terça-feira, 27 de março de 2012

Coleção de erros

Aguinaldo Silva, há alguns dias, postou em seu site uma cena que classificou como de altíssima qualidade dramatúrgica. Dias depois, em seu Twitter, anunciou que pode entregar à direção da Globo uma sinopse intitulada “Fina Estampa – O Retorno”. Deve ser brincadeira (e de mau gosto). Infelizmente, “Fina Estampa” chegou ao final semana passada mostrando que de qualidade dramatúrgica tem muito pouca coisa.

Desde seus primeiros capítulos, a novela tinha um ar de algo diferente e estranho. Uma trama e capítulos que mais pareciam de novela das sete do que das novelas que estamos acostumados a assistir às nove horas na Globo. Apostou-se no humor, em cenas ácidas (muito semelhantes às que já não funcionaram em “Lara com Z”), na construção de personagens para ganhar a empatia do público, e só. Nunca demonstrou força, tudo sempre pareceu muito frágil – com exceção da protagonista Griselda (Lilia Cabral) e da personagem Esther (Julia Lemmertz).

O autor se preocupou tanto em criar aquela briga ridícula com o autor Walcyr Carrasco, dizendo que este copiou em “Morde & Assopra” a ideia de sua novela, que se esqueceu de contar a verdadeira trama principal de “Fina Estampa”. Não era sobre o filho que tem vergonha da mãe, mas, sim, da mulher dura e masculinizada que ganha na loteria, passa por uma transformação e começa a se questionar o que é mais importante, a aparência ou o caráter.

Outro ponto de grande fragilidade nesta novela foi a vilã, Tereza Cristina, de Christiane Torloni. Além do que já estamos cansados de saber (que a atriz começou a novela muitos tons acima e depois foi aparando as arestas até encontrar o jeito), tivemos um problema grave de motivação da personagem. Tereza Cristina não era uma perua, não era louca, não era uma vilã, não tinha motivos para ser má, enfim, ela não era nada, apenas uma colagem de possibilidades que não se encaixavam e que só fez aumentar o tom absurdo da novela.

Tamanha falta de motivação ocasionou um equívoco extra. Depois da metade dos capítulos, a narrativa priorizou a personagem de Christiane Torloni a ponto de colocar Griselda em segundo plano em algumas situações. Ora, se uma personagem como Tereza Cristina não tem um norte para direcioná-la, o que acontecerá com sua trama? Exatamente o que se viu da metade em diante de “Fina Estampa”: a história central perdida e inexplicavelmente interessada em sabotagens, robalos, ratos, bichas burras e planos que surgiam sem o menor porquê (já que também não fizeram a novela avançar).

E o grande segredo da vilã, então, que a deixava transtornada só de ouvir falar na Tia Íris (Eva Wilma), a única que sabia o tal mistério? Ser filha da empregada era algo realmente tão terrível que a fazia surtar? E ainda mais um segredo para ser guardado a sete chaves durante quase a novela inteira? Não, não era. Mas, como não há nada que não possa piorar... A verdadeira revelação (o primeiro mistério era um embuste) conseguiu ser igualmente ineficaz e sem lógica: Tereza Cristina é filha do falecido marido de Íris com uma amante. Depois dessa, o segredo de Tia Íris merece repousar no ostracismo juntinho do segredo de Gerson (Marcello Antony em “Passione”).

Entre outros equívocos, “Fina Estampa” também pecou pelo enorme elenco e personagens que foram paulatinamente esquecidos no decorrer dos capítulos. Alguém consegue explicar, por exemplo, quem era a personagem Deusa (Michelle Martins)? Qual era o propósito de Zuleica (Juliana Knust)? A função da personagem Luana (Joana Lerner) era exclusivamente adiantar as fofocas dos próximos capítulos? Assim como estes, é possível elencar uma série de outros exemplos. Porém, nenhum destes personagens sofreu tamanho desprestígio quanto Mandrake (Sandro Pedroso). O mágico terminou a novela exatamente do mesmo jeito que começou: mudo e com um baralho na mão.

Além de vermos, ao longo da novela, as tramas serem abandonadas, vimos também casais improváveis serem formados, bem ao estilo do autor: Daniel (Guilherme Boury) e Solange (Carol Macedo) - fico me questionando o que um jovem médico promissor veria numa periguete de favela a ponto de apaixonar perdidamente e querer casar -, Dagmar (Chris Viana) e Wallace Mu (Dudu Azevedo), Tereza Cristina e Pereirinha (José Mayer) – se a vilã é capaz de surtar toda vez que lembra que é filha de uma empregada, como é que ela foi capaz de se deitar e ter um caso com um peixeiro pobre? -, Esther e Guaracy (Paulo Rocha) e Danielle (Renata Sorrah) e Enzo (Julio Rocha) – ainda era mais negócio para Danielle continuar a tomar seus solitários porres de vinho.

Sim, a novela teve bons momentos, como a participação de Julia Lemmertz, Dira Paes, Alexandre Nero, Marcelo Serrado e, claro, Lília Cabral, além de aumentar os índices de audiência do horário. No entanto, se altos índices de audiência fossem sinônimo de qualidade, o Ratinho em seus tempos áureos deveria entrar para a Academia Internacional de Letras ou “Os Mutantes” ganhar o Emmy.

Para alcançar tantos pontos de ratings, “Fina Estampa” apontou sua mira para o que Lauro César Muniz (em muitas entrevistas) chamou de “mexicanização da telenovela brasileira”. Quem ganha com isso? Muitos, mas, com certeza, o telespectador não é um dos beneficiados...

Que venha “Avenida Brasil”, por favor!

(por André Torres)

quarta-feira, 21 de março de 2012

Bonitinha, mas indefinida


Com um título pouquíssimo inspirado (para não dizer desprezível), a autora Elizabeth Jhin retorna ao horário das seis após sua muito bem sucedida “Escrito nas Estrelas”. Em “Amor Eterno Amor”, a autora se propõe a desenvolver uma trilogia espírita da qual esta novela é a segunda parte. Pelo que fora visto nas duas primeiras semanas, estamos diante de um excelente caso de “pode dar certo, como pode não dar”. 50 a 50 por cento de chances.

Elizabeth Jhin esquematiza uma história lúdica sobre Carlos (Gabriel Braga Nunes), um misterioso e rústico homem. Sobre ele, três eixos da trama se abrem: o retorno à sua verdadeira origem, filho de Verbena (Ana Lúcia Torre); sua paixão por Elisa (Júlia Gomes), uma menina que conheceu quando era criança; e, por fim, um inexplicável dom de amansar animais (principalmente os bravios búfalos). Paralelamente, a revista Cena Contemporânea (onde trabalha a mocinha Miriam, interpretada por Letícia Persiles) realiza pesquisas para a pauta sobre Crianças do Terceiro Milênio (gerações Cristal, Índigo, etc.), o que ajuda a esclarecer ao telespectador o perfil de Carlos.

Com esta espinha dorsal, a novela discute a espiritualidade em amplos termos, como o dom que Clara (Klara Castanho) tem para ver espíritos versus a filosofia materialista de seu pai, Gabriel (Felipe Camargo). Entretanto, aqui surge o primeiro desafio. Elizabeth Jhin pode surpreender com um novo e arrebatador enredo sobre as relações permeadas pelo espiritismo ou pode cair na tentação de requentar sua novela anterior e servir ao telespectador, pretendendo que esta tenha um sabor diferente da antiga. Por ora, o que vemos no ar não chega a nenhum dos extremos. A novela não tem o mesmo apelo emocional que “Escrito nas Estrelas”, mas ainda está indefinida, hesitante, portanto, muito longe de propor qualquer traço distintivo.

Um fator que agrava – e muito – o déjà vu é a famosa repetição de elenco que a Globo promove sem dó nem piedade. Gabriel Braga Nunes, Rosi Campos e Ana Lucia Torre vieram direto de “Insensato Coração” (encerrada em agosto). Carmo Dalla Vecchia, Osmar Prado, Felipe Camargo, Andreia Horta, Tony Tornado e Miguel Rômulo mal tiveram tempo de se desapegar da novela “Cordel Encantado”, cujo último capítulo foi ao ar em setembro. Para Cássia Kis Magro, Luis Mello, Carol Castro, Suzy Rego, André Gonçalves, Vera Mancini, Marina Ruy Barbosa, Klara Castanho, Eron Cordeiro e Flávia Garrafa, a transição foi ainda mais breve: a novela “Morde & Assopra” terminou há 5 meses e olhe todos eles de novo! Sem contar Carolina Kasting, que ainda estava em “O Astro” até o final de outubro passado.

Não há talento no mundo que consiga lidar com uma imposição tão sufocante quanto a da rápida reciclagem. Ator trabalha com vivências, sensações, histórias, sentimentos, enfim, com o que há de mais profundo e visceral em cada um de nós. Para tal, deve-se respeitar o tempo de guardar o antigo personagem para maturar um novo. E nem adianta justificar que não há atores suficientes ou preparados. Em um país com tantas universidades e escolas de teatro (incluindo a própria Oficina de Atores da Globo), chega a ser ultrajante tantos atores na fila do desemprego enquanto uns poucos são espremidos até dizer chega em trabalhos quase simultâneos.

Neste festival de “essa novela eu já vi”, os erros de escalação de elenco e da imprecisão da trama ocultam o que “Amor Eterno Amor” tem de melhor: uma bela fotografia, a acertada decisão de se iniciar a trama na Ilha do Marajó, a abordagem das crianças Índigo e Cristal (assunto pouquíssimo explorado até pelos jornais e que desperta o interesse do público), a irretocável cenografia (deslumbrante e de muito bom gosto), além da trilha sonora (destaque para a música “Ainda Bem”, de Marisa Monte).

O principal acerto, no entanto, está na escalação de Letícia Persiles como Miriam. Durante a fase de pré-produção, cogitou-se um sem número de atrizes, inclusive a própria Carol Castro, para protagonizar a novela. Nada contra as candidatas ao papel. O interessante de Letícia Persiles é o frescor, a novidade, a garra de uma atriz pouco aproveitada pela televisão (seu primeiro e até então único trabalho fora “Capitu” em 2008). Sua interpretação ainda não é excelente, peca pelo tom inquieto e até nervoso que Letícia imprime em Miriam. Entretanto, encanta e seduz o telespectador. Um excelente respiro em meio a tantos nomes batidos, principalmente porque nem todos os “atores reincidentes” têm algo de novo ou interessante para mostrar.

Como já dito, o título da novela é de uma infelicidade sem tamanho. As emissoras não estão em boa fase neste aspecto: “Corações Feridos”, “Amor & Revolução”, “Vidas em Jogo”, “Insensato Coração”, “Aquele Beijo”, “A Vida da Gente”, entre outros, são nomes tão genéricos e pouco atraentes que chegam a ser quase incompreensíveis (Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa, por exemplo, ainda precisam explicar o que quiseram dizer com “A Lua me Disse”). Uma das características do melodrama teatral francês é justamente a escolha de um bom nome para que este seja mais um atrativo para a trama. Além de iniciar o tema de abertura da clássica “O Direito de Nascer” (tanto na Tupi em 64 e 78, quanto no SBT em 2001), “Amor Eterno Amor” dá a impressão de um impiedoso e pesado melodrama. No entanto, a novela é agradável e leve. Pelo visto, a Globo errou novamente na escolha.

A trama de “Amor Eterno Amor” é charmosa e seus capítulos são delicados e ternos. Elizabeth Jhin já provou que é muito competente para escrever uma novela das seis, sabe do riscado. Sua parceria com Rogério Gomes (diretor de núcleo) e Pedro Vasconcellos (diretor geral) também já fora positiva em “Escrito nas Estrelas”. Entretanto, nesta estreia, parece que a novela não tem o que contar, ainda não deslanchou. Esta aparente calma, reflexo da falta de unidade dramática, pode fazer entornar uma série de boas ideias. Que, aliás, nem os espíritos dariam conta de segurar...

(por Jordão Amaral)

quarta-feira, 14 de março de 2012

Uma polêmica barriga

Imaginem a seguinte situação: você (ou sua companheira) deseja imensamente engravidar. Entretanto, há um problema de saúde que a impede de levar a gravidez adiante. Algumas alternativas são levantadas. Ah, mas devo alertar que estamos em 1990. Então, a única possibilidade seria adotar uma criança. Mas, chega Glória Perez e apresenta um dilema que algumas mulheres viviam e que a grande imprensa ignorou: alugar um ventre para gestar o seu filho. Foi calcada nesta modernidade que a Globo exibiu a novela “Barriga de Aluguel”.

A partir desta produção, Glória Perez usou seu inquestionável talento como novelista para antever questões da modernidade. Tentando transmitir o difícil conceito de barriga de aluguel e as suas implicações sociológicas, psicológicas e jurídicas, a autora construiu uma estrutura didática de personagens. Ana (Cássia Kiss) é uma bem sucedida jogadora de vôlei, com um estabilizado casamento com Zeca (Victor Fasano), mas a pressão social e o imenso desejo de ser mãe a impedem de uma felicidade completa. O casal, orientado pelo doutor Baronni (em uma interessante composição de Adriano Reys) opta por alugar o ventre de uma desconhecida.

Esta estranha é Clara (Cláudia Abreu), uma jovem sonhadora e determinada que objetiva ter sucesso. Filha do sapateiro Ezequiel (Leonardo Villar), leva uma vida dupla: enquanto para o pai ela é apenas uma balconista de loja de tecidos, à noite ela se apresenta como dançarina no Copacabana Club. Aceita alugar a barriga para, com o dinheiro, viver com Tadeu (Jairo Matos), seu mais recente namorado. Entretanto, Ana e Clara passam a viver uma relação sem precedentes e indefinida. São mães pela metade: enquanto Ana terá um filho com sua carga genética mas não sente as transformações da gravidez, Clara é tocada pelo instinto materno para uma criança com a qual não tem sequer vínculo familiar.

Outro ponto importante da trama é a vida conjugal de Baronni: casado com a refinada Aída (Renée de Vielmond), mantém um caso extraconjugal com sua assistente Luísa (Nicole Puzzi) há muitos anos. Aída, aparentando firmeza em suas atitudes, tenta minar o relacionamento do marido com milimétrica frieza e espantoso raciocínio lógico. Porém, suas fraquezas emocionais são deflagradas quando ela se apaixona por Tadeu, que neste ponto da trama é noivo de Laura (Teresa Seiblitz), filha de Aída e Baronni.

É interessante notar que há na construção de “Barriga de Aluguel” elementos e temáticas que seriam altamente definidoras do estilo de Glória Perez. A primeira delas, e mais óbvia, é o interesse pelo novo, pelo que a ciência pode proporcionar ao ser humano. Partindo deste ponto, Perez risca um traçado entre o futuro e os mitos mais remotos de nossa sociedade. Tal qual a temática do clone é uma releitura modernizada do arquétipo do “outro”, a disputa entre Ana e Clara remonta (em parte) o bíblico episódio de duas mulheres que reivindicavam a mesma criança e coube ao rei Salomão julgar quem era a verdadeira mãe.

A trama de um homem dividido entre a família oficial e sua antiga amante foi abordada não só em “Barriga de Aluguel”. Em “Carmem” (Manchete, 1987/88), César (Odilon Wagner) era casado com Virgínia (Juliana Carneiro da Cunha), mas mantinha um secreto caso com sua cunhada, Nina (Selma Egrei). Em “América” (Globo, 2005), Glauco traía sua esposa Haydée (Christiane Torloni) com sua advogada, Nina (Cissa Guimarães). Neste último caso, há a introdução de uma terceira mulher para complicar a já tumultuada relação entre os personagens: a lolita Lurdinha (Cléo Pires).

As protagonistas de Glória Perez têm suas características reunidas em Clara. São mulheres jovens, intempestivas, atrevidas, corajosas, sonhadoras, batalhadoras, puras, inocentes e românticas. Entram de cabeça no que objetivam, mostrando até certa irresponsabilidade e imaturidade. Passionais, quebram códigos morais e preconceitos visando apenas serem felizes. Desde Carmem (Lucélia Santos), passando por Dara (Tereza Seiblitz em “Explode Coração” – 1995/96), Jade (Giovanna Antonelli em “O Clone”, 2001/02) até chegar em Sol (Deborah Secco em “América”, 2005) e Maya (Juliana Paes em “Caminho das Índias”, 2009).

Ainda no escopo de características autorais, em “Barriga de Aluguel” temos a forte representação do subúrbio carioca e seus pitorescos personagens. Em um canto de Pilares (Zona Norte do Rio), poderemos encontrar o protestante Ezequiel e sua filha oprimida Raquel (Sura Berditchevski), o apaixonado caminhoneiro João (Humberto Martins), a intrometida vizinha Dos Anjos (Vera Holtz), a antenada Ritinha (Denise Fraga)... Junto de Ritinha, a novela divulgou o início dos bailes funk no Rio de Janeiro, que ganhariam ampla divulgação a partir dos anos 2000.

Já na Zona Sul, há o conflito entre Baronni e Molina (Mário Lago) em torno da saúde pública. Graças a um convênio governamental, Baronni ocupa boa parte de um hospital público para seu Centro de Reprodução Humana. Enquanto nesta área há diversos incentivos financeiros e infraestrutura adequada, no resto do hospital público que está sob a responsabilidade de Molina falta o mais básico para atender os pacientes, além da precariedade e da ineficiência de um sistema de saúde já falido em 1990. Apesar do conservadorismo de Molina pesar em seus questionamentos, a situação vivida pelos funcionários do hospital estimula a seguinte reflexão: como poderemos pretender um grande país, com grandes avanços científicos, se o mais básico atendimento de saúde é sucateado e desprezado a um plano obscuro e sem ações públicas neste âmbito?

A importância da novela “Barriga de Aluguel” extrapola sua narrativa. Prestemos a atenção na trama de Esther (Julia Lemmertz) nestes mais recentes capítulos de “Fina Estampa”. Indiretamente e por caminhos diversos, Esther está insegura pois pode ser considerada judicialmente apenas uma barriga de aluguel para o nascimento da filha de Beatriz (Monique Alfradique). Longe de questionar aqui a similaridade ou não entre as tramas, o que quero destacar é que o tema apontado por Glória Perez em 1990 ainda suscita debates, dramas, identificações e novas histórias para contar em 2012, assim como bem fez Aguinaldo Silva.

Com 243 capítulos, o que não faltaria é aspecto para destacar em “Barriga de Aluguel”, novela considerada o primeiro grande sucesso de Glória Perez na Globo. Após uma rápida reprise em 1993, agora o público tem a digna oportunidade de acompanhar a trama completa pelo canal Viva. Para os telespectadores, fica a felicidade de rever atuações como a de Adriano Reys, Mário Lago, Beatriz Segall (Miss Brown), Emiliano Queiróz (Barroso), Renée de Vielmond, Nicole Puzzi, Lady Francisco (Yara), Leonardo Villar, Sônia Guedes (Ambrosina), Lúcia Alves (Moema), entre outros. Para os desejosos em se tornar autores ou pesquisadores de novelas, há a chance de se estudar com a distância do tempo como surgem as características e temáticas que chamamos de griffe Glória Perez. Para o público em geral, a reprise de “Barriga de Aluguel” nos oferece a possibilidade de refletir sobre o país que éramos em 90, a nação que poderíamos ter sido e o Brasil que ainda não somos.

(por Jordão Amaral)

quarta-feira, 7 de março de 2012

Beijo sem língua

Há tempos quero escrever sobre “Aquele Beijo” e fico protelando. Um pouco por falta de tempo e um pouco também por não saber o que escrever. A novela não é desastrosa como “Negócio da China”, última trama de Miguel Falabella, mas também não é uma boa produção, que prenda a atenção do espectador.


Podemos dizer que “Aquele Beijo” é uma novela charmosa. Tem uma fotografia e figurinos agradáveis de ver. Mas e a história? Os capítulos são recheados de esquetes muito bem escritos, com gags hilariantes e sacadas perspicazes, como a marchinha de carnaval de Taluda (Priscilla Marinho). Porém, sobre o quê fala esta novela? O que é feito da trama central? A quantas anda a vida de Cláudia (Giovanna Antonelli) e Vicente (Ricardo Pereira)?

Não adianta criar uma estrutura bonita para os olhos e a dramaturgia ser rala. Não há trama consistente o bastante para se querer acompanhar. Prova disso é que esta novela das sete teve uma média de 35 pontos no Ibope (Grande São Paulo) no primeiro capítulo, feito que há muito tempo não acontecia. No segundo, a audiência despencou, chegando a 25 pontos ou menos.

A cenografia segue o fluxo oscilante da trama. Há cenários belíssimos como a Comprare, a casa de Maruschka (Marília Pêra), o loft de Brigitte (Juliana Didone) e o restaurante Sonho d'Aveiro. Enchem os olhos a riqueza de cores e texturas, o contraste entre o moderno sofisticado e o tradicional português. Porém, todos os cenários do Covil do Bagre são de extremo mau gosto. Peca-se pelas cores vibrantes e espaços reduzidíssimos. As casas dos personagens são tão apertadas que atrapalha a movimentação dos atores. A cidade cenográfica da comunidade é de uma artificialidade constrangedora, digna de qualquer produção do SBT.

Parte do charme da novela está, sem dúvida, no elenco. Giovanna Antonelli está agradável como a protagonista da trama, apesar da personagem Cláudia não exigir muitos recursos. Ricardo Pereira é outra presença sempre interessante, com carisma e sinceridade. Apesar disto, poderiam muito bem ter deixado o gajo soltar livremente seu sotaque de Camões ao invés de improvisar um carioquês que o próprio perfil do personagem não exige.

O embate entre Nívea Maria (Regina) e Marília Pêra é um dos pontos altos da novela das sete. Nívea brilha com sua experiência de quase 50 anos de televisão. Marília Pêra nos devia uma grande interpretação desde Rafaela Alvaray de “Brega e Chique” (1987). Em “Aquele Beijo”, apresenta uma personagem deliciosa, cheia de matizes e até coerentemente contraditória.

Da “Companhia Migueliana de Atores Falabelletes”, podemos destacar a segura presença das atrizes portuguesas Marina Mota (Celeste) e Maria Vieira (Brites), o entrosamento do casal Diogo Vilela (Felizardo) e Stela Miranda (Locanda), a perfeita interpretação de Elizângela (Íntima) com Bruna Marquezine (Belezinha) e Sandro Christopher (Bob Falcão) e a família de Ernani Moraes (Olavo) e Renata Celidônio (Marieta).

A mesma patota também apresenta tropeços e incompreensíveis erros de escalação. Leilah Moreno (Grace Kelly) e Fernanda Souza (Camila) penam para apresentar qualquer faísca de interpretação com personagens tão rasos e estereotipados. Frederico Reuter (Ricardo), Karin Hils (Bernadete) e Karin Roepke (Alana) só mostram alguma competência mesmo nos musicais que Falabella dirige. Em “Aquele Beijo”, são verdadeiros tratados de como não se interpretar na TV.

Victor Pecoraro é o principal calcanhar de Aquiles do elenco. Sempre apresentou atuações inexpressivas e pífias em seus trabalhos anteriores (“Chocolate com Pimenta” ou “Corações Feridos” do SBT). Mesmo com um bom teste, não era difícil de se imaginar a bomba que viria. Pois aí está ela: Pecoraro não segura as contradições do personagem Rubinho e esbanja imaturidade em cena.

A escalação de Herson Capri (Alberto), Fiuk (Agenor) e Bruno Garcia (Joselito) é muito questionável. Depois de um personagem tão forte quanto Cortez em “Insensato Coração”, a volta precoce de Herson Capri não adicionou nada (nem a ele, nem à novela). Se Fábio Jr era criticado em sua época por interpretações pouco densas, Fiuk vem provar que poderia ser bem pior. O personagem Agenor é apenas uma variação sem graça do cantor-ator. Nada mais. Já Bruno Garcia aparece apagado e sem muitas oportunidades na trama.

Apesar de um elenco irregular e de uma trama fraca, algumas ideias inseridas na novela se salvam da indiferença. A Comprare e sua deturpada relação de luxo e consumo são uma ácida fotografia de nossa elite. A trama das modelos plus size ganhou força e proporciona felizes momentos (ainda que tenha suplantado a interessante “Van Première”). Também não podemos negar que a narração de Miguel Falabella é um charme, um plus para a novela e que faz uma grande diferença. Foi uma ótima sacada do autor!

“Aquele Beijo” marcará os telespectadores por algumas ideias atraentes e um clima charmoso e agradável. Está longe de ser uma “Salsa & Merengue” ou “A Lua Me Disse” e isso tem um motivo muito claro: a ausência de sua parceira, assinando a novela juntamente com ele, que é quem lhe dá estofo dramatúrgico. Miguel Falabella sem Maria Carmem Barbosa é a mesma coisa que um beijo sem língua, ou seja, sem graça.

(por André Torres)