terça-feira, 10 de abril de 2012

Apenas mais uma bobagem

Não sei até que ponto este artigo deve ser levado a sério. Não sei também quão maleável deve ser o conceito de “telenovela” para incluir a produção “Corações Feridos”, que o SBT exibe há poucos meses. Adaptada por Íris Abravanel, o programa serviria de excelente exercício para a emissora descobrir porque o núcleo de teledramaturgia não decola nem com reza brava.

Comecemos pela mentora do crime, a autora Íris Abravanel. Foi uma atitude louvável sua intenção de reativar as produções de telenovela do SBT. Afinal, do canal 4 já saíram boas tramas como os remakes de “Éramos Seis” (1994), “As pupilas do Senhor Reitor” (1994/95) e “Sangue do meu Sangue” (1995/96). Contudo, como não basta boa vontade para seguir em frente, Íris Abravanel sucumbe à sua inexperiência ao redigir capítulos tão fracos e reproduzir esquemas tão batidos.

A inexperiência não significa que “Corações Feridos” seja a primeira trama da senhora Abravanel. Antes dela, o público já sofreu (no pior sentido) com “Vende-se um véu de noiva” e “Revelação”. Nestas duas produções, a grande marca que ficou ao telespectador foi a completa falta de carpintaria para estruturar e organizar um capítulo. As tramas estavam confusas, não se tinha um norte para guiar as novelas. Pelo menos, em “Corações Feridos”, Íris Abravanel aparou esta aresta. A história central (que envolve os atores Flávio Tolezani, Patrícia Barros e Cynthia Falabella) está definida, embora não seja interessante.

O texto original é de Caridad Bravo Adams e uma versão mexicana foi exibida no SBT em 2000 com o nome de “A Mentira”. Faz-se necessário registrar aqui que esta novela não alcançou o sucesso de audiência de antecessoras como “A Usurpadora” (exibida no Brasil em 1999) e “O Privilégio de Amar” (que o SBT veiculou em 1999/2000). O esquema reduzido (tanto de capítulos quanto de personagens) pode ter beneficiado Íris Abravanel a não cometer tantos pecadilhos ao longo das cenas.

No entanto, há alguns estereótipos que a equipe de Íris Abravanel faz questão de retomar, cena após cena. O maior deles é o famigerado merchandising social. No manual “Como escrever uma novela de Íris Abravanel”, com certeza há o item: subentenda merchandising social como alerta sobre os perigos das drogas. Além de ser um tema chavão, as três novelas de Íris recorreram à mesma “polêmica” fajuta: em “Revelação”, Fausto (Marcelo Saback) era um traficante internacional de drogas; em “Vende-se um véu de noiva”, o personagem Felipe (Vinícius Ricci) era usuário de cocaína e heroína. Em “Corações feridos”, os personagens Camila (Rita Batata) e Dinho (Bruno Autran) se envolvem com o uso de drogas. É tudo tão repetitivo e entediante que chega a ser desprezível.

O fraco texto e os clones de “preceitos novelísticos” só fazem amargar um ponto que poderia ser o forte do SBT: a produção. As novelas da emissora já tiveram grandes desfalques neste quesito (principalmente na década de 1980, onde tudo era muito pobre e amador). Atualmente, o SBT tem se esforçado para se equiparar às rivais Globo e Record em termos de qualidade visual e cenográfica. Os cenários de “Corações Feridos” são muito bem planejados, de bom gosto, com adequada iluminação. As direções de arte e de fotografia acertaram em seus trabalhos. Todavia, tanta dedicação e cuidado vão por água abaixo diante de cenas tão mal escritas.

Outro aspecto questionável é o elenco (talvez o eterno calcanhar de Aquiles das produções do SBT). É difícil arrancar algum resultado positivo quando se tem atores tão histriônicos como Patrícia Barros (Amanda), Flávio Tolezani (Eduardo), Simone Zucato (Cinira), Rita Batata (a já citada Camila), Jacqueline Sato (Bianca), Victor Pecoraro (Vitor), entre tantos outros. Diante de tamanho caos, como é que profissionais como Antonio Abujamra (Dante) e Iara Jamra (Loreta) conseguirão apresentar um trabalho digno? Com o excesso de amadorismo dos colegas, Cynthia Falabella (intérprete da caricata vilã Aline) até consegue disfarçar seus excessos e falhas...

Ainda sobre o elenco, vale a pena destacar dois pontos. Um deles é a presença da excelente atriz Elisabeth Hartman (vivendo Tita), egressa dos tempos da Tupi, mas que há muito não aparecia em telenovelas. Sua atuação é segura e deliciosa (embora o personagem seja pequeno), consequência de anos de experiência na laboriosa arte de atuar. O outro ponto é a escalação de uma atriz de descendência oriental, Eda Nagayama (Regina). Lembro-me de uma antiga reportagem de jornal que investigava justamente a dificuldade de atores nipônicos para conseguirem papéis em telenovelas. Um dos entrevistados disse que o ator oriental estava fortemente preso aos estereótipos (assim como os negros, em sua grande maioria chamados para personagens escravos em novelas de época). A personagem Regina poderia ser vivida por uma profissional de qualquer origem. Eda Nagayama (dentro de certos limites) consegue apresentar um trabalho regular e rompe essa barreira que sua origem acaba lhe impondo.

Entre mortos e feridos, salva-se o diretor da novela Del Rangel (assessorado por Rodolfo Silot e Luis Antonio Piá). Se o trabalho dele não engrandeceu a produção, também não prejudicou em nada. Del Rangel é o tipo do diretor curinga para se estruturar um núcleo de teledramaturgia. Pena que, em muitos casos, assim que o departamento começa a dar resultados, logo ele é dispensado. Não foi diferente no SBT, que, acima de tudo, ainda teve a esquizofrênica decisão de adiar a estreia da novela um sem número de vezes enquanto os capítulos eram gravados. Resultado: “Corações Feridos” vai ao ar dois anos depois de gravada, assim como outras novelas do SBT (por exemplo, “Pérola Negra” e “Revelação”).

A emissora de Silvio Santos tem larga tradição de amadorismo e improviso. Durante décadas, não havia uma grade de programação fixa: tudo poderia mudar do dia para a noite, de acordo com o humor do patrão. Hoje, temos um SBT mais regular. Todavia, muitos outros vícios deste período ainda permanecem por entre os corredores do Complexo Anhanguera. Texto fraco, pesada influência de roteiros mexicanos, autor inexperiente, elenco pífio, falta de planejamento, indefinição quanto aos objetivos a longo prazo de sua teledramaturgia...

Dessa forma, a reconquista do segundo lugar de audiência ainda está léguas de distância do SBT. A disputa entre Globo e Record se torna cada vez mais confortável. E Íris Abravanel já está em sua quarta novela: uma adaptação da mexicana “Carrossel”. Só resta saber quem é que, desta vez, vai se envolver com drogas: Cirilo, Maria Joaquina ou a professorinha Helena...

(por Jordão Amaral)