sábado, 30 de julho de 2011

O ABC do Santeiro


Confirmando sua vocação para o resgate de boas recordações e excelentes momentos televisivos, o canal Viva começou neste mês de julho a reprise da novela “Roque Santeiro”. Um dos maiores fenômenos de audiência e qualidade dramatúrgica (equiparando-se a novelas como “Beto Rockfeller”, “O bem-amado”, “Irmãos Coragem”, entre outras, no que diz respeito a sua importância neste gênero), a trama de Dias Gomes, escrita por ele e por Aguinaldo Silva, mostra às novas gerações um momento de raríssima felicidade de nossa televisão.

Em 1985, a linha de telenovelas da Rede Globo vinha em uma considerável estabilidade, o que engrandecia ainda mais as comemorações dos vinte anos da emissora. No horário das seis, tanto “Livre para voar” quanto “A gata comeu”, sua sucessora, eram êxitos indiscutíveis. No horário das sete, após a coqueluche que fora “Vereda tropical”, a novela “Um sonho a mais” teve muitos percalços no início (de audiência e, principalmente, de dramaturgia), mas acabaria por encontrar um caminho, ao menos, digno até seu fim. Já no horário das 20h, “Corpo a corpo”, de Gilberto Braga, envolvia os telespectadores com uma inteligente e folhetinesca trama que tocava em assuntos muito sérios, tais como ascensão feminina, racismo, etc. Neste mesmo ano de 1985, o último presidente militar deixava o poder, após 21 anos de um legado maldito. Entretanto, a Censura federal perduraria por mais alguns anos, mas agora relativamente mais branda (ainda que muito pouco). A mesma Censura federal que vetara “Roque Santeiro” em 1975.

“Roque” seria a primeira novela de Dias Gomes no horário das 20h. Também marcaria o início da produção a cores no horário e uma renovação temática, trazendo para o carro-chefe da emissora o estilo bem sucedido das novelas das 22h. A trama de “Roque Santeiro” fora baseada na peça de Dias “O berço do herói”, assim como boa parte (em maior ou menor grau) de suas obras para a TV. Porém, a referida peça já estava vetada pela “temida” Censura federal. Dias Gomes, acreditando na óbvia limitação de alguns censores, mudou alguns nomes, poucos aspectos (a peça trazia como pano de fundo a Segunda Guerra Mundial) e apresentou a sinopse da novela, que fora aprovada. Após 36 capítulos gravados, no dia da estreia, a novela recebeu diversos cortes inexplicáveis. Horas depois, ela foi proibida de ir ao ar às 20 horas (e, mesmo sendo exibida às 22h, mais cortes seriam feitos, o que inviabilizava a compreensão da trama). Algum tempo depois, Dias Gomes soube que o telefone de Nelson Werneck Sodré, seu amigo, estava grampeado e o Dops (Delegacia de ordem política e social) ouviu a conversa em que Dias confessava a adaptação de “O berço do herói”. A Rede Globo preparou uma emergencial reprise de “Selva de pedra”, parte do elenco foi remanejada para a próxima novela, “Pecado capital”, a emissora amargou muitos cruzeiros de prejuízo e, no fundo, os profissionais envolvidos (leia-se Boni e Daniel Filho) guardaram um nó na garganta, pois sabiam que o que apresentariam era radicalmente diferente do que o gênero vinha fazendo.


Tal inconformismo é plenamente justificável. A novela conta a história de Roque (José Wilker), um santeiro na pequena Asa Branca que, ambicioso e limitado pelas poucas oportunidades que a vida lhe deu, aproveitou a invasão do cangaceiro Navalhada (Oswaldo Loureiro) para roubar os moradores da cidade, passando-se por interlocutor do bandoleiro ao dizer que ele exigia uma quantia para ir embora sem matar ninguém. Só que, em posse do dinheiro, Roque foge e vai para o Rio de Janeiro e, depois, Europa. Neste meio tempo, Sinhozinho Malta (Lima Duarte) percebe a oportunidade de trazer sua amante Porcina (Regina Duarte) e forja a morte do santeiro. Traumatizado, o pai de Roque, Salustiano (Nelson Dantas), isola-se em uma palafita e começa a pregar a paz como Beato Salú. Dias depois, Porcina aparece, dizendo-se viúva do santeiro, o que já inicia uma confusão, pois Roque deixara uma noiva, Mocinha (Lucinha Lins). O mito de Roque começa a crescer quando uma menina, Lulu (Cássia Kiss), mente para os pais, dizendo que tem visões onde Roque lhe manda que se banhe com a lama do rio para se curar de algumas doenças de pele. Os banhos dão certo, já que a lama é medicinal. As mentiras vão crescendo e, dezessete anos depois, todos estão aprisionados nos mitos que criaram. Sinhozinho e Porcina enriqueceram muito com a exploração de Roque Santeiro, assim como Zé das Medalhas (Armando Bógus). Lulu, agora mulher de Zé das Medalhas, torna-se uma quase santa aos olhos da população e leva uma vida castrada de qualquer prazer. A cidade de Asa Branca prospera, torna-se um ponto turístico religioso, com grande projeção no cenário político nacional, o que muito envaidece o prefeito (e barbeiro) Florindo Abelha (Ary Fontoura). O ápice de tal efervescência é a chegada à cidade da equipe de cinema liderada por Gérson do Vale (Ewerton de Castro), dispostos a filmar a saga de Roque Santeiro. Todavia, este, sem saber que se tornou um mito (com direito a uma falsa viúva), resolve voltar para Asa Branca, a fim de devolver um ostensório roubado da igreja de Padre Ipólito (Paulo Gracindo). Seu retorno pode significar o fim de Asa Branca, o que leva os poderosos da região (Sinhozinho Malta, Porcina, Zé das Medalhas, Padre Ipólito e Florindo Abelha) a criar mil situações, ganhando tempo para convencer Roque a ir anonimamente embora e manter o mito de Roque Santeiro intacto.

A estrutura da novela permite uma crítica ao misticismo sim, mas também se pode dizer que há uma discussão sobre os mitos que criamos, com os quais permanecemos aprisionados (talvez a grande representante disso seja a personagem Lulu). Como se pode ver, é uma experimentação da linguagem narrativa bem diversa dos intrincados amores que predominavam a telinha (não que tais enredos não sejam bons, mas o excesso deles traz uma massificação de um modelo de história, chegando a se confundir gênero com o conteúdo repetidamente veiculado). A inteligente trama de Dias Gomes recebeu imprescindível releitura de Aguinaldo Silva. Dias, na época, não quis reescrever a novela por alguns motivos, entre eles, o fato de estar cansado do trabalho televisivo após anos elaborando sozinho o seriado “O bem-amado”. Além disso, Dias Gomes implantara neste período a Casa de Criação Janete Clair, uma tentativa de se formar autores para a televisão, o que lhe ocupava muito tempo de trabalho. Aguinaldo Silva assume então a novela e, juntamente com os diretores (liderados por Paulo Ubiratan), engrandece a aceitação da novela pelo público, chegando a marcar 100 pontos de audiência. Deste fato, começa a via crucis de “Roque Santeiro”.

O problema é que a novela se torna um mito muito maior do que realmente é. A equipe estava muito empenhada em contar tal história e o público encontrava-se extasiado pela possibilidade de assistir a uma trama sem as ferrenhas ameaças da Censura (ainda que ela continuasse a existir). Resultado: a novela se tornara logo nas primeiras semanas um fenômeno sem precedentes. Dias Gomes, voltando de uma viagem à Europa, percebeu o imenso êxito de sua história e tentou retomar a redação. Aguinaldo Silva não aceitou de modo algum, principalmente quando sugeriram que ele deixasse a novela e divulgasse que o fez para homenagear Dias, permitindo-lhe escrever o final. A confusão estava armada.

No que se refere à narrativa de “Roque Santeiro”, esta alternância de autoria cria três diferentes níveis na estrutura da novela. O primeiro está nos cinquenta capítulos iniciais, escritos por Dias Gomes e retrabalhados por Aguinaldo Silva. É a introdução da história, a apresentação de todos os elementos. Em seguida, temos o rincão Aguinaldo Silva, que inclui seus traços autorais, como a criação da Rua da Lama (inspirada na baixada fluminense, região que Aguinaldo conhece muito bem por ter trabalhado anos como repórter policial) e a chegada ao clímax, quando Padre Albano (Claudio Cavalcanti) reúne a população de Asa Branca para revelar a farsa. Após, com a retomada de Dias Gomes, esvazia-se as adições criadas por Aguinaldo. A conduta dos personagens é um grande indicador dessas variações. Sinhozinho Malta inicia a novela como um grande malandro, passa a se mostrar violento e disposto até a resolver as situações na bala, para, no fim, fazer de um tudo para colocar panos quentes em todos os problemas causados pela chegada de Roque.

Apesar de tantas confusões e desníveis narrativos, a novela “Roque Santeiro” guarda números bastante vultosos. Além de uma expressiva audiência, a trama originou um álbum de figurinhas, duas adaptações literárias (uma em 1987, de Eduardo Borsato, e outra em 2008, de Mauro Alencar) e duas trilhas sonoras recordistas em vendagem. O volume 1 de “Roque Santeiro” ultrapassou 1 milhão de cópias vendidas logo nas primeiras semanas. Ao contrário do habitual (e retomando um esquema inicial para as trilhas sonoras), as músicas desta novela foram compostas, por encomenda, a personagens específicos. Tal preciosismo é fundamental para a interpretação da obra. Como exemplo, o que seria do professor Astromar Junqueira (Ruy Resende) sem a grave voz de Zé Ramalho a cantar “Mistérios da meia noite”? Incrivelmente, tantas derivações a partir da novela foram lançadas muito antes de a Rede Globo ter um esquema de licenciamento de produtos, prática mais do que corrente hoje em dia. Recentemente, “Roque Santeiro” foi a primeira telenovela da Rede Globo a ser lançada em DVD – prática bastante usual no México, onde a Televisa vende compactos de seus maiores sucessos; no Brasil, algumas tímidas tentativas foram feitas, como os compactos de “Floribella” e Dona Beija” (este último ainda em VHS). Além de todos estes dados, falta citar que ela foi reprisada em duas ocasiões: em 1991, antes da novela das seis (a saber, “Salomé” e “Felicidade”) e em 2000/01, no “Vale a pena ver de novo”.

O público tem agora o deleite de rever atuações marcantes de Lima Duarte, Regina Duarte, Yoná Magalhães, Lídia Brondi, Paulo Gracindo, Ary Fontoura, Heloísa Mafalda, Ruy Resende, Lucinha Lins, Cássia Kiss, Armando Bógus, Claudia Raia, entre outros. Mas, acima de tudo, é a chance de rever um momento em que acontece uma rara sintonia entre texto, elenco, direção, público, forma e conteúdo. “Dizem que Roque Santeiro, um homem debaixo de um sonho / Ficou defendendo seu canto e morreu / Mas sei que é ainda vivente na lama do rio corrente / Na terra onde ele nasceu” (...)

(por Jordão Amaral)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Entrevista: Daniela Camargo

Vocês se lembram de Daniela Camargo, a Lena da novela “Vamp”? Daniela emendou vários trabalhos na televisão nos anos 90. Muitos, agora com a reprise da novela no Canal Viva, devem se perguntar por onde anda a atriz. Nós fomos atrás dela. Acompanhem a entrevista!


Qual foi sua formação acadêmica como atriz? Quais eram os caminhos para a formação de um ator quando você começou a carreira? Era mais difícil que hoje em dia? Na sua opinião, o que seria uma sólida base para um ator (cursos, leituras, referências teóricas, atores icônicos, etc.)?
Comecei a minha carreira na EAD, Escola de Artes Dramáticas da USP, Universidade de São Paulo. Os caminhos para os atores nessa época eram algumas escolas de teatro, incluindo a EAD e a Unicamp, que tinha um curso novo, o qual eu também entrei. Mas, mesmo morando em Campinas, eu optei por estudar em São Paulo, pois já estava trabalhando com publicidade, quis ficar mais perto do mercado de trabalho. Não sei se era mais difícil, acho que hoje deve ter até mais opções. Acredito que uma sólida base só é possível com estudo, leituras, experiências e vivências, cursos etc. Nessa carreira você nunca para de se aperfeiçoar, estudar...

Para você, quais são os prós e os contras de ser atriz?
Os prós nessa carreira para mim é o não ter uma rotina definida, é a variedade de papéis que se pode experimentar, a possibilidade de conhecer pessoas, lugares e assuntos diferentes, de estudar, pesquisar sobre tudo isso e assim fazendo com que cada trabalho seja único. O maior contra acredito ser a instabilidade.

Antes de estrear em novelas, você fez teatro e trabalhou como modelo. Gostaria que você nos descrevesse seu percurso profissional antes da TV e de que forma este período te ajudou a chegar até ela. Aliás, a televisão já era um objetivo a se atingir?
Eu comecei a me interessar por teatro desde muito criança, me fantasiando, fazendo teatro em casa para a família... Queria me inscrever numa promoção para testes para a nova Narizinho de “O Sítio do Pica-Pau Amarelo”, mas minha mãe não deixou. Eu participava de todas as peças da escola, escrevia, dirigia... Quando fui assistir “Chapeuzinho Vermelho” no teatro, eu senti vontade de me levantar da cadeira e ir para o palco. Não queria assistir, mas fazer. Eu devia ter uns sete anos... Depois dessa peça, tentei encontrar cursos de teatro, mas não existia para crianças. Consegui o telefone da empresa que produzia peças infantis em Campinas, me disseram que tinha que ter dezoito anos. Eu só pensava nisso, em como eu iria sair dali e conseguir fazer teatro. Com dezessete anos, comecei a fazer publicidade, fotos e filmes. Esse caminho me ajudou a começar a trabalhar em São Paulo, daí a escolha da USP. A televisão não era um objetivo, mas ela veio rápido.

Sua primeira novela foi “Mico preto” (Rede Globo, 1990), onde você interpretou a Katy, filha de Fred (José Wilker). Como foi esta primeira experiência em meio a talentos como Márcia Real, José Wilker, Luiz Gustavo, Louise Cardoso, entre outros? Você se recorda da recepção do público a seu personagem?
Minha primeira novela foi especial, um conto de fadas. Eu estava dentro da Globo, ia agendar um teste quando cruzei com o diretor Denis Carvalho no corredor. Ele me viu, perguntou quem eu era, o que estava fazendo. Eu levava um book fotográfico comigo, ele olhou, chamou o diretor Paulo Ubiratan na sala, ligaram para o ator Marcelo Serrado para fazermos um teste na mesma hora. Eu saí de lá com o papel de Katy nas mãos. Peguei um ônibus para São Paulo e mal podia acreditar no que tinha me acontecido. Aquele foi o meu dia! Essa primeira experiência foi maravilhosa, começar a atuar com tantos atores veteranos, conhecidos, foi a continuação da escola que tive que trancar para fazer a novela. A recepção do público foi uma delícia e assustadora, pois eu não conseguia andar em lugar nenhum sem ser notada, principalmente quando ia para Campinas. No começo é difícil de se acostumar.

Logo após “Mico preto”, você participa de “Ilha das bruxas” (Rede Manchete, 1991). Como surgiu este trabalho? O que você gostaria de destacar nesta minissérie? Fale um pouco sobre esse trabalho.
Logo após “Mico Preto”, fui convidada para participar da minissérie "Ilha da Bruxas". Foi uma delícia esse trabalho, pois ficamos um mês inteiro em Florianópolis, que é um lugar maravilhoso. Aquilo tudo que falei antes sobre lugares, pessoas e assuntos diferentes se encaixa aqui. Estudamos sobre as lendas, estórias da ilha, enfim, só tenho boas recordações.

Um de seus trabalhos mais lembrados até hoje foi em “Vamp” (Rede Globo, 1991/92). A Lena é uma personagem com bastante importância na trama, fazendo parte do triângulo amoroso com Lipe (Fábio Assunção) e Natasha (Claudia Ohana). Com a reprise da novela pelo canal Viva, como você avalia seu trabalho nesta novela? Você está assistindo? Como tem sido a reação do público, muitos deles nascidos depois de 1991?
A novela “Vamp” realmente é um dos meus trabalhos mais lembrados mesmo. Essa novela foi um sucesso absoluto, foi uma inovação em vários aspectos. Ela marcou uma época e marcou a vida de uma geração de jovens. Com a reprise da novela, intensifica mais ainda o reconhecimento diário do meu trabalho, pois não tem um só dia sequer que alguém não me pare para cumprimentar, perguntar por que não estou trabalhando, que devo voltar etc. Eu era jovem e ainda inexperiente, mas acho que cumpri o meu papel. Eu não vejo a novela. Quando fiquei sabendo que ia reprisar, eu contei para minha filha de sete anos, pois ela sabe que sou atriz, e me pediu para ver. Liguei umas duas vezes, vi com ela, me fez muiiiiiiitas perguntas, estava curiosa para saber como era o meu trabalho. Foi bem legal e ela adorou me ver na TV.

Ainda sobre “Vamp”, é importante destacar que tanto nesta produção quanto em “Top Model” (Rede Globo, 1989/90) há evidente destaque a um elenco adolescente ou jovem, com poucos trabalhos na TV (no caso de “Vamp”, você, Fernanda Rodrigues, Bel Kutner, Pedro Vasconcellos, entre outros). Como era a abordagem destes adolescentes na época? As temáticas que esses núcleos traziam encontravam um diálogo com o público jovem? Você sente grande diferença na abordagem do jovem atualmente?
O que me lembro daquela época, do que diziam a respeito dos jovens, do universo em que eles estavam inseridos era mais leve, não tinha essa sexualidade precoce que existe hoje, violência. No caso da novela “Vamp”, tinha tanto bom humor que o diálogo com os jovens era muito agradável, era só diversão.

Na novela “Sonho Meu” (Rede Globo, 1993/94), você pôde interpretar uma personagem diferente das mocinhas que vinha fazendo (apesar de a Katy de “Mico preto” ter também um lado bastante rebelde). Francisca era uma personagem mais atirada, moderna e, da metade para o final da novela, teve boas cenas cômicas com Giácomo (Eri Johnson). Quais são as lembranças que você guarda desta personagem?
Adorei fazer a Francisca de “Sonho Meu”, tive muito retorno do público com esta personagem, era uma delícia, eu me divertia muito nas cenas com o Eri Johnson. E era a primeira personagem cômica, moderna, diferente das mocinhas anteriores.

Ainda sobre “Sonho Meu”, esta foi sua última novela na Rede Globo. Logo em seguida, você passa a trabalhar no SBT. Como foi a transição? Sentiu diferenças técnicas e/ou da reação do público ao mudar de emissora?
Quando terminei “Sonho Meu”, fui para Nova York estudar, passei quase três meses lá. Vim para São Paulo passar meu aniversário e recebi nesses dias um convite do Nilton Travesso para fazer “As Pupilas do Senhor Reitor”. Fiquei feliz com o convite na época, fui para NY para pegar minhas coisas, organizar tudo e voltei correndo, pois tinha que embarcar para Portugal para as gravações. Foi tudo muito rápido. A gente vai onde o trabalho está, e para mim foi muito bom trabalhar no SBT, não senti diferença. O importante era estar trabalhando com pessoas competentes, cheias de vontade. O clima e as condições de trabalho eram excelentes.

No SBT, você fez três novelas: “As pupilas do senhor Reitor” (1994/95), “Antônio Alves,  taxista” (1996) e “Os ossos do Barão” (1997). Felizmente, representam bem as três fases de teledramaturgia do SBT nos anos 1990: remakes bem-sucedidos, adaptação de textos argentinos e a posterior retomada de remakes. Gostaria que você comentasse o projeto de teledramaturgia do SBT na época, como foi sua participação em cada novela e quais foram os problemas e os sucessos que encontrou nesta emissora.
A Amália é uma das minhas personagens favoritas, eu mergulhei nessa personagem maravilhosa que me foi dada. “Antonio Alves, o Taxista” foi uma experiência boa, passamos quase cinco meses em Buenos Aires gravando. Tivemos dificuldades com a parte técnica, mas valeu a experiência. “Os Ossos do Barão” foi muito gratificante também, uma bela personagem, um grande elenco. No final da novela, já sentíamos que o SBT estava com dificuldades. Eu particularmente ganhei uma experiência muito boa nessa época.

Após sua passagem pelo SBT, você participa de três produções da Rede Record: “Por amor e ódio” (1997), “A história de Ester” (1998) e “Alma de pedra” (1998). Quais foram seus personagens nestas minisséries? Duas delas (“A história de Ester” e “Alma de pedra”) tinham viés fortemente evangélico, o que encontra grande resistência por parte do público e dos profissionais ainda hoje. Como lidar com este pré-conceito que pode prejudicar um trabalho antes mesmo de ser apresentado?
Meus trabalhos na Record foram bons, protagonizei essas três minisséries. Não tive nenhum problema pelo fato de a emissora ser de uma religião específica, não misturo as coisas. Oportunidade de trabalho, de exercitar o meu ofício, feito com profissionalismo, não vejo por que ter pré-conceito.

Ainda sobre seus trabalhos na Record, como foi o trabalho de pesquisa para os personagens bíblicos ou ligados à Igreja Evangélica? Houve diferenças de composição para com o trabalho que você desenvolvia até então?
Apenas para “A História de Ester” foi preciso estudar um pouco mais, pois se tratava de uma história bíblica.

De todos os autores e diretores com os quais você trabalhou, quem você destaca? Quais ensinamentos passados por ele(s) você carrega até hoje?
Gostei de trabalhar com todos os autores e diretores, estamos sempre aprendendo algo a mais, admiro o trabalho de todos eles, não poderia destacar ninguém.

Sua última aparição como atriz foi no filme “Fim da linha” (2008). Como surgiu o convite? Foi sua primeira participação em cinema? O que você destaca como importante neste trabalho?
O filme “Fim da Linha” surgiu através de um teste via agente. Foi minha primeira participação em cinema, sim. Foi uma experiência muito gratificante, pois tinha muita vontade de fazer cinema, adorei! Gostaria muito de trabalhar em novos filmes.

Inevitavelmente, com a reprise de Vamp, surge a curiosidade: o que você tem feito hoje em dia? Ainda trabalha no meio artístico? Sente saudades de atuar? Tanto tempo longe da televisão foi uma opção ou uma imposição? Por quê?
Atualmente eu não estou atuando, me dedico completamente na educação dos meus filhos, tenho uma menina e um menino. Depois da minha primeira filha, eu tentei voltar ao mercado de trabalho, mas ai veio o segundo... Por opção, resolvi me dedicar só a eles por serem pequenos. Acho que essa resolução foi muito importante, pois participo ativamente da educação e criação dos meus filhos. É claro que sinto saudades, vontade de atuar. Agora, aos poucos, começo a pensar em voltar a trabalhar.

Como você analisa o mercado de trabalho do ator atualmente?
Acho que o mercado de trabalho está sempre crescendo, com muitas possibilidades, muitas produções. Acho que tem mais espaço, ao mesmo tempo, cada vez mais gente batalhando por esse espaço. Acredito que continue tão difícil quanto antes conseguir trabalho.

O que tem achado das novelas atuais? Você as acompanha?
Eu não acompanho novela há muito tempo. Sei o que esta acontecendo pela mídia, acompanho as notícias somente.

(por Beatriz Villar)

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A mágica de "O Astro"



É um pássaro? É um avião? É uma telenovela? É uma macrossérie? Não, é o remake de “O astro”, o megassucesso de Janete Clair que, agora, volta em uma releitura de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro. Apesar da óbvia indefinição durante o lançamento, as boas atuações do elenco, uma dinâmica interessante ao texto e a segurança dos autores e da direção – de Mauro Mendonça Filho, Fred Mayrink, Allan Fiterman e Noa Bressane – garantiram um espetáculo nesta primeira semana, aumentando (merecidamente) a audiência do horário das 23h.

A confusão em se definir de qual tipo de texto se trata “O astro” é sintomática. Como já disse em outros artigos, cada gênero (telenovela, minissérie, série etc.) não se distingue pelo número de capítulos, mas sim por inúmeras características inerentes à escrita. Neste caso, os autores optaram por uma estrutura muito próxima à da minissérie (apesar de o site já ter nomeado como especial e, agora, como novela): cenas concentradas, sem acontecimentos desnecessários nem muitas explicações, personagens reduzidos, andamento ágil das histórias, poucas tramas paralelas, etc. O macete foi um recombinar de ações da novela original, ou seja, sequências que duraram três capítulos, passaram a poucas cenas ou até mesmo a parte delas, sempre de modo objetivo, direto ao ponto. É um excelente respiro para a teledramaturgia e, com a experiência de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro adquirida ao longo de muitos trabalhos neste sentido, o resultado foi altamente positivo.

Também por causa desta “velocidade” que se imprimiu na narrativa, muitas peripécias podem cair na gratuidade. Vejamos o caso de Márcio (Thiago Fragoso) e sua nudez no final do primeiro capítulo. O conflito entre este personagem e Salomão Hayala (Daniel Filho) é denso, passa por muitos matizes (poder, autoridade, dinheiro, amor, afeto, referência entre pai e filho, compreensão ao próximo, entre outros). O episódio necessitava de mais cenas (não propriamente capítulos) para que se trabalhasse de modo satisfatório a complexidade que leva Márcio a tirar a roupa, como São Francisco de Assis. Tal como foi ao ar, nós, o público, acabamos partilhando da mesma visão de Salomão: este personagem é um desajustado, um mimado que tira a roupa na frente de todo mundo porque o pai quer que ele participe da festa. A sequência, muito bem produzida e escrita, adquire um tom infantil e de birra se analisarmos a fundo tais motivações. Todavia, este exemplo só não se encaixa integralmente neste problema porque o público, com sua forte referência da cena original (clássica na história da teledramaturgia), recorreu à memória afetiva da novela para poder recodificar o que se viu na nova versão. Trata-se de um ponto a que os autores devem devotar o máximo de cuidado, pois agora se conseguiu evitar a banalização, mas, na próxima ocorrência, esta complementaridade pode não funcionar.

Do elenco, Francisco Cuoco, Guilhermina Guinle, Fernanda Rodrigues, Thiago Fragoso, Alinne Moraes, Selma Egrei, José Rubens Chachá e Antonio Calloni abrilhantaram a primeira semana e deram a devida importância a seus personagens, sem faltar nem extravasar talento e energia. O caso de Rosamaria Murtinho, então, é excepcional. Passou a semana como uma eminência parda, esgueirando-se por detrás de cenários, personagens e acontecimentos, como convém à tia Magda. Entretanto, em apenas uma oportunidade (a cena do café da manhã com Salomão Hayalla, em que desabafa sobre seu passado), mostrou toda a força e inteligência de sua atuação, fazendo aumentar ainda mais a importância de sua presença. Regina Duarte e Daniel Filho também não decepcionaram e, trazendo os respectivos personagens mais próximos de seus estilos, provaram que têm uma química infalível, assim como pudemos acompanhar em “Vale tudo” e “Rainha da sucata”. Porém, o grande destaque da primeira semana foi Rodrigo Lombardi, que afastou a imagem do politicamente correto Mauro de “Passione” em tempo suficiente para encarnar o misterioso e envolvente Herculano Quintanilha. Se não brilhou mais, o motivo foi o desmembramento do personagem original em Herculano e Ferragus.

A direção-geral de Mauro Mendonça Filho, com gerência de núcleo de Roberto Talma, foi segura, exata, explorou de forma eficaz os closes, os planos gerais e nos trouxe um trabalho de produção de bom gosto, plasticamente bonito e agradável. Todavia, deve-se registrar que alguns efeitos especiais (especialmente o manjadíssimo chromakey) estiveram tão falsos e malfeitos que estavam no mesmo nível que o mexicano “Chaves”. Por exemplo, a inserção da Igreja da Penha na cidade cenográfica estava horrível. Na cena em que contracenam Rodrigo Lombardi (Herculano), Humberto Martins (Neco) e Alinne Moraes (Lili), é nítido que o painel para o efeito especial está atrás de Humberto Martins. Também houve um erro na caracterização de Clô Hayalla que, de elegante e refinada, passou para cafona, com um aplique no cabelo estranhíssimo. Todo o efeito kitsch que havia versão original foi parar em Clô, justamente a personagem que destoava deste clima em 1977.

Mesmo diante de alguns pontos negativos e tantos outros positivos, o que fica desta primeira semana é o excelente texto de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro na nova versão. Escrever remakes de novelas de Janete Clair é sempre um árduo trabalho, por alguns motivos: são obras arraigadas ao cotidiano, tratadas com muita cerimônia e até melindre, além da já referida memória afetiva do público. “Irmãos coragem”, por exemplo, foi regravada com tamanha grandeza que recebeu tratamento de cinema na imagem, entre outros excessos que ocultaram o que havia de mais importante na trama: o roteiro. Alcides e Geraldo seguiram o caminho contrário, não se intimidaram e se apropriaram da história, tornando-a moldável ao estilo e à vivência dos dois. Por incrível que pareça (o mesmo apoderamento norteou Maria Adelaide Amaral em “Ti-ti-ti”), esta postura diante do roteiro original não é um desrespeito à autora, mas uma eficaz maneira de se injetar mais gás à trama. E, se a tendência da primeira semana se confirmar, Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro farão com que esta nova versão de “O astro” seja mais do que uma novela, uma macrossérie ou um especial. Seja um grande sucesso.


QUENTE
Rodrigo Lombardi, Francisco Cuoco, Guilhermina Guinle, Fernanda Rodrigues, Thiago Fragoso, Alinne Moraes, Selma Egrei, José Rubens Chachá, Antonio Calloni, Rosamaria Murtinho, Regina Duarte, Daniel Filho, Mauro Mendonça Filho e Roberto Talma marcaram de forma indelével a estreia de “O astro”. Todavia, os grandes nomes desta produção são Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro que, com competência, sensibilidade e inteligência, conseguiram atrair tanta atenção, apesar da errônea divulgação e do horário instável.

MORNO
As atuações de Carolina Ferraz e Marco Ricca foram praticamente nulas. Faltou charme na elaboração de Samir, não houve força na construção de Amanda. Dois personagens centrais que não trouxeram nada à trama. A abertura também merecia melhores ideias. Se a música (sempre linda) de João Bosco fala de ametistas, a vinheta é invadida por várias dela; se ouvimos a palavra mão, Rodrigo Lombardi logo trata de mostrar a sua. A obviedade é o cerne da abertura.

FRIO
Humberto Martins ainda não sabe quem é Neco. Falta definir a ele se Neco é um safado, um típico malandro ou um bobo. Em cenas com Alinne Moraes, ele apresenta um personagem; já diante de Rodrigo Lombardi, vemos outro personagem completamente diferente. Não se mantém uma unidade de atuação (mesmo sendo o personagem complexo). Além disso, os efeitos especiais e algumas caracterizações (como a de Regina Duarte) são malcuidados e, de especiais, passam facilmente a efeitos artificiais.

(por Jordão Amaral)

terça-feira, 12 de julho de 2011

Sessão da Tarde

No primeiro semestre de 2011, a Rede Globo lançou em sua linha de shows muitas séries e minisséries. Entretanto, quatro destes programas chamam a atenção, pois fazem parte de um mesmo processo: a transposição de um filme para um programa de televisão. O motivo mais evidente é a empolgação com os bons resultados dos longas produzidos ou coproduzidos pela Globo Filmes (generosa parte dos grandes sucessos dos últimos dez anos do cinema nacional tem por trás seu financiamento). Assim, o público pôde acompanhar as minisséries “Chico Xavier” e “O bem-amado” e as séries “Divã” e “A mulher invisível”. Este texto se propõe a refletir sobre os resultados deste aparente fenômeno de diálogo entre mídias, veículos e gêneros.

Talvez, a grande diferença entre cinema e TV comece na noção de autoria, entendido aqui como o trabalho daquele que dá esteio a uma ideia-mãe, desenvolve e emprega nesta história específicos mise-en-scène, técnicas e estilo. No cinema, o autor de cada filme é o diretor, responsável pelo argumento (às vezes coautor, mas quase sempre haverá a presença dele nos textos), direção de câmeras e atores, estilo e intenções que formarão a unidade daquele produto. Já na TV, o autor é o roteirista, pois a mídia televisão é predominantemente baseada no diálogo, na palavra. Por sua velocidade sub-humana, o apuro técnico acaba em segundo plano, apesar de, há alguns anos, nossa TV conseguir grande qualidade ficcional e técnica, mesmo com o insano trabalho. A transitividade entre o cinema e a TV pode fazer crescer as duas áreas, estabelecendo diálogos entre narrativas, atuações, ritmo de edição, aspectos técnicos, etc. Basta lembrar que, recentemente, toda novela da Rede Globo, por exemplo, passou a ter um colorista, profissional responsável por estabelecer e dar o apuro final à imagem, preocupação antes exclusiva do cinema.
     
A prática não é nova, nem fora inventada pela Globo. Nem é preciso ir muito longe em nossa memória para citar que, em 2006, a Record e o canal de TV a cabo Fox exibiram “Avassaladoras, a série”, baseada em filme de mesmo nome e lançado em 2002 pela diretora Mara Mourão. Apesar de um elenco repleto de atores globais (como Vanessa Lóes, Virgínia Cavendish, Eduardo Galvão, Márcio Garcia, que, a propósito, não participam do filme), a série sofreu inúmeros problemas internos (produção falha, transposição ruim, etc.) e externos (baixa audiência, má programação na grade da Record, entre outros) que fizeram com que tivesse apenas uma temporada.

Logo em janeiro, duas minisséries atraíram o público: “O bem-amado” e “Chico Xavier”. Estranhamente, na televisão se viu apenas uma versão alongada dos filmes, com a inserção de cenas não exibidas no cinema (há inclusive alguns personagens que participam apenas destas “cenas extras”, formando pequenas histórias paralelas). Daí, a brilhante ideia: como se trata de um produto de longa duração (mais de duas horas), por que não dividi-lo em quatro episódios e exibir como minissérie? Até aí, nenhum problema quanto à forma. Porém, classificar alguma história a ser narrada em filme ou minissérie não deve levar apenas em conta a duração do mesmo ou o número de capítulos que terá. Há muitos anos, vários filmes de Hollywood costumavam ter ganchos e um intervalo no meio da exibição. Por se tratar de duas partes, então não é mais filme? Ora, se nada na estrutura e linguagem de “Chico Xavier” e “O bem-amado” foi substancialmente alterado, o que vimos foi tão e somente o filme do cinema – e não uma minissérie. Nada mais.

Processo às avessas aconteceu com “O auto da compadecida” (1999) e “A invenção do Brasil” (2000) que, criadas como minisséries, foram editadas e receberam tratamento técnico e estético para se transformarem em filmes. O lapidar das imagens esteve na televisão, mas no cinema ganhou dimensão adequada. Já o roteiro não era nem para a televisão, nem para o cinema: tratava-se de um mélange entre as duas técnicas. Diálogos rápidos, afiados e uma narrativa coesa distanciavam-se do que a televisão estava acostumada a fazer, entretanto estas mesmas características resultaram no cinema em uma maior valorização do roteiro.

Depois, foi a vez de “Divã”, filme de grande sucesso do diretor José Alvarenga Jr., baseado no romance de Martha Medeiros (história esta que fora primeiramente adaptada para o teatro). A mola mestre das desventuras de Mercedes (Lília Cabral), em todos os gêneros e formatos, foi a mesma: o universo feminino. Uma chance de ouro para Marcelo Saback (roteirista final do seriado, adaptador da peça e responsável pelo roteiro do filme), Lília Cabral e José Alvarenga Jr. explorarem nuances e até assuntos difíceis sobre este tema (ainda mais beneficiados pelo horário de exibição da série). Todavia, o que encontramos na primeira temporada foi um reelaborar de situações já vistas no romance, peça e filme (apenas para ilustrar, a morte de uma amiga de Mercedes foi um plot abordado mais de uma vez, só que com tratamento e condução diferentes para cada oportunidade). Isso não é um demérito, deixemos bem explicitado. Apenas foi a perda de uma boa ocasião para o avanço, mas optou-se por seguir o mesmo... Sem contar na falha escolha por artifícios fáceis a que o texto da série recorreu algumas vezes (levante o dedo aquele que viu nos episódios, pelo menos, três “coincidências” a cruzar o caminho da protagonista, complicando ainda mais o que já estava tortuoso). Porém, de todos os casos levantados neste texto, “Divã” ainda é o melhor de todos para conduzir uma interação entre o cinema e a TV.

Equivocado é pouco quando pensamos na série “A mulher invisível”. O filme de Claudio Torres parte do princípio de que apenas nós mesmos somos capazes de nos ajudar e conta com uma inteligente metáfora que conduz a narrativa, explicitando o quanto podemos ser nossos próprios sabotadores, trocando o real por uma ilusão desejada. Pedro (Selton Mello) é um controlador de tráfego que, após uma separação, apaixona-se pela ilusória vizinha Amanda (Luana Piovani). Sensível, esta paixão, porém, o impede de perceber que Vitória (Maria Manoella), desta vez uma vizinha de verdade, nutre um amor simbólico por ele. Ao chegar à TV, a abertura da série nos informa que ela é “baseada no filme de Claudio Torres”. Todavia, creio que se trata muito mais de um caso de “inspirado em”. Alteram-se elementos estruturais da narrativa (Pedro agora é um publicitário em crise, sua vizinha é substituída pela “esposa” Clarisse – Débora Falabella, entre outros), apaga-se a metáfora do filme, mas não se coloca nada no lugar. O que antes tinha uma intenção densa, passa a ser leviano mesmo. Além disso, para a série, os roteiristas optaram começar a história quase que pelo meio. Pedro já tem consciência de que Amanda é uma mulher invisível, mas ninguém além de seu melhor amigo Wilson (Álamo Facó) sabe disso. Somando-se a alteração na estrutura e no ponto de partida, a série chega a sua primeira e curtíssima temporada com um resultado final fraco, repetitivo e raso, apesar de boas gags.

Sem contar o esquema de produção de “A mulher invisível”. Ter um programa na televisão coproduzido por terceiros (Leia-se produtoras, outras emissoras, etc.; neste caso, tanto a Rede Globo quanto a Conspiração Filmes dividem a realização do projeto.) garante uma maior flexibilidade de tratamento do texto, temas, inserção de novos talentos e maior (e melhor) gerenciamento de custos e lucros. Mas, se analisarmos a ficha técnica da série, veremos que não há quase nada de novo por ali: os roteiristas já trabalham (ou trabalharam) para a Rede Globo, os atores idem (com exceção dos ótimos Álamo Facó e Deborah Wood), diretores e outros profissionais também. Ao invés de se aproveitar a oportunidade de arejar o gênero, escolheu-se continuar com os mesmos profissionais, com seus vícios de anos, com sua “patota” enferrujada.

No final de toda esta panorâmica por sobre as séries e minisséries citadas, falta ainda ressaltar um ponto. Se o diálogo entre cinema e TV (estabelecido aqui através de transposições de filmes em programas de TV) pode gerar um avanço para as duas mídias, e se este “crescendo” não aconteceu por inúmeras falhas (a principal delas, a repetição), então qual é a vantagem deste processo todo? Rapidamente, a resposta salta aos nossos olhos e nos ruboriza tal nossa ingenuidade sobre as verdadeiras causas: o garantido retorno financeiro de uma ideia já testada e aprovada pelo público, como já disse no primeiro parágrafo. Emissora de televisão é uma empresa como outra qualquer e todas elas têm por objetivo o lucro. Entretanto, a televisão brasileira permitia-se correr riscos, desvendar searas, apostar alto, em nome da combinação qualidade + audiência = prestígio e faturamento. Hoje, opta-se por projetos seguros, lucros garantidos. A TV brasileira não foi feita assim nos últimos sessenta anos. Por que devemos nos acostumar com isto agora?

(por Jordão Amaral)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O fenômeno "O Clone"

“O Clone” é uma daquelas novelas que podem ser reprisadas cem vezes que será um sucesso de audiência e cairá na boca do povo durante as cem vezes em que for exibida. São novelas que surgem como fenômenos de tempos em tempos na televisão, como “Vale Tudo”, “Roque Santeiro”, “Tieta”, “A Viagem”, “O Rei do Gado”, “Senhora do Destino”, entre outras.

Glória Perez foi muito feliz na criação de sua história, que, a princípio, parecia um tanto quanto maluca, mas cheia de amor, ilusão e licenças poéticas. Misturar a cultura muçulmana com a cultura ocidental e os avanços científicos na questão da clonagem foi um achado! Claro que a autora correu um risco muito alto com essa aposta, mas, como todas as grandes apostas, há também o risco de dar muito certo. E deu. Afinal, autor de novela está aí para isso, dar a cara a tapa.

Recordo-me que “O Clone” estreou no horário nobre da Rede Globo numa época em que várias novelas das oito mantinham suas audiências, mas passavam batidas. Havia tempos que nenhuma novela caía no gosto popular, nenhuma trama ou personagens eram temas de discussões pelas ruas. Vivíamos mais um daqueles momentos em que diziam a teledramaturgia estar em crise e que o fim das telenovelas estaria próximo. “O Clone” mostrou que tudo não passava de boatos.

Para mim, é a novela mais inspirada de Glória Perez em todos os sentidos. Personagens muito bem delineados, diálogos precisos e uma história sem nenhuma barriga. Jade (Giovanna Antonelli) não era uma heroína típica: sofria demais, mas agia sobre o mundo, sobre aquilo que ela achava certo. Não tinha uma postura de heroína melodramática que esperava por um final feliz. Ardilosa em tempo integral, buscava a resolução dos seus problemas, lutava contra sua cultura em nome de um amor que nunca pôde se realizar por inteiro e em definitivo. Jade é uma heroína trágica, mas com um final feliz bem melodramático. Giovanna Antonelli, assim, protagonizou sua primeira novela e mostrou a que veio, com muita garra. Quem não se lembra a dificuldade que foi na época da escalação de elenco desta novela? Acredito que muitos atores que recusaram participar da trama devem querer cortar os pulsos até hoje.

E para não ser injusto, não podemos deixar de dizer que “O Clone” não seria a mesma sem a direção de Jayme Monjardim. Embarcou de cabeça nas ideias da autora, no clima de “As mil e uma noites”, e transformou a novela em um produto impecável, que mexe com o imaginário do público até hoje.

É uma pena que “O Clone” esteja passando no “Vale a pena ver de novo”, onde os capítulos são cortados e longos demais. Merecia uma reprise no Canal Viva, cujas novelas são exibidas na íntegra. Quem sabe daqui alguns anos... Inch´Allah!