sexta-feira, 1 de junho de 2012

As brasileiras de Jacarepaguá

Embalada pela boa repercussão da série “As Cariocas”, a Globo decidiu exibir um novo produto com os mesmos moldes: “As Brasileiras”. A nova empreitada prova nitidamente que, em televisão, não há uma fórmula segura para o sucesso. Bem cuidada e com um elenco de famosos nomes, esta série não deixará sequer lembrança nos telespectadores.


A primeira razão para este impacto nulo é a qualidade instável de seus episódios. Um dos poucos casos televisivos onde o líder autoral do programa é o diretor (neste caso, o sempre talentoso Daniel Filho), “As Brasileiras” apresenta uma irritante sequência de histórias repetitivas, textos ora muito bons, ora péssimos, além de uma clara ausência de um líder para estipular diretrizes à criação.

Em “As Cariocas”, este papel de “coordenador de textos” era de Euclydes Marinho. O autor não chegou a escrever todos os episódios, mas era nítida a unidade narrativa em comum entre as histórias contadas por esta série. No entanto, em “As Brasileiras” temos a presença de Ana Maria Moretzsohn em grande parte dos episódios, o que não chega a ser a supervisão da qual o programa carece. A única garantia de coesão de qualidade que permite reunirmos os muitos episódios como partes de um mesmo programa está na mise en scène. E só.

Enquanto alguns dos episódios foram simplesmente imperdíveis, outros são merecedores do mais impiedoso e justo ostracismo. “A vingativa de Sampa”, “A perseguida de Curitiba”, “A apaixonada de Niterói” e “A reacionária do Pantanal” são excelentes exemplos de roteiros que não adicionaram absolutamente nada à série. Fracos, sem ritmo, cheios de clichês e por vezes repetitivos, roteiros como estes ofuscam boas histórias como “A fofoqueira de Porto Alegre”, “A culpada de BH” e “A justiceira de Olinda”.

A irregularidade do nível entre os episódios nos desnuda outro problema da série: os clichês. Já inicia com o pé esquerdo um programa que, propondo-se ambientar uma história em cada lugar do país, ignore as cores regionais e faça suas gravações em locações genéricas e com chromakey. No episódio “A adormecida de Foz do Iguaçu”, o efeito especial é incrivelmente tosco. Em muitas cenas, a direção quer deixar tão explícito que o episódio se passa no Paraná que insere as cataratas o mais próximo possível dos cenários, sejam eles uma passarela do Parque de Foz do Iguaçu ou uma varanda de um prédio qualquer. Agrava a situação o fato de o elenco ser, em sua maioria, do eixo Rio-São Paulo. Salvo certas exceções (como Ísis Valverde e Suyane Moreira), a grande parte das atrizes reproduzem o carioquês sem a menor culpa.

Por parte dos roteiristas, o importuno trabalho do clichê empobrece o conteúdo narrativo dos episódios. E, neste caso, há dois grupos de cartas na manga: o regional e o sexual. No primeiro caso, se vamos falar de São Paulo, nada mais lógico do que contar a história de uma perua afetada e estressada. Se o cenário é Brasília, a “ideia genial” é criar uma intriga política. São associações tão criativas quanto a cartilha “Caminho Suave”.

No quesito “clichê sexual”, a série comprova que pode piorar muito aquilo que já se apresenta ruim. Grande parte dos episódios versam sobre o sexo, sem distintas variações sobre o tema. O maior flagrante é notar, por exemplo, que um considerável número de episódios terminam justamente na cama. Ou seria “As Brasileiras” um caso para a psiquiatria estudar como reagem as ninfomaníacas de diferentes regiões do país?

Bom senso também faltou para a narração em off. Concomitante a esta série, tivemos o excelente uso de narrações na novela “Aquele beijo”. No caso da novela, Miguel Falabella esbanjou inteligência e perspicácia ao tecer comentários significativos que só faziam enriquecer os capítulos. Já em “As Brasileiras”, as digressões escritas por Geraldo Carneiro são explicativas, anacrônicas, calhordas, rasas e redundantes. A narração de Daniel Filho peca pelo excesso de maneirismos e artificialidade. A ideia de se apresentar uma voz em off veio de “As Cariocas”, para que o telespectador pudesse acompanhar as boas tiradas de Sérgio Porto (autor dos contos que originaram a série televisiva). No entanto, em “As Brasileiras”, o recurso foi utilizado da forma mais estranha possível. É tamanho maneirismo e afetação que Carneiro e Daniel Filho conseguem transformar o narrador explícito em um velho tarado e babão.

Não são raras as “pérolas” ditas entre uma e outra cena. Coisas como “Onde a moçada gosta de brincar de paraíso sem precisar de folha de parreira” (episódio 16), “O celular foi especialmente inventado para o adultério” (episódio 08) ou “Aí rolou aquele Carnaval. Só que o Arlequim não sabia que a Colombina era a própria Patroa” (episódio 14) certamente podem ser apagadas sem qualquer prejuízo ao episódio.

Contudo, há bons momentos em “As Brasileiras”. O melhor foi “A mamãe da Barra”, baseado em um romance de Thalita Rebouças. Tudo neste episódio teve um sabor especial: a trama em si, as atuações, a trilha sonora, os cenários. O texto (escrito por Thalita Rebouças e Ana Maria Moretzsohn) foi inspirado, criativo, sensível e com direito a irônica metalinguagem. Em uma das cenas, Thalita Rebouças interpreta uma amiga de Ângela Cristina (Glória Pires) declarando detestar adolescentes. Logo ela, uma das mais famosas romancistas atuais para o público infanto-juvenil... Não bastassem todos estes pontos positivos, o público ainda pôde acompanhar a família Pires de Moraes contracenando junta e transbordando talento. Glória Pires dispensa apresentações. Antônia Moraes participou apenas de duas cenas. Mas a surpresa do episódio veio com Ana Pires de Moraes, filha de Glória na vida real e na ficção. Com muita segurança, graça e naturalidade, Ana fez o saudoso público lembrar do começo da carreira de Glória Pires. Um episódio excelente, com sensação de álbum de família. Uma pena que “A mamãe da Barra” tenha sido uma exceção, não a regra, em “As Brasileiras”.

Chegando ao fim (abreviado pelo início de “Gabriela”), “As Brasileiras” prova ao público que sucesso não é uma fórmula infalível. As características de “As cariocas” foram copiadas para que tivéssemos a impressão de acompanhar uma continuação. Só que Daniel Filho errou na mão e veiculou uma versão caricata e burramente copiada das deliciosas histórias de Sérgio Porto. Nem ele, nem nós merecíamos um programa tão oscilante.

(por Jordão Amaral)