece que a novela deu uma encorpada e, finalmente, poderá contar a sua história. Norma nunca será uma vilã, mesmo cometendo uma série de armações e até assassinatos. Norma até o final será uma justiceira. Juntar Marina (Paola Oliveira) e Léo (Gabriel Braga Nunes) será bom para sacudir um pouco o casal principal. Raul (Antonio Fagundes) e Carol (Camila Pitanga) juntos em cena também é bom de ver.

Por fim, não posso deixar de comentar que a atuação de Eriberto Leão melhorou sensivelmente, após um começo desastroso. Ele parece estar mais à vontade em cena. E não havia citado Deborah Evelyn no outro artigo, mas cito agora. Como Eunice, mais uma vez ela mostra seu talento. Ok, ela já fez diversos papéis do mesmo tipo, mas toda vez que os faz, arrasa igualmente. Eunice é insuportável e tem cenas ótimas.

“Insensato Coração” está longe de ser uma boa novela, mas ainda tem tempo para se encerrar causando boa impressão.

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Apostando alto


Embalada pela grande repercussão que teve sua última novela, “Chamas da vida”, Cristianne Fridmann apresenta agora seu mais novo trabalho: “Vidas em jogo”. Um misto de suspense e tramas repletas de cenas de ação, esta novela tem muitos elementos para prender o grande público. Entretanto, a estreia foi vacilante e, até o momento, ainda não superou “Chamas da vida” em qualidade dramatúrgica.

Pontos positivos são muitos. O primeiro deles é, com certeza, Cristianne Fridmann. Firmando-se como uma excelente narradora de histórias, Cristianne encontrou na Record um espaço adequado para exibir suas teias de novelista. Apresenta estrutura flexível, para acompanhar a instabilidade da emissora, e interessantes perfis de personagens. Em especial, a taxista Andréia (Simone Spoladore), o malandro Ivan (Silvio Guindane) e o dublê Jorge (Sacha Bali) trazem frescor à trama e possibilitam representações dos mais diversos vértices: a ação, o drama, as situações do cotidiano, o aspecto lírico, etc.

Outro grande trunfo da produção é a presença sempre elegante, exata e talentosíssima de Beth Goulart. Apesar de sua Regina ser absolutamente convencional (uma empregada doméstica que, após muito trabalho, subiu na vida), Beth Goulart sabe como pinçar os mínimos detalhes de seus papéis para encontrar matizes profundos e complexos. Em um dos capítulos, Regina apareceu como uma impiedosa empresária que manda invadir um casarão e, cenas depois, como uma mãe carinhosa que propõe à filha que elas devem fazer juntas um "brigadeirão". Mesmo com esta oposição de atitudes, Beth consegue dar uma unidade intrínseca e coerente às atitudes da personagem.

Do elenco, também é de se notar as boas atuações de Guilherme Berenguer, Thaís Fersoza e Julianne Trevisol. Nos dois primeiros casos, não há grandes desafios. Afinal, não é a primeira vez que Berenguer interpreta o clássico galã ou que Thaís Fersoza faz a menina rica (aliás, Beth Goulart e Thaís Fersoza também aparecem como mãe e filha na reprise da novela “O clone”). Entretanto, Julianne Trevisol é absolutamente agradável, suave e intensa ao interpretar a dançarina Rita. Em um momento muito bom de sua carreira, Julianne conseguiu enterrar de vez o fantasma de Gór (da trilogia dos mutantes), papel em que ela abusou dos beicinhos e olhos semicerrados para demonstrar ira. Sem contar que a atriz dá show quando a personagem Rita dança em suas cenas.

Infelizmente, há muita coisa que está em descompasso na novela e a primeira delas que quero ressaltar é a abertura. Além de apresentar uma versão acelerada da música “É”, de Gonzaguinha (o que me faz lembrar imediatamente de “Vale Tudo”, situação mais propícia para tal canção), a ideia da abertura é esquisita. Os figurantes reagem artificialmente quando são separados pelas letras do logotipo, não há uma boa sincronia entre takes e música e, por fim, trabalhar a imagem da abertura nas cores azul e laranja não deu um bom resultado no vídeo.

Outro problema é o excesso de cenas de ação. Perseguições, carros batendo, gente pulando de ponte, tiros, socos, tudo isso apareceu à exaustão logo na primeira semana. E o que agrava ainda mais a presença de tais cenas é que, muitas vezes, elas não se originam de uma necessidade da trama, mas sim de uma estratégia duvidosa da emissora para garantir audiência. Desde “Prova de amor”, a Record insiste em repetir o estratagema, mas se esquece de que esta opção pode esvaziar a qualidade ou a densidade dramatúrgica das telenovelas.

Além disso, a péssima interpretação de Sandro Rocha como Cléber compromete muito a novela. Personagem que orbita na trama central, Cléber é, ao mesmo tempo, truculento, cruel e sensível. Todavia, Sandro está engessado e artificial em suas cenas. Também é de se notar a interpretação morna de Betty Lago. Quem já viu os trabalhos dela nas novelas “O amor está no ar”, “Pecado capital” e na minissérie “Anos rebeldes” sabe que ela pode alçar voos bem mais ousados e criativos do que o desempenho que apresenta nos últimos trabalhos.

Por fim, há uma inconsistência na trama que nasce da forma de se contar a história. Acredito sim que a novela é boa, mas não vemos uma definição exata da trama central. Qual é a história narrada? Qual mote detona a ação desta produção? Seria o triângulo amoroso formado por Guilherme Berenguer – Julianne Trevisol e Thaís Fersoza? É a problemática da ocupação ilegal do casarão abandonado? Ou será o grupo do bolão? Sabe-se que a intenção de Cristianne Fridmann é escrever uma novela calcada no suspense, incluindo muitos elementos que podemos encontrar em romances policiais (como no caso de um grupo onde seus integrantes são assassinados um a um por motivos escusos). Porém, o mistério deve ser reservado aos “porquês”, e não ao “quem” ou “como”. No momento em que Cristianne Fridmann der contornos à trama e puser ordem na casa, a novela poderá se tornar um grande sucesso da Record.


QUENTE
Além da própria autora, Cristianne Fridmann, a presença de atores como Beth Goulart, Julianne Trevisol, Guilherme Berenguer, Thaís Fersoza, Denise Del Vecchio, Lucinha Lins e Silvio Guindane dão vigor e força à novela. Também merece destaque o cachorro Zé, uma espécie de mascote que torna a produção simpática e oferece momentos de respiro em uma novela tensa.

MORNO
A trama de Vanessa Gerbelli e Leonardo Vieira não tem a mínima graça, além de apresentar desenvolvimentos previsíveis. Betty Lago também é outra que mostra apenas um trabalho regular, quando poderia aproveitar a mudança de emissora para dar novas possibilidades à sua carreira.

FRIO
Os problemas da Record na teledramaturgia se arrastam desde “Essas mulheres”: aberturas de gosto duvidoso, sonorização precária, entre outros. Porém, a maior reclamação dos telespectadores é que todas as produções da casa têm exatamente o mesmo código visual (cenários, iluminação, figurinos), ao ponto de não se perceber quando acaba uma trama e começa outra.

(por Jordão Amaral)

domingo, 22 de maio de 2011

Entrevista: Maria Adelaide Amaral

Após o grande sucesso de “Ti Ti Ti” e enquanto prepara a microssérie sobre a vida de Dercy Gonçalves, Maria Adelaide Amaral, uma das mais festejadas autoras da TV Globo, nos concedeu uma ótima e inteligente entrevista onde fala de seus trabalhos na literatura, teatro e televisão. Deliciem-se!


Em 1979, sua primeira incursão na TV foi com “Os gigantes”, colaborando com o autor da novela Lauro César Muniz. Entretanto, parece-me que esta novela não deixou boas lembranças para muita gente (Régis Cardoso faz críticas abertas em sua biografia “No princípio era o som”). Gostaria que você nos contasse como entrou neste trabalho, quais percalços encontrou, como se deu o final da novela (e a experiência em televisão) e o que a motivou a voltar para o veículo onze anos depois.
Eu só entrei nessa empreitada para ajudar o amigo Lauro, a quem muito devia, mas não tinha a menor intenção de deixar a Abril Cultural, onde tinha um monte de amigos, me divertia e ainda por cima podia escrever minhas peças de teatro. Em 1990 só aceitei o convite do Cassiano Gabus Mendes para ajudá-lo em “Meu Bem Meu Mal”, porque o Collor tinha caçado as poupanças dos brasileiros e me deixou sem um tostão furado.

Como uma escritora “que ‘escreve’ nas onze” (parodiando um chavão do futebol), quais são suas referências pessoais na literatura, no teatro, no cinema e na TV? E mais: quais fontes você aconselharia a um jovem autor (pensando aqui independente do gênero ou veículo) buscar no intuito de cristalizar uma sólida base cultural?
Leiam muito. Bons autores. Ruins também, desde que saibam contar uma história. Vão muito ao cinema e ao teatro. Ouçam todo tipo de música. Não tenham preconceitos de gênero, de estilo ou de idade. Um bom melodrama é como um samba canção: conta de maneira pungente as dores de amores frustrados. Vivam intensamente sem medo de quebrar a cara porque na hora de escrever uma cena de rompimento vão precisar dessa experiência e desse material.

Em sua biografia, “A emoção libertária”, você descreve um pouco de sua carreira como atriz na televisão dos anos 1960. De que forma a pequena Maria Adelaide, recém-chegada de Portugal, transformou-se em protagonista de novela? Quais boas lembranças você carrega deste momento?
Desde criança queria ser atriz e não perdia a oportunidade de me apresentar nos espetáculos da escola. Nos anos 50, faziam grande sucesso na TV Tupi de SP os programas infanto-juvenis do Júlio Gouveia e da Tatiana Belinck. Além de “O Sítio do Picapau Amarelo”, eles criaram o “Teatro da Juventude” que adaptava clássicos da literatura e ia ao ar aos domingos de manhã. E, nas terças e quintas às 19:30, ia ao ar uma novelinha, também adaptada de livros juvenis. Então, na primeira oportunidade que tive, fui oferecer meus préstimos ao Júlio Gouveia que, afinal, me chamou um ano depois para eu fazer um pequeno papel no “Teatro da Juventude”. A partir daí, sucederam-se outros trabalhos, mas, como os programas eram ao vivo, nunca tive oportunidade de me ver atuando. Até que em 1960, fazendo uma telecomédia na TV Excelsior que já fazia uso do videotape, pude finalmente me ver no vídeo. A experiência não podia ter sido mais decepcionante: não é que eu fosse ruim. Eu não era nada. Então comecei a me preparar para ser crítica de teatro. Mas lembro com carinho e saudades dessa fase da minha adolescência quando ainda todos os sonhos eram possíveis e de meu efêmero sucesso como Becky (em Tom Sayer), e como a vilã alta (na novelinha Angélica). E dos colegas que se tornaram amigos e o são até hoje, como Davi José, que se tornou professor universitário depois de ter sido um grande ator na extinta TV Tupi e no teatro de arena.

“O bruxo” e “Aos meus amigos” são dois bons exemplos de textos seus carregados de experiências pessoais, onde você se expõe com toda a sorte de matizes que os referidos momentos lhe trouxeram. Como é para você equilibrar-se neste fio tênue entre ficção, realidade, vida particular, vida do personagem? Como ocorre, conscientemente para você, essa metamorfose de uma dolorosa experiência pessoal em frutífera obra?
Acho que não há uma peça de teatro ou um romance meu que não tenha em maior ou menor medida um cunho biográfico. Mesmo as obras que escrevi sob encomenda como “Chiquinha Gonzaga” (1983) e “Mademoiselle Chanel” (1993), são permeadas do que vivi e senti. Mas a maior parte dos escritores faz isso. Mesmo os cineastas. O que são os filmes do Bergman, Fellini, Woody Allen? O que é a obra de Proust? A maioria dos criadores se nutre de si transformando a dolorosa matéria pessoal numa obra que encontra ressonância em milhares de pessoas.

Ainda sobre a pergunta anterior, eu revi recentemente uma entrevista onde você diz que escrever é uma terapia para você. Nunca entrou em um consultório de psicanálise, mas tem a necessidade de escrever sempre. Mesmo em TV é possível esta terapia?
Não me submeti a processo de psicanálise, mas fiz terapia junguiana de 1979 a 81 e, depois, de 1993 a 1995. E foi uma experiência transformadora que não competiu nem eliminou a minha necessidade de escrever romances e peças de teatro. E também na tv acho impossível escrever algumas cenas de novela - um embate de sentimentos, por exemplo, - sem colocar nos personagens a minha experiência e os meus sentimentos.

Conte como foi adaptar o livro “Aos meus amigos” na minissérie “Queridos Amigos”. Fale um pouco sobre esse processo.
Escrevi “Aos Meus Amigos” sob a emoção do suicídio de Décio Bar em meados de 1991. Ele foi uma das pessoas mais brilhantes que conheci: poeta e escritor, arquiteto, artista plástico, cineasta, jornalista, influenciou meu gosto, minhas preferências culturais. Sua morte me abalou profundamente e mobilizou a vontade de falar sobre ele e nossa geração. Mas, francamente, nunca pensei em adaptar “Aos meus amigos” para a TV. Achei que daria um filme, não uma minissérie. A idéia de adaptar o livro para a TV foi do Dan Stulbach. Considerei a sugestão, escrevi um argumento e recebi sinal verde para fazer a sinopse. Mas, como outros livros que adaptei, esse também sofreu modificações em virtude das exigências teledramatúrgicas. No livro, o encontro dos amigos se dava em função da morte do Leo. Na minissérie, Leo, sabendo que vai morrer, prepara o encontro desse grupo que se amava e que por diferentes razões se separou. Também resolvi deslocar a ação para novembro de 1989, um ano emblemático no melhor e no pior sentido para o Brasil e o mundo: tivemos a primeira eleição direta para presidente desde a eleição do Jânio, em 60; o Muro de Berlim caiu, no dia 9/11, a inflação brasileira chegou a 50% ao mês, o desemprego era dramático em todos os setores e, de modo particular no jornalismo, onde eu trabalhava. No plano pessoal, novembro de 1989 também foi emblemático: encerrei, com a edição de “Os Cem Anos da República”, a minha última contribuição à indústria editorial. Essa seria a última vivência de redação e, enquanto estava escrevendo a minissérie, lembrava bem dos sonhos e desencantos que nos cercavam.

Em 1997, depois de bons trabalhos como colaboradora, você estreia como autora-solo em “Anjo mau”. Um remake de uma novela muito bem-sucedida, com o aval de pessoas talentosíssimas como Sílvio de Abreu, Boni, Carlos Manga, Denise Saraceni, Glória Pires (apenas para citar alguns). Se uma estreia como autora-solo já é uma “pedreira”, como encarar uma estreia como esta, com desafios imensos (por exemplo, a memória afetiva dos telespectadores, o árduo trabalho de encontrar uma nova forma de contar a mesma história, etc.)?
Se a gente parar para pensar diante dos grandes desafios, se intimida, paralisa e não consegue fazer nada. Uma sinopse minha – A Sombra da Suspeita -, tinha, em 48 horas, sido aprovada e descartada. Estava claro que o Boni queria o remake de “Anjo Mau”, eu queria provar que sabia fazer novela, o Silvio confiava no meu taco e achou que eu tinha que me oferecer para fazer o remake. E assim começamos. Eu cheia de dedos com o original do Cassiano. Mas o Carlos Manga, diretor de núcleo, rejeitou totalmente os capítulos que eu tinha escrito respeitando o original do Cassiano. “Eu não quero fazer essa novela!”, ele disse numa reunião na sala do Boni. Eu fiquei atônita. “Afinal não é o Anjo Mau do Cassiano que eles querem?” O Silvio respondeu: “Não! O Manga quer que você escreva a sua novela.” Voltei para São Paulo e com a sábia supervisão do Sílvio comecei a escrever a nova versão de “Anjo Mau”, que felizmente deu certo.

No remake de “Anjo Mau”, Nice, feita por Glória Pires, não era tão má assim. Por que resolveu por abrandar as maldades da personagem? Ou elas foram ofuscadas pelas maldades de Paula (Alessandra Negrini)?
A Nice também não era tão má no original, coitadinha. Quando lemos os capítulos do Cassiano, descobrimos, perplexos, que o grande pecado da Nice tinha sido cobiçar um homem acima do seu nível social e lutar por ele usando de todos os meios. Mas, em 1997, isso não fazia mais sentido. Aquilo que nos anos 70 era condenável tinha passado a ser legítimo. Então, tivemos que carregar nas tintas nas “maldades” da Nice para justificar o título da novela, mas elas acabaram sendo ofuscadas pelas maldades da Paula.

Em tempos de “classificação indicativa”, para você, existem temas a não ser trabalhados em TV? Já teve problemas com a “classificação indicativa”?
Fiquei muito surpresa quando reclassificaram “Ti Ti Ti” para 10 anos. “Anjo mau”, que passou às 18h. Hoje só seria aprovada para as 21h.

Você trabalhou em grandes telenovelas como colaboradora e conviveu com pessoas que são referências para a televisão brasileira (Lauro César Muniz, Cassiano Gabus Mendes, Sílvio de Abreu, Walther Negrão). O que você absorveu de cada um para seu trabalho?
Os meus principais professores foram o Silvio e o Cassiano: o Cassiano me ensinou a desenvoltura e o bom humor, o Silvio me ensinou a técnica. Nunca trabalhei como colaboradora de novelas do Negrão. Mas sabia que iria aprender muito com ele quando nos juntamos para escrever “A Casa das Sete Mulheres”.

Ao longo desta última década, suas minisséries estabeleceram um caminho possível para recontar momentos importantes da história brasileira. Como é seu trabalho, desde o surgimento do tema, passando pela pesquisa até a última revisão dos capítulos? Ainda sobre a pesquisa: para você, qual é o limite permitido entre o real, o biográfico e a ficção?
Primeiro proponho o tema e depois, uma vez aprovada a sinopse, inicio uma intensa pesquisa sobre a história. Porém como não faço telejornalismo mas ficção, os limites acabam sendo ditados pela experiência e pela intuição.

Em teatro, qual trabalho lhe deu mais prazer? E qual lhe deu mais problemas? De que forma escrever para teatro pode enriquecer o autor? E como trabalhar em teatro no Brasil pode empobrecer o autor?
Todas os trabalhos têm suas alegrias e dores. Há peças difíceis de escrever, mas cujo resultado junto ao público foi um grande prazer. “De braços abertos”, “Chiquinha Gonzaga”, “Intensa Magia”, “Querida Mamãe”, principalmente. Escrever para teatro sempre enriquece um autor. Não no sentido material. A maior parte dos autores faz outras coisas. Mas o teatro nos ensina muito e nos enriquece emocional e profissionalmente.

Atualmente, alguns autores de novela declaram que estão muito cansados para enfrentar uma hercúlea jornada de trabalho. Todavia, há muitos jovens que querem escrever para a televisão. Neste bastão de guerra que é a renovação de um gênero, qual a forma de entrada para um time tão seleto de autores na TV? E no teatro? Quais os caminhos, os conselhos que você apontaria aos jovens dramaturgos e roteiristas?
Sempre recomendo aos jovens que aspiram se tornar teledramaturgos que construam um currículo prévio na literatura, no jornalismo, no teatro ou no cinema. Isso vai ajudá-los a provar que sabem escrever e a serem mais respeitados.

“Os Maias” é um dos melhores trabalhos realizados pela TV Globo, um esmero total. Mas também foi cheio de polêmicas, principalmente relacionado ao primor de direção de Luiz Fernando Carvalho e a baixa audiência. Por quê?
“Os Maias” era um produto extremamente sofisticado, com um tempo de narrativa cinematográfico ao qual os telespectadores não estavam acostumados. O fato de a cada noite ir para o ar em um horário diferente também foi um fator negativo. Mas tivemos, por assim dizer, uma audiência qualificada e fizemos grande sucesso junto à crítica e aos formadores de opinião. O fato é que, com todos os percalços, “Os Maias” é uma obra prima, um momento muito importante na minha carreira, na de Luiz Fernando Carvalho e na televisão brasileira.

Em 2002, as revistas noticiaram que você tinha uma sinopse inédita para o horário das 18h (Dança da vida), que acabou sendo cancelada e substituída pela novela “Coração de Estudante”. Caso seja verdade, você não pensa em retomá-la?
Deus sabe o que faz. Por conta do cancelamento dessa novela, pude escrever uma peça de teatro (Tarsila), uma minissérie (A Casa das Sete Mulheres) e, a pesquisa de “Tarsila”, acabou originando em 2004 “Um só Coração”.

Depois de um “passaralho” ocorrido na Abril na década de 1970, você escreveu a peça “A resistência”. Hoje em dia, as experiências do cotidiano ou situações-limite ainda te inspiram a escrever? O que anda chamando a atenção de Maria Adelaide Amaral?
Diria que o que me impressiona é a corrupção e a banalidade do mal e da violência.

Pouco antes da estréia de “Ti Ti Ti”, saiu uma reportagem na qual a manchete era em letras garrafais uma suposta frase dita por você: “Não assisto novela, tenho mais o que fazer.” Você realmente disse isso?
Não dessa maneira. O que eu quis dizer é que tenho mais o que fazer do que assistir novelas que não me interessam. Mas estou assistindo, entusiasmada, a “Cordel Encantado” e vi com muito prazer “Escrito nas Estrelas”.

Quais novelas mais te marcaram?
Beto Rockfeller, O Casarão, Dancing Days, Água Viva, Roda de Fogo, Roque Santeiro, Ti Ti Ti, Guerra dos Sexos, O Rebu, Vale Tudo, Baila Comigo, Mulheres Apaixonadas.

Encerrada a bem-sucedida novela “Ti Ti Ti”, quais são os seus próximos projetos? Há algo que você quer realizar em TV, teatro e na literatura e que ainda não pôde fazê-lo?
Vou escrever uma microssérie sobre Dercy Gonçalves para janeiro de 2012. Em março que vem devemos, o Vincent Villari e eu, entregar uma sinopse de novela para 2013. E ainda não perdi as esperanças de fazer a minissérie sobre Maurício de Nassau.

Como foi o seu processo de criação em “Ti Ti Ti”, que, além de ser um remake, era uma homenagem a Cassiano Gabus Mendes? Você se sentiu limitada em algum momento ou deu o rumo que quis para as tramas?
Aprendi em “Anjo Mau” que remake é uma recriação a partir de uma idéia genial. Atualizamos, modificamos, suprimimos e acrescentamos tramas e personagens, mudamos rumos e trajetórias na medida da inspiração e das nossas necessidades. Acho que foi por isso que “Ti Ti Ti” não teve o sabor de coisa requentada.

Como você lidou com o casal Edgar e Marcela que deu o que falar em “Ti Ti Ti”? Houve muita pressão do público quando Renato entrou na jogada e começou a disputar o coração da moça de igual para igual com Edgar?
Na sinopse tínhamos estabelecido que Marcela ficaria com Renato, mas a química entre a Ísis e o Caio Castro era forte demais para ser ignorada.

Voltou de vez às novelas agora? Já tem ideia para um próximo trabalho?
Ainda não.

Como é sua rotina de trabalho? Como é feita a divisão com seus colaboradores?
Trabalho 7 dias por semana e meus colaboradores também. Em “Ti Ti Ti” deleguei, pela primeira vez, a escaleta para o Vincent Villari. A gente conversava sobre o que ia acontecer nos próximos capítulos, ele escrevia, eu lia e depois distribuía as cenas entre os outros colaboradores de acordo com o seu perfil, mas sempre me reservava o maior número de cenas e as mais difíceis. Em princípio, todo mundo escrevia todos personagens, com exceção do Rodrigo Amaral que ficou, desde o princípio, com as cenas do Ari/Valentim e do Chico pela desenvoltura com o idioma espanhol e a gíria dos motoqueiros. Depois que eles me mandavam as cenas redigidas eu fazia uma acurada edição, o que significava enxugar e fazer tudo que é necessário para dar uma unidade estilística ao capítulo. Uma vez finalizada a edição, ele era enviado para todos os colaboradores para sugestões e observações. Em geral, precisas e preciosas, elas eram quase sempre incorporadas. Finalmente, o capítulo ainda ia para o Álvaro Ramos para uma última revisão, antes de ser enviado ao Jorge Fernando e à produção da novela.

Como era feita a divisão de trabalho com Cassiano Gabus Mendes?
O Cassiano não fazia escaleta. Ele escrevia os capítulos de segundas, quartas e sextas e eu os de terças, quintas e sábados. Sempre dando prosseguimento aos plots do capítulo anterior. Como não havia internet, a gente se comunicava por telefone ou por bilhetes. Uma pena eu não ter mais os bilhetes do Cassiano. Além de muito engraçados, eram uma aula de teledramaturgia.

O que achou do blog? Algum recado para nossos leitores?
É um prazer ler o blog pelo bom português e o conhecimento profundo que vocês têm da teledramaturgia brasileira. E, naturalmente, um blog tão inteligente só pode atrair leitores inteligentes. Minha gratidão a vocês e a eles por darem voz a quem luta por uma teledramaturgia que não subestima a inteligência dos telespectadores.

(por Beatriz Villar)

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Lara com Z... de zaranza!

Há mais ou menos um mês postei neste blog um primeiro parecer sobre as séries nacionais que a Rede Globo lançara recentemente (“Entre um episódio e outro...”). É com perplexidade que retorno ao tema para uma análise de “Lara com Z”, o atual vexame-coletivo que vai ao ar todas as quintas-feiras. Constrangedor para o público, pobre para o currículo dos profissionais envolvidos. De quem é a culpa para pífio desempenho? De muitos, mas o principal responsável é o próprio Aguinaldo Silva.

 

 

Há algum tempo, o novelista divulga em seu blog oficial fotos do seriado, rápidas notícias, pistas de escalação, ou seja, fomenta a expectativa de seus ávidos leitores que buscam uma mera lamparina de sucesso. Pois, o que se vê no vídeo não chega nem perto de todo o suspense criado. A história de “Lara com Z” (co-escrita por Maria Elisa Berredo) até é interessante e talvez tenha como referência as melhores comédias hollywoodianas das décadas de 1930/1940. Mas só em sua ideia inicial: uma atriz decadente às voltas com seus problemas profissionais e pessoais. O produto final é um pedestal de marfim para que o autor consiga se vangloriar de méritos que até agora não foram exibidos via Embratel. O que se vê é uma série de vaidades e o seriado como arma para pendengas do próprio autor. Ou alguém é capaz de acreditar que a personagem Sandra Heibert (divinamente interpretada por Eliane Giardini) é apenas uma crítica aos jornalistas em geral que vivem de depreciar os artistas?

 

A cada episódio, a trama de Lara Romero (Suzana Vieira) consegue ser mais infeliz e de um humor bastante duvidoso. Um exemplo? Pois lhes dou alguns: a sequência em que Lara foi flagrada em um motel na Baixada Fluminense poderia ter sido bastante interessante se bem escrita. Entretanto, a falta de ritmo, diálogos mal esquadrinhados e uma Suzana Vieira sendo “molestada” por seu colega de cena só pode ter deixado uma pessoa satisfeita: a própria Suzana.

 

Outra sequência de pobre resultado final foi a que Claus (Dalton Vigh) invade o jantar de Bárbara (Monique Alfradique) e Oliver (Augusto Zacchi). Havia uma progressão dramática interessante, uma tênue tensão entre os personagens e diálogos que ameaçavam desaguar toda a eletricidade da cena. Entretanto, a inversão de clímax provocada pela entrada de Claus completamente bêbado e enlameado tornou o que era uma sequência refinada em confusão de cortiço. Tudo muito superficial, estranho, de mau gosto... Tenho a impressão de que “Lara com Z” foi escrita mais para querer demonstrar a pseudobondade do autor em dar oportunidades a novos "colaboradores" - todos frequentadores do site dele, diga-se de passagem - do que de fato escrever um seriado decente.

 

Obviamente, a pouca qualidade da série não está apenas (apesar de ser a origem) no texto de Aguinaldo Silva. O elenco é muito cúmplice do crime. Por que alguém em sã consciência espera que o telespectador aguarde até às 23h 15min para ver Monique Alfradique fazendo a mimadinha revoltadinha, Thaís de Campos representando a filha introvertida, Wolf Maya encarnando o diretor estressado e Beatriz Segall vivendo a senhora de sentimentos vis e pérfidos? Será mesmo que já não vimos tais personagens bem melhor representados pelos mesmos atores? Também temos a triste presença de Paola Crosara como a repórter abelhuda. Derivada de “Cinquentinha” (assim como “Lara com Z”), a atriz se mostra forçada e irritante, não porque persegue Lara Romero, mas por não saber trabalhar a voz e reações sempre artificiais. Além disso, note-se a tentativa de Humberto Martins em fazer um funcionário público tímido, atrapalhado, mas o que interpreta na verdade é um sujeito bobo e levemente gago.

 

Todavia, não se pode esquecer a própria Lara Romero (ops, quer dizer) Suzana Vieira. Sinceramente, se alguém pedisse para definir os limites entre atriz e personagem, acredito que nem Suzana, nem Aguinaldo conseguiriam tal empreitada. A cada bloco reforça-se a faceta voluntariosa, excessivamente segura e arrogante que a persona da atriz nos vem “brindando” nos últimos anos. Só que o pecado de Suzana Vieira é um pouco menor do que o de Aguinaldo Silva. Nas cenas em que Lara quebra a couraça de grande estrela e se mostra humana, com sentimentos contraditórios, é possível perceber uma sensibilidade de um grande talento que está adormecido. Onde está a atriz que deu vida a Cândida, Marina, Nice, Paula, Amanda, Ana, entre tantas outras? Suzana Vieira precisa se reciclar urgentemente, o que significa trabalhar com outros autores e diretores, voltar ao teatro, ir fazer cinema... Ela quer ser maior que a personagem e o bom ator não se sobrepõe a seu papel.

 

Depois de saída do computador, decorada, montada, dirigida, editada e sonorizada, o que sobra de “Lara com Z” é uma mistura distorcida de personagens já apresentados, repetição de alguns clichês, egos sem dimensões, alguns desafetos de Aguinaldo Silva tratados com desprezo e a reiteração de tudo o que os profissionais envolvidos têm de pior para apresentar. Claro, embalado com papel de “inovação”. “Lara com Z”, a cada semana, nos deixa sempre duas certezas. A primeira é de que a série é muito ruim (uma pena, pois tinha todos os elementos para ser um grande seriado). A segunda é que dormir cedo faz bem à saúde...



*   *   *


A pedido de André Torres, retifico uma informação colocada no post anterior “Trair uma ideia”: a novela “As Filhas da Mãe” não mudou a linguagem por conta dos grupos de discussão. De fato, os grupos rejeitaram a proposta da novela, mas o autor Silvio de Abreu preferiu encurtá-la a ter de trair sua ideia inicial.


(por Jordão Amaral)

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Trair uma ideia

O assunto do mundo da teledramaturgia na mídia nos últimos dias gira em torno da audiência de “Morde & Assopra”, aquém das expectativas do horário das 19h. Muitas mudanças estão sendo cogitadas, segundo nossos jornalistas. Não sei se algumas são verdadeiras ou não, mas acendem uma questão importantíssima nas novelas dos últimos anos: será que vale mesmo a pena trair uma ideia e se tornar refém do público?

Novela é uma obra aberta, o que permite um diálogo com o espectador que a assiste, e feita por uma empresa que visa lucro. Disso todos nós estamos cansados de saber. Mas emissoras tão poderosas e com possibilidades de investimentos, tal qual a Rede Globo, não podem peitar o público e contrariá-lo de vez em quando? É o que tenho me perguntado ultimamente. Afinal, qualquer reclamação do público gera mudanças numa novela. Lembro de um episódio de “Paraíso Tropical” em que o público reclamou que o VILÃO Olavo (Wagner Moura) era muito mau. Os autores até deram uma amenizada. Mas o vilão não pode ser mais mau porque o público não quer? Como devem ser contadas as histórias, então?

“Morde & Assopra” é uma novela que fala de dinossauros (através da personagem de Adriana Esteves, uma paleontóloga) e robôs (através de Mateus Solano, um cientista, e Flávia Alessandra, a própria robô). Temática mais do que clara na sinopse e aprovada pelo artístico da emissora. Um mês após a estréia, a audiência não correspondeu às expectativas da empresa, foram feitos aqueles horrorosos grupos de discussão e resolveram tirar a robô Naomi de cena. Que a Naomi verdadeira iria aparecer, isso eu já tinha cantado a bola na crítica que eu fiz na primeira semana de novela. Agora, tirar a robô é demais! A novela não é sobre isso? Como que, com apenas um mês no ar, um grupo de discussão e os poderosos da emissora podem afirmar com tanta precisão que um personagem foi rejeitado e uma história não deu certo? Eles não confiam nas habilidades do autor contratado? Por que não o deixam provar ao público que aquela história vale a pena ser contada e assistida?

Alguns outros casos de autores que tiveram que trair uma ideia em busca de audiência me vem à mente. Cabe dizer, desde já, que nenhuma das mudanças feitas elevou a audiência delas.

“As Filhas da Mãe”, novela de Silvio de Abreu exibida em 2001, veio ao ar com uma linguagem inovadora. Além de ter trazido recursos já utilizados em novelas anteriores, como os personagens olharem para a câmera e fazerem algum comentário para o espectador, Silvio se utilizou da narrativa de cordel, um rap que levava a história adiante e uma linguagem clipada, onde as cenas não se repetiam nem as histórias eram retomadas. Apresentou números aquém do esperado e o autor teve que abrir mão dessa linguagem inovadora. A audiência subiu por conta das mudanças? Não.

“Agora é que são elas”, novela de Ricardo Linhares exibida em 2003, apresentou apenas uma trilha sonora interessante. A história não era boa, o elenco não era bom, a direção do Roberto Talma não era boa. No entanto, tinha um mote principal que não pôde ser seguido: uma cidade comandada por mulheres, onde elas é que saíam para trabalhar e sustentavam a casa, enquanto seus respectivos maridos cuidavam da casa e dos filhos. O primeiro grupo de discussão realizado pela emissora torceu o nariz para essa história de mulher ser chefe de família e o marido fazer as vezes de “dona-de-casa”. Então, a narrativa inteira foi mudada por conta disso. A audiência subiu? Não.

“Tempos Modernos”, novela de Bosco Brasil exibida em 2010, apresentava uma história chata e mais do que batida. O elenco não era bom, a estrutura dramatúrgica da novela era estranhíssima e a direção de José Luiz Villamarim deixou muito a desejar e a supervisão de Aguinaldo Silva foi só para inglês ver. Vieram os grupos de discussão, a crise da novela e, óbvio, mudanças: tiraram o Frankstein – que daria o nome da novela anteriormente! -, mataram o interessantíssimo vilão interpretado por Guilherme Weber e transformaram a vilã de Grazzi Massafera em mocinha. A audiência subiu? Não.

O que pretendo dizer com isso tudo? Que, às vezes, é muito melhor você agradar ao público fiel de uma novela, fazendo com que a história principal seja contada sem drásticas mudanças, como previsto na sinopse, do que tentar agradar o público que não gosta da mesma, deixando-a sem identidade. Não estamos falando de emissoras, no caso a Globo, que está falida e não pode se dar ao luxo de arriscar. Ter 25 pontos de ibope numa novela das sete ou 20 numa novela das seis não vai diminuir a quantidade de anunciantes, muito menos fazer com que a próxima novela mantenha o mesmo patamar. Levar uma história até o final, “enfrentar” o público e investir naquela ideia aprovada só despertará admiração e respeito. Sem ficar a famosa pergunta no ar: “o que teria sido ´Tempos Modernos´ e ´Agora é que são elas´ sem as mudanças, o que os autores pretendiam com aquela história?”, por exemplo. De repente, algo muito mais interessante do que o que foi ao ar por pressão e imposição.

Talvez o grande erro esteja no artístico da emissora que não é capaz de prever o que pode dar uma boa novela ou não antes de ir ao ar. Agora o público ser brindado com mudanças drásticas por pressão desse mesmo artístico – coisa que todo mundo nega, mas todo mundo sabe que existe – é demais. Infelizmente, “Morde & Assopra” é mais uma vítima dessa incompetência. A novela tem vários outros problemas que não estão relacionados ao robô da Flávia Alessandra, assim como o robô Frank não era o problema de “Tempos Modernos”.

Além disso, esses grupos de discussão são péssimos. Primeiro, porque representam o que uma minúscula parcela do público de novela pensa; segundo, porque, a partir do momento que você é chamado para participar de um grupo desses e tem consciência de que pode interferir no rumo da história e na trajetória dos personagens, é óbvio que você vai encontrar defeitos e querer dar pitacos; terceiro, porque nenhum desses grupos aponta realmente os erros dessas novelas (vide os casos citados acima, em que todas as mudanças foram em pontos que não eram os verdadeiros problemas); quarto e último, porque, hoje em dia, época em que as redes sociais imperam, os autores tem maneiras muito mais eficazes de saber o que funciona ou não numa novela, podendo dialogar e até debater com esse público sobre o que os incomoda e convencer ou ser convencido de que aquele é o melhor caminho, ao invés de reunir um grupinho mixo para representar a opinião de milhares de pessoas, o que, claramente, é fora de propósito.

Walcyr, não traia sua ideia, por favor!

quinta-feira, 5 de maio de 2011

"Dizendo a cena final, a vida como ela é"

Nesta semana terminou a novela “Ribeirão do Tempo”, uma das maiores em número de capítulos e tempo de exibição na Rede Record (250 capítulos em quase um ano). Uma novela diferente, inovadora em alguns aspectos e que faz o resgate de características das telenovelas clássicas dos anos 1970 e 1980. Estivemos durante todo este tempo diante de uma obra incomum, grande mérito, em primeiro lugar, de seu autor, Marcílio Moraes.


A estrutura da novela já é um grande indício do exercício de linguagem que Marcílio Moraes faria. Não temos aqui um protagonista: o principal personagem da novela é a cidade de Ribeirão do Tempo, papel este formado pelo conjunto do elenco. Em seu perfil, agrega dramas, comédias, política, variados tipos de amor e cenas de ação (especialidade da Record). A cidade atuou como um grande panorama da história universal, onde personagens e fatos reais das mais diferentes épocas serviram de inspiração para a novela. Talvez por isso que os primeiros capítulos não pareceram tão bem amarrados, com uma enxurrada de personagens e histórias a serem apresentados. Isso acabou prejudicando o interesse do público logo de início.

Para a política, Marcílio trouxe dois personagens que foram soberbamente construídos: o professor Flores (Antonio Grassi) e Nicolau (Heitor Martinez). Os dois atores se apresentaram de forma irretocável e suas tramas foram construídas de modo perspicaz, com qualidade semelhante às grandes novelas de Dias Gomes, Lauro César Muniz, Walter George Durst e Benedito Ruy Barbosa. Enquanto o professor Flores prosseguia em sua pacata vida, envolvido em um divertido triângulo amoroso com Léa (Angelina Muniz) e Cloris (Patrícya Travassos), dava prosseguimento a um miraculoso golpe político. Já Nicolau inicia a trama como um desajustado, um inconsequente. Após a morte de seu pai, o senador Érico (Henrique Martins), ele assume a vaga por ser o suplente e inicia uma escalada rumo à presidência do país, caminho este construído através de muita manipulação, loucura, crimes e morte. Os dois personagens simbolizam o que o poder faz quando em mãos erradas ou administrado por mentes doentias. Não se espante se através deles, você, caro leitor, encontrar muitos políticos famosos ao mesmo tempo...

Além da política, a novela abordou assuntos importantes como o alcoolismo, o abuso de poder, os esportes radicais, o incentivo à leitura, etc. Entre estes, um dos mais importantes temas tratados foi a pedofilia, através dos personagens Nicolau e Diana (Letícia Medina). A favor de Marcílio Moraes, o horário de exibição de “Ribeirão do Tempo” permitiu trabalhar esta história de forma consistente, séria e ousada, sem ser apelativa ou demagógica.

Porém, estamos falando de telenovela e, como tal, há a abundância de histórias românticas e casais apaixonados lutando pela felicidade. O diferencial de Marcílio Moraes neste caso foi ter construído pares românticos com referências específicas. Temos a história da Cinderela, com Filomena (Liliana Castro) e Tito (Angelo Paes Leme); o triângulo amoroso atrapalhado (com os personagens professor Flores, Léa e Cloris); o famoso Romeu e Julieta, com Sônia (Louise D’Tuani) e André (Vítor Facchinetti), entre outros. Desta forma, a novela conseguiu agradar a diversos gostos.

Entretanto, nada foi tão charmoso quanto o casal “dama e vagabundo” (ou também o par romântico gato e rato): Arminda (Bianca Rinaldi) e Joca (Caio Junqueira). O relacionamento cheio de contrastes entre a bela executiva bem-sucedida e o atrapalhado detetive formado por correspondência trouxe bons momentos de suspense, comédia e drama. Caio Junqueira, para variar, em um grande momento!

Ao encerrar a novela, Marcílio Moraes nos deixa a impressão de um trabalho competente, ousado, que se alimentou de boas situações episódicas (como a Lei Úmida criada por Querêncio, de Taumaturgo Ferreira), a segura direção de Edgard Miranda (que repetiu muitos recursos já utilizados em “Chamas da Vida”, o que não é legal) e um elenco de altos e baixos, mas que, no geral, conseguiu dar corpo à interessante trama. Todavia, a desorganização da Record em programar as novelas, fazendo com que elas sejam sucessivamente esticadas, impede um maior sucesso. A Record precisa aprender que telenovela não é loja de tecido e que toda trama tem um tempo certo para terminar.


QUENTE
Apesar de um elenco repleto de altos e baixos, os personagens foram bem defendidos por Bianca Rinaldi, Caio Junqueira, Antonio Grassi, Heitor Martinez, Taumaturgo Ferreira, Jacqueline Laurence (sempre elegante em sua interpretação), Juliana Baroni, Ana Paula Tabalipa, Raymundo de Souza e Letícia Medina. Também é importante ressaltar a cidade cenográfica, muito bem feita e adequada ao tom da novela.

MORNO
Há atores (como Solange Couto, Flávia Monteiro e Cássio Scapin) que já apresentaram excelentes trabalhos, mas que há anos estão no básico feijão-com-arroz. Cada trabalho é uma oportunidade para se reinventar. Foi assim que surgiu Dona Jura, Carolina e Nino na carreira deles...

FRIO
A Record, que tanto quer imitar a Globo, poderia aprender com a concorrente nas coisas boas: capítulos longos demais se tornam chatos, respeitar horários de exibição é importantíssimo – afinal, anunciam a novela para às 22h15 e ela sempre entra às 22h30 – e, por fim, a exclusão da abertura (exibindo os créditos em cima da cena) é um dos maiores absurdos que emissora poderia fazer. Sem contar, claro, na quantidade de nomes que aparecem ao mesmo tempo, onde não se consegue ler nem metade, um desrespeito com todos os profissionais envolvidos!

(por Jordão Amaral)

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Entrevista: Marcílio Moraes

Hoje é dia do último capítulo da novela “Ribeirão do Tempo”, exibida pela Record e preparamos uma ótima entrevista com o autor da novela, Marcílio Moraes. Um autor competente, assinou diversos sucessos na televisão. Neste bate-papo, ele fala sobre sua saída da Globo, sua parceria com Dias Gomes, entre outras coisas mais. Aproveitem!


Qual a diferença entre se trabalhar na Rede Globo e na Rede Record?
Existem inúmeras diferenças. E essas diferenças nem sempre são as mesmas para os diferentes artistas. No meu caso particular, tive muito mais liberdade de criação na Record. Ou seja, pude desenvolver projetos que na Globo certamente ficariam nas gavetas. Outros autores talvez considerassem apenas a diferença na audiência e na repercussão das suas obras em uma e noutra emissora. Qualquer programa na Globo repercute, de imediato, vinte vezes mais que na Record. Para cada notícia sobre uma novela na Record tem no mínimo vinte da concorrente na Globo. Basta dar uma olhada na mídia para constatar esse fato. Costumo dizer, usando uma metáfora futebolística, que na Globo você entra em campo ganhando de 4x1. Se tomar um gol, é um incompetente. Na Record, você entra perdendo de 4x1. Se fizer um ou dois gols, já vira herói.

Qual a importância para sua carreira na troca de emissoras?
Depois de 18 anos, sair da Globo foi muito bom para mim, no plano pessoal e no profissional. Porque havíamos chegado à seguinte situação. O que os executivos da Globo gostariam que eu fizesse, eu não queria fazer. Tipo remake de “O Profeta”, segurar novelas que estavam indo para o buraco, etc. E o que eu queria fazer, os meus projetos, eles não aprovavam. Havia um impasse.

Você sentiu que foi perdendo espaço dentro da Globo? O que culminou sua ida para a Record?
Essa é uma longa história. Simplificando, eu diria que sim, fui perdendo espaço. Especialmente depois da morte do Dias Gomes. Tanto eu como o Ferreira Gullar, que costumávamos trabalhar com ele, começamos a ser marginalizados. O Gullar saiu em 2001 e eu saí em 2002. Mas é preciso dizer que, em grande parte, eu forcei a não renovação do contrato. Comecei a cobrar dos executivos uma atitude menos acomodada na dramaturgia, que não saía do rame-rame das novelas tradicionais. Essa experimentação que atualmente acontece na Globo, com a produção de inúmeros seriados, eu propus insistentemente nos últimos anos em que estive lá. Enchi o saco da Marluce e daqueles subordinados dela com essa proposta, até a não renovação do contrato no final de 2002. Felizmente, hoje em dia, não sei se por força das circunstâncias ou da mudança da direção, vejo que a Globo está saindo da modorra, dando oportunidade aos autores de inovarem, de experimentarem, produzindo séries, etc. É bom lembrar que, quando saí da Globo, em 2002, não havia perspectiva para a dramaturgia televisiva. Fora da Globo, apenas o SBT produzia, mas produzia aquelas novelas mexicanas horrorosas. Fui para a Record no começo de 2005, quando essa emissora dava início a um investimento sério e de longo prazo em dramaturgia. Passei 3 anos fora da televisão. O que foi ótimo. Escrevi um romance, uma peça e me dediquei a construir a Associação dos Roteiristas.

Como você trabalha a questão dos ganchos de capítulos, uma vez que a Record não parece ter a mesma organização de horários e de inserção de intervalos comerciais da Globo, por exemplo?
Fazer concorrência à Globo é uma tarefa árdua. Qualquer detalhe se torna importante. O momento de entrada dos comerciais acaba fazendo parte da batalha, tem que ser pensado taticamente na hora em que o programa está indo ao ar. Este é o raciocínio da direção da emissora. Reconheço a dificuldade que ela enfrenta e deixei de reivindicar que os ganchos de comerciais e o gancho final sejam determinados por mim, a priori, no texto. Mudei a forma de escrever o capítulo. Não ponho mais ganchos para os comerciais nem para o final. Simplesmente termino toda e qualquer cena com um gancho. Assim, eles sempre vão ter uma opção.

Você não acredita que a Record se acomodou um pouco no investimento da teledramaturgia de uns quatro anos para cá e não evoluiu o tanto que poderia ter evoluído?
Desde que entrei, em 2005, a Record experimentou uma evolução fantástica. Angariou audiência, respeito do público, dos anunciantes e da imprensa. A meu ver, o maior crescimento se deu nos primeiros três anos, de 2005 a 2007, quando terminei a novela “Vidas Opostas”. O último capítulo dela deu 25 pontos no Ibope, em São Paulo. Um marco. Naquele momento, eu percebi que o próximo passo seria muito mais difícil. E tem sido. A partir dali a tarefa é tirar público diretamente da líder, disputar o primeiro lugar pau a pau. Talvez a emissora pudesse ter evoluído mais. É difícil fazer esta avaliação. De qualquer forma o potencial para isso existe.

Você é o presidente da AR – Associação de Roteiristas. Qual a verdadeira função dessa associação?
A principal função da AR vem enunciada na frase de abertura do nosso Código de Ética, que reproduzo: “É das visões e dos sonhos dos Autores e Roteiristas que a televisão, o cinema e demais tecnologias e meios eletrônicos de difusão audiovisual existentes (e por inventar) adquirem vida. Essas visões e sonhos se materializam no texto escrito, por cuja dignidade e valorização a AR se propõe a lutar”. Vejam o nosso site: www.ar.art.br A AR luta para que o autor-roteirista brasileiro adquira uma identidade profissional própria, independente da emissora de TV em que trabalhe ou do produtor ou diretor para quem escreva. Não basta encher a boca e dizer que é da Globo ou da Record ou trabalha com tal ou qual diretor de cinema. O roteiro é a base de tudo no audiovisual e o profissional que o cria, o roteirista, tem que ser reconhecido pelo seu valor inestimável e insubstituível. Em suma a AR luta pelos interesses profissionais dos roteiristas de todas as mídias.

Já perguntei para o Alcides Nogueira e para a Thelma Guedes. Agora quero discutir diretamente com o presidente (risos). Fale um pouco mais sobre a posição da AR com relação à Classificação Indicativa. E qual sua opinião pessoal sobre o assunto?
Vou começar pela minha posição pessoal. Sou radicalmente contra qualquer interferência, seja governamental ou empresarial, no trabalho do autor-roteirista. Eu não preciso que nenhum executivo da empresa ou burocrata do governo me diga o que é apropriado para o meu público. No caso das novelas, para ficar no meu campo, por força dos contratos, nós eventualmente temos que nos submeter a interferências da empresa. Embora indesejável, isso a gente consegue administrar. Mas com o Estado a coisa é outra, ele não tem que se meter. O fato é que, na equação autor x público x empresa, não sobra lugar para o governo. A meu ver, o Departamento de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça deveria ser extinto, pura e simplesmente, bem como aquele manual ridículo que eles inventaram. A posição da AR é parecida com a que expus e está expressa em documento oficial que pode ser lido no nosso site: http://www.ar.art.br/.

Alguma de suas últimas novelas foi prejudicada por conta dessa Classificação Indicativa?
O problema maior da Classificação Indicativa, para quem faz novelas, é que ela serve de pretexto para os executivos interferirem no nosso trabalho. Quando a empresa me pede para escrever uma novela, por exemplo, para as 22 horas, eu sei o que é apropriado para o público daquele horário. Pouco me importa se a classificação vai ser dez, 12, ou 14 anos. Mas a empresa pensa em uma possível reprise em outro horário. E aí o medo da classificação indicativa acentua as paranóias dos executivos.

Como funcionava a Casa de Criação Janete Clair? Por que demorou tanto tempo para o projeto ser aprovado? Qual a validade que ela teve para a renovação de autores?
Quando entrei na Globo, a Casa de Criação já existia. Nunca fui funcionário da Casa de Criação. Basicamente, a Casa fazia uma análise das propostas de dramaturgia apresentadas à Globo, tanto por autores contratados como por gente de fora. E elaborava um parecer que era levado à direção da emissora, vale dizer, Boni, Daniel Filho, aquela gente, que acatava ou não. Se bem me lembro, a Casa também promoveu alguns cursos. Apesar desse papel discreto, a Casa de Criação suscitava uma inveja terrível dentro da empresa. Foi desencadeado um movimento, na surdina, contra o Dias Gomes, que culminou com o fechamento da Casa. A rigor, eu só fiz um trabalho para a Casa de Criação, que foi a sinopse de “Roda de Fogo”. Depois chamaram o Lauro para encabeçar o projeto e eu fiquei como co-autor, embora, com o tempo, a minha real participação nessa novela tenha ficado ofuscada. A Casa de Criação, que eu saiba, não teve tempo de vida suficiente para influenciar na renovação do quadro de autores.

Você dá espaço para novos colaboradores em suas novelas?
Não só nas novelas mas também nos seriados, tenho chamado escritores iniciantes e/ou que estão fora da televisão ou do mercado de trabalho. Acho que abri o caminho profissional pelo menos para alguns deles.

Qual o caminho para a renovação do quadro de autores de novelas?
Não há muito caminho porque a novela é um gênero avaro em termos de mercado de trabaho. Cada novela fica pelo menos sete meses no ar. Neste tempo, apenas um autor trabalha com dois ou três colaboradores. Se você for contar, por ano, em todo o horário nobre da televisão aberta brasileira, de todos os canais, para um público de 180 milhões de pessoas, não trabalham mais de trinta escritores. E como uma novela representa um investimento muito alto, por volta de 50 milhões de reais, as produtoras-emissoras (no Brasil são as mesmas empresas) arriscam o mínimo possivel. O público cativo de telenovelas também é conservador, está acostumado a ver novelas parecidas uma atrás da outra. Daí que os autores também são repetidos. Logo, os jovens que sonham em se tornar novelistas vão ter um caminho muito duro e estreito pela frente. Melhor lutar para que outros formatos, mais generosos em termos de mercado de trabalho, recebam mais investimentos daqui para a frente.

Como é a divisão de trabalho entre você e seus colaboradores?
A sinopse e os primeiros 20 ou 30 capítulos eu escrevo sozinho. Nessa fase, os colaboradores acompanham o trabalho, eventualmente fazendo críticas e/ou sugestões. A partir daí, eu começo a passar algumas cenas para eles dialogarem. É um período de adaptação ao modo de ser dos personagens, a maneira como falam, etc. Por fim, eu passo a escrever apenas a escaleta dos capítulos. A escaleta é um resumo detalhado de todas as cenas do capítulo. Os colaboradores dialogam e eu ainda realizo uma revisão final, antes de mandar para a produção. Já que falamos de colaboradores, vale dizer que trabalhei com uma excelente equipe em “Ribeirão do Tempo”. O Joaquim Assis, a Paula Richard, a Consuelo de Castro e o Eduardo Quental, além da pesquisadora, Irene Bosísio.

Você por muito tempo foi colaborador de Dias Gomes. Como era a sua parceria com o autor? E a divisão do processo de trabalho?
Aqui cabe um esclarecimento. Eu só fui colaborador do Dias em “Roque Santeiro”, minha primeira novela. Por colaboração, claro, entendida a função de dialogar capítulos estruturados pelo autor. Depois de “Roque Santeiro”, eu fui co-autor com ele em alguns trabalhos. Em “Mandala”, ele escreveu a primeira fase, de vinte capítulos. E apenas seis capítulos da segunda fase. A partir do capítulo 26 eu assumi a novela e ele se afastou. Nossa combinação era que ele escreveria até o capítulo 36, mas só foi até o 26. Em “Noivas de Copacabana”, assinamos igualmente o Dias, o Ferreira Gullar e eu. O Dias era o cabeça mas a participação dos três era equivalente. Eu escrevi cinco capítulos, o Gullar cinco e o Dias seis, porque o capítulo final ficou com ele. No remake de “Irmãos Coragem”, o Dias escreveu os prmeiros 20 capítulos e eu fiz o resto. “Dona Flor e Seus Dois Maridos” teve uma divisão similar à de “Noivas”. Foram essas as obras que escrevi com ele.

Dias Gomes era preguiçoso ou não gostava de escrever novelas, escrevia apenas até o capítulo 30 e passava a bola?
Quando eu conheci o Dias Gomes e começamos a trabalhar juntos, ele tinha a idade que eu tenho hoje. A Janete Clair, mulher dele, havia morrido dois anos antes. O Dias ainda se mostrava muito impressionado com este acontecimento. Lembro dele me dizer várias vezes que, na idade em que estava, entregar um ano de vida – e é isto que efetivamente custa ao autor uma novela – à Globo, não era razoável. Eu hoje entendo perfeitamente aquelas palavras. Ele não era preguiçoso, de forma nenhuma. O que ele fazia, naquela altura da sua vida profissional, era tentar se preservar um pouco. Uma aspiração problemática, haja vista o que aconteceu em “Roque Santeiro”.

O que você aprendeu com Dias Gomes que você carrega até hoje na hora de escrever uma novela?
O que eu disse na resposta anterior é uma delas. (risos) É difícil determinar uma lição específica. Quando conheci o Dias, eu já era um dramaturgo formado, tinha peças montadas e premiadas. Com ele eu peguei as especificadades da dramaturgia de televisão. O Dias era um escritor magnífico. A facilidade com que ele definia um personagem, em poucas falas, era espantosa.

Por que existe uma polêmica tão grande em torno da autoria de “Roque Santeiro”?
É uma falsa polêmica. Uma polêmica criada artificialmente. O Dias é o autor de Roque Santeiro. Ponto. Basta analisar os fatos. O Dias escreveu a peça que deu origem à novela, “O Berço do Herói”, na década de 60. Na década de 70, ele escreveu a sinopse de “Roque Santeiro”, baseada na peça, e os 51 primeiros capítulos, quando a novela foi proibida. Em 1985, quando a Globo quis produzir a novela outra vez, o Dias estava dirigindo a Casa de Criação, e passava por aqueles problemas a que me referi acima. Ele então sugeriu que um outro autor tocasse a novela, sob a supervisão dele. A Globo topou e foi chamado o Aguinaldo Silva. Além dele, o Dias chamou a mim e ao Joaquim Assis para colaborar. A única modificação que o Aguinaldo fez na sinopse inicial foi acrescentar um personagem, um Padre progressista, o Padre Albano. Algumas cenas com esse personagem foram interpostas naqueles primeiros 51 capítulos que o Dias já tinha escrito. Foi a única modificação que esses capítulos sofreram. Mesmo assim, como os capítulos ficaram muito grandes, as novas cenas foram cortadas na hora de ir para o ar. Em resumo. Os primeiros 50 capítulos que foram ao ar em 85 eram exatamente aqueles que o Dias escreveu em 75. Muito antes deles se esgotarem, a novela já era um extraordinário sucesso, já havia se tornado um mito. Capítulos estruturados pelo Aguinaldo e escritos por ele ou por mim ou pelo Joaquim só depois do capítulo 50. Nesta altura, o Dias tinha feito uma viagem à Europa. E o Aguinaldo começou a dar entrevistas como o autor da novela. E aí se iniciou o conflito que terminaria com o afastamento do Aguinaldo por volta do capítulo 160. O Dias reassumiu e a novela continou até o capítulo 214. Quer dizer que a polêmica em torno da autoria é uma distorção. Quem cria a sinopse, inventa os personagens e escreve os 50 primeiros capítulos é o autor indiscutível de uma novela. O Dias seria o autor de “Roque Santeiro” mesmo se não tivesse supervisionado nem escrito mais uma linha depois dos 51 capítulos iniciais.

Quais são suas fontes de inspiração na hora do processo criativo?
Sempre vivi mais num mundo criado pela minha imaginação do que no mundo real. Logo, a primeira fonte é minha imaginação. O resto vem do que eu vivi, do que li e do enfoque irônico que tenho da vida.

Como surgem as idéias para uma nova novela? “Ribeirão do Tempo”, por exemplo, surgiu a partir de um personagem, de um tema ou de uma trama?
“Ribeirão do Tempo” foi uma novela em grande parte feita no improviso. Tive pouco tempo para elaborar a sinopse. A novela me foi encomendada de urgência em julho de 2009, para estrear em fevereiro de 2010, um tempo extremamente curto. A estréia acabou sendo adiada para maio, o que não mudou nada, porque a essa altura eu já havia escrito uns 15 capítulos, ou seja, o jogo do improviso já estava feito. “Ribeirão” foi construída a partir de três idéias: uma antiga sinopse que eu havia feito para o horário das sete, sobre esportes radicais; um romance policial inacabado que eu tinha na gaveta e uma inspiração literária, o romance “Os Demônios”, de Dostoiévski, autor a quem venero. Devo admitir que esta fusão improvável, tecida com um olhar irônico, resultou numa novela um tanto insólita, mas que acabou funcionando muito bem.

A questão política é muito presente em todas as suas novelas. Por quê?
Sempre me interessei por política, desde a adolescência, embora ninguém da minha família fosse ligado nisso. A época, os anos sessenta, tinha um forte apelo político. Assim que entrei na faculdade, me filiei ao Partido Comunista. Tinha ido estudar Letras, porque meu sonho era ser escritor. Mas a política exercia um atração irresistível sobre mim. Durante um certo tempo, fui estudante profissional. Eu tinha sido suspenso por um ano da faculdade e o Partido me pagava um salário para me dedicar exclusivamente à agitação política pelo Brasil afora. Depois me enviaram para algumas missões no Leste Europeu. Aí conheci o comunismo de perto e me desiludi para o resto da vida. Mas o interesse pela política se manteve, assim como o fascínio pela revolução. Minha visão de mundo inclui o dado político, não posso evitar. Penso politicamente. Quando imagino uma novela, o dado político vai estar presente, porque faz parte de mim.

“Vidas Opostas” é considerada um divisor de águas na teledramaturgia nacional. Ao que você atribui o sucesso da novela?
“Vidas Opostas” fez sucesso por várias razões. A primeira delas porque era uma excelente novela, modéstia à parte. Depois porque trouxe de volta um gênero há muito tempo deixado de lado nas novelas, o que o Dias Gomes chamava de realismo crítico. Em parte, isto significa ter o povo como um dos protagonistas da trama. Metade dos personagens de “Vidas Opostas” era de favelados. E aquela gente formava um personagem coletivo de extraordinária força. Vamos deixar claro, não estou falando de realismo socialista, mas de realismo crítico. Porque eu não estava pregando revolução nenhuma, nem afirmando superioridade de uma classe sobre as demais. Mas trazendo o povo para dentro da forma mais popular de dramaturgia do país, a telenovela, onde ele só aparecia de forma folclorica ou casual. Todo mundo sabe que o Brasil tem na exclusão social sua característica mais marcante. Característica que as telenovelas em geral reafirmam. Ou seja, “Vidas Opostas” fugia da tradição do bom-mocismo didático, do maniqueísmo e do universo de classe média que predomina nas obras do gênero. Isso atraiu a atenção do público.

“Ribeirão do Tempo” foi uma novela que demorou um pouco a consolidar a audiência. Por qual motivo?
Desde o início eu tinha consciência de que seria uma novela difícil. Minha opção narrativa foi construir o universo ficcional daquela cidade devagar, sem truques, deixando os personagens aflorarem naturalmente. Acrescida a isso, há a construção irônica, que exige do espectador um pouco de atenção e reflexão a mais do que normalmente se dedica a uma telenovela. Para curtir esse tipo de obra, o público tem que se colocar num certo distanciamento crítico, tem que partilhar com o autor da maneira como a história é engendrada, e não apenas se envolver emocionalmente nas tramas.

A novela está próxima do fim. Missão cumprida? Alguma coisa não aconteceu conforme o planejado inicialmente?
No começo eu tive receio de não conseguir criar o universo ficcional que estava na minha intuição. Mas consegui chegar lá. Foi uma novela extremamente trabalhosa, porque na verdade eu lidava com um enorme personagem coletivo, os habitantes da cidade de Ribeirão do Tempo. Tinha que ter sempre em consideração o conjunto da população, as histórias tinham que avançar concomitantemente. Exige esforço fazer isso. Acho que tudo aconteceu dentro do previsto, exceto o tempo de duração, onze meses e quinze dias, que foi além do que eu contava.

Há muita interferência por parte das emissoras na hora do processo criativo do autor? Que tipo de interferência você já sofreu?
As emissoras não interferem no sentido de determinar rumos para as histórias. Isso é um mito totalmente equivocado. A começar pelo fato de que não há na direção das emissoras ninguém com capacidade dramatúrgica para se meter numa novela. A obra é do autor, em termos absolutos. Nós propomos a idéia inicial e, se aceita, desenvolvemos a história com autonomia. Eventualmente há pedidos para atenuar algum aspecto, por exemplo, evitar muitos palavrões ou contornar uma situação de sexo explícito. De um modo geral, são solicitações irrelevantes, que não alteram o rumo da história. Mesmo porque os autores sabem o que é apropriado para o seu público, como eu já disse. Ninguém vai botar uma suruba no horário das sete, como alguns alucinados afirmam que aconteceria, se não houvesse vigilância governamental.

“Mandala” foi uma novela bastante polêmica, uma adaptação de “Édipo-Rei”, falava de incesto. Houve censura e mudança de rumo na história?
“Mandala” foi um caso extremo. A proposta do Dias, de adaptar “Édipo Rei” era extremamente ousada. Foi a experiência profissional mais difícil da minha vida e atrapalhou muito a minha carreira. Mas isso não vem ao caso agora. A história de um filho que mata o pai e se casa com a mãe, numa novela, vamos convir, era complicada de levar adiante. Naquela época ainda havia a Censura Federal. Mas independente da censura, quando foi chegando a hora do filho transar com a mãe, levantou-se uma celeuma gigantesca na opinião pública. A novela, a esta altura, estava na minha mão. Eu é que tive que decidir se fazia ou não a transa. Aí o Daniel Filho, que era o diretor de criação, mandou entregar na minha casa uma carta secreta do Boni para a Censura Federal, datada de antes da novela estrear, se comprometendo pela empresa de que não aconteceria a relação mãe-filho. Veja bem, nenhum dos dois teve coragem de falar comigo diretamente, nem por telefone. Mandaram deixar a carta na minha casa. Eu liguei para o Dias e ele disse que não tinha conhecimento da carta. Resumindo, a bomba ficou na minha mão. Não sei o que aconteceria se eu tivesse escrito a cena. Acontece que, independentemente da carta e de toda a celeuma, eu já tinha decidido não fazer a trepada do filho com a mãe, não por razões morais, mas porque a novela se tornaria insustentável, dramaturgicamente, a partir daí. Esta é apenas a parte mais notável da série de problemas daquela novela. Um dia conto detalhadamente tudo que aconteceu.

Por que o diretor Luiz Fernando Carvalho foi afastado do remake de “Irmãos Coragem”?
O Luiz Fernando foi muito deselegante com o Dias em todo o processo da novela. Fez uma direção da cabeça dele, sem consultar o Dias e mesmo se esquivando de dar qualquer explicação. Quando os capítulos foram ao ar, pareciam chumbo, tamanho o peso, por culpa exclusiva da direção. A audiência foi lá embaixo. O Dias encabeçou a novela até o capítulo 20, como combinado, e passou para mim. Na passagem de um para o outro, o Boni afastou o Luiz Fernando. Então disseram que fui eu que botei o Luiz Fernando para fora, mas não foi bem assim.

Você gosta de escrever novelas ou acha o processo desgastante demais?
Novela tem suas gratificações mas é muito desgastante, de fato. Quando vai bem, ainda é mais suportável. Mas quando vai mal... É dureza. O problema é que nossa televisão é viciada em novela. Durante décadas, a Globo ocupou todo o horário nobre com novelas. E hoje é muito difícil fugir desse padrão. A concorrência não tem alternativa senão fazer novelas para enfrentar as novelas globais. E por aí vai. Não que eu seja contra as novelas, mas acho que é hora de termos também outros formatos. Vai ser bom para todo mundo.

Os números de audiência das telenovelas já não são mais os mesmos. Você acredita que exista uma crise no gênero ou o processo de medição está ultrapassado?
Há vários fatores concorrendo para que a audiência das novelas não seja mais a mesma. O primeiro deles é que, embora a Globo ainda seja predominante, hoje se vê obrigada a enfrentar uma concorrência mais estruturada. Não é mais tão fácil dar 40, 45 pontos. A coisa se divide. Além disso, há a concorrência das outras mídias. E acredito também que o rame-rame, depois de todas essas décadas, desperte menos interesse no público.

Você não acha que os nossos seriados têm cara de novela? O que fazer para mudar isso?
Eu fiz um seriado, “A Lei e o Crime”, com 21 episódios, que não tinha cara de novela. O que houve foram algumas críticas equivocadas. Porque eu botei uma delegada que tinha raízes na nobreza, acharam que isso era ranço de novela, sem perceber a ironia que estava por trás da construção de uma personagem que iria enfrentar traficantes na favela. “9 mm” também não tinha cara de novela. De qualquer forma, você tem razão em levantar a questão da influência da novela em toda nossa dramaturgia, porque a novela tem uma presença acachapante no Brasil. A gente só vai se livrar dela produzindo mais e mais seriados. Porque precisa de um processo de aprendizado, não só dos autores, como dos diretores, dos atores, dá técnica, etc. E até do público.

Tem planos para o cinema?
Tenho o projeto de um filme a partir do seriado “A Lei e o Crime”. Já era para ter sido produzido, mas uma série de questões burocráticas emperraram o processo. Deve ser feito até o final deste ano. Fora esse, tenho outros projetos que pretendo tocar agora que a novela acabou.

O que achou do blog? Tem algum recado para os nossos leitores?
Um blog que se propõe a fazer crítica de teledramaturgia, de forma séria e consistente, é extremamente oportuno. Porque, a rigor, não se tem crítica de teledramaturgia no Brasil. Salvo honrosas exceções, o que se vê por aí é o que eu chamo de crítica marca “silvo”, aquela que só serve para lustrar a prata da casa. Mais nada. “Ribeirão do Tempo” careceu de uma crítica aprofundada, favorável ou desfavorável, não importa. Houve algumas no início, feitas em cima do primeiro capítulo, inteiramente equivocadas, supondo desdobramentos convencionais para a trama, e que, claro, foram desmoralizadas no desenrolar da novela. Depois, quase nada. A grande imprensa me brindou com um silêncio ostensivo. Não sei até que ponto foi um boicote – talvez pela sátira da esquerda, num país onde todo mundo se diz de esquerda – ou um problema de falta de ferramentas conceituais para analisar uma obra fora do padrão habitual. O blog “Tv Crítica” pode contar com todo o meu apoio, mesmo que me esculhambem. Se o fizerem com uma análise fundamentada da minha dramaturgia, tudo bem.

(por Beatriz Villar)