quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Duelo de Titãs


Dificilmente haja melhor título para uma produção que reúne Alcides Nogueira, Geraldo Carneiro, Mauro Mendonça Filho, Roberto Talma, Rodrigo Lombardi, Carolina Ferraz, Regina Duarte, Daniel Filho, Thiago Fragoso, Alinne Moraes, Rosamaria Murtinho, Francisco Cuoco e tantos outros. Após o ponto final de “O Astro”, a sensação que fica é a de que tivemos não só um belíssimo espetáculo, mas o mais bem-sucedido remake de uma novela de Janete Clair.

Grande parte do mérito está na dupla de autores titulares, Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro. Com os colaboradores Tarcísio Lara Puiati e Vítor de Oliveira, eles apresentaram um texto forte, denso, matizado e alternaram momentos de tensão, drama, amor, comédia e lirismo. Reescrever esta famosa novela poderia fazer com que o autor, medroso por arriscar, tentasse encarnar Janete Clair. Felizmente, Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro enfrentaram o desafio com grande talento e rara beleza. Aliás, deve-se registrar a inspirada ideia de se colocar em flashback cenas da novela original. Além de uma inteligente metalinguagem, foi uma inesperada homenagem a Dina Sfat, intérprete da personagem Amanda em 1977.

Outro mérito de “O Astro” foi trazer novamente a novela como um espaço para experimentação de linguagens. Esta prática, muito comum durante a década de 1970, foi deslocada para as minisséries e as séries ao longo da década de 1980, restando à novela trilhar caminhos batidos e surrados. Encontrar na telenovela a função de ousar só faz crescer e revitalizar um gênero que os brasileiros conhecem como poucos no mundo.

Todavia, há que se puxar a orelha pelo desfecho da morte de Salomão Hayala (Daniel Filho). Ficou estranho um crime em que todo mundo deu uma ajudinha para despachar a vítima. Inácio (Paschoal da Conceição) envenenou. Youssef (José Rubens Chachá), a mando de Nádia (Vera Zimmermann), golpeou. Clô (Regina Duarte) empurrou. Só faltava revelar que quem deu o veneno a Inácio foi Úrsula (Débora Bloch), de “Cordel Encantado”...

O elenco soube aproveitar muito bem o lapidado texto que receberam. Rodrigo Lombardi conseguiu fazer de seu Herculano Quintanilha um personagem novo, e não uma cópia do original de Francisco Cuoco (brilhantemente aproveitado na trama como Ferragus). Carolina Ferraz esteve agradável, simpática e competente na pele de Amanda. Se não brilhou mais, a culpa está no próprio personagem. Amanda tem, em sua essência, um problema muito complicado para se resolver: ela depende das oscilações de Herculano, Samir (Marco Ricca), Jôse (Fernanda Rodrigues) e Assunção (Reginaldo Faria). Não há uma chama própria para guiar a personagem. Sobre tal, Dina Sfat comentou em 1978 durante uma entrevista para a Revista Amiga: “Amanda não foi uma personagem do coração da Janete. Herculano, Márcio e Lili foram. Então, não sendo do coração, ela foi uma personagem difícil de segurar e de fazer. Ficou muito envolvida no eixo central da história e foi conduzida. Ela não determinou nada. E como na vida, Amanda foi uma mulher incoerente que sempre escondeu seu lado fraco”.

As atuações de Regina Duarte, Daniel Filho e Marco Ricca valem não só um parágrafo, mas um capítulo inteiro. Os três souberam valorizar cada palavra, cada reação que lhes atribuía o texto. Todavia, pensemos rapidamente na composição dos personagens. Salomão é um imigrante libanês self-made-man sem estudo. Samir é o irmão calculista e ambicioso. Clô, apesar de fútil e refinada, é uma personagem corroída pelo desprezo e o grande desnível cultural entre ela e seu marido Salomão. Só que, na interpretação, Clô foi uma mulher de extremos, com exageros de reações que reslavaram no kitsch. Samir, apesar de engenhoso, comportou-se de maneira violenta, ao contrário da meticulosidade e discrição que se exigia dele. Já Salomão esteve elegante e charmoso – ainda que rude, exigente e cruel. Ou seja, as atuações foram brilhantes sim, mas criaram ruído entre o desempenho cênico e a psicologia dos personagens.

Para fechar o elenco, Thiago Fragoso e Alinne Moraes encantaram com seu casal Márcio e Lili. Tato Gabus (Amin), José Rubens Chachá, Vera Zimmermann, Carolina Kasting (Jamile) e Bel Kutner (Sílvia) deitaram e rolaram, fazendo dos personagens um bom momento em suas carreiras. O mesmo para Guilhermina Guinle. Apesar de ter um bom trabalho nas últimas novelas, foi com Beatriz que ela teve seu melhor desempenho até agora. Simone Soares foi outra grande surpresa, dando a Laura uma luz própria. Antonio Calloni (Natal), Fernanda Rodrigues, Selma Egrei (Consolação) e Reginaldo Faria abrilhantaram ainda mais este elenco de astros com interpretações significativas. Juliana Paes (Nina) foi um eficaz reforço para os capítulos finais. Por fim, o belíssimo trabalho de Rosamaria Murtinho. Na última semana, Magda esteve na lista dos mais comentados do Twitter. Prova de que Rosamaria emocionou muito no papel da mulher que amou demais e foi pouco amada. A cena do suicídio, então, foi de uma força e delicadeza poucas vezes encenadas na televisão.

A direção de Roberto Talma, Mauro Mendonça Filho, Alan Fiterman, Fred Mayrink e Noa Bressane é um constante acerto. As cores da trama foram carregadas para condensar a história em 64 capítulos, o que poderia descambar para uma estética do exagero (fatalmente trágico para a produção). No entanto, eles souberam dosar a mão e apresentaram uma direção de bom gosto, com planos e imagens impecáveis.

Depois do último capítulo, é muito difícil se desligar de um grande personagem. Carregamos, por exemplo, Odete Roitman e Nazaré Tedesco até hoje conosco. Mas, o que fazer quando a tristeza está em se despedir de uma equipe inteira? Tão talentosos, viscerais e pungentes foram os artistas de “O Astro”, que só nos resta o consolo de termos presenciado um raro momento de felicidade e inteligência na televisão.


QUENTE
O elenco, citado acima, e os diretores, com total mérito. E, mais do que justo, os autores Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro pelo excelente roteiro.

MORNO
Os efeitos especiais melhoraram ao longo da trama (vide a cena em que Herculano se transforma em um pássaro). Já a atuação de Humberto Martins foi problemática, cheia de caras e tipos, mas sem consistência.

FRIO
Alguns personagens não tiveram qualquer importância na trama (exemplos são Izak Dahora, Lara Rodrigues, Natália Soutto, Jefferson Goulart, Hanna Romanazzi). Em contrapartida, Ellen Roche (Valéria) muito apareceu, mas pouco apresentou...

(por Jordão Amaral)