quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Finalmente, o jogo começou

Atribui-se a Janete Clair a seguinte máxima: “Quanto mais história o novelista gastar, mais história ele terá para contar”. Sorte ou azar, todas as noites tal conselho se vê eficaz em “Vidas em jogo”, da Record. Cristianne Fridmann amargou alguns meses de uma novela sem definição nem emoção por acreditar que precisava segurar a trama do bolão até a metade a novela para torná-la atraente. Ledo engano.

Em entrevistas durante a estreia da trama, Cristianne afirmou que, a partir do capítulo 100, começariam misteriosas mortes entre os personagens envolvidos com a aposta na loteria. Não sei se a novelista cumpriu à risca o prometido número de capítulos, mas o fato é que, até chegar ao primeiro assassinato, o de Belmiro (Ricardo Petráglia), muitas semanas foram recheadas com pequenos episódios que em nada colaboraram para a estrutura da trama.

Tal arquitetura novelística foi parecida com a de “Insensato Coração”. Divide-se a novela em dois grandes blocos. No primeiro, trabalham-se as relações entre os personagens, de modo a complicá-los em trapaças, armações, invejas, amores, parcerias e mágoas, apenas cozinhando a novela (e o público) em banho-maria. A finalidade desta primeira etapa da novela é preparar o público e os personagens para a segunda parte, onde o autor resolve partir para o “tudo ou nada” e, daí, passa à trama propriamente dita, com muitos pontos de clímax e revelações fundamentais para o seguimento da novela.

E, assim como em “Insensato Coração”,  a primeira parte de “Vidas em jogo” é tediosa, claudicante e travada. A Record apresentou uma excelente estratégia de marketing no dia do sorteio premiado, ao inundar o centro do Rio de Janeiro com cédulas falsas (do escopo ambiental, tal propaganda é péssima; já do publicitário, a ação foi perfeita). Todavia, a novela se arrastou em previsíveis desencontros entre Francisco (Guilherme Berenguer), Patrícia (Thaís Fersoza) e Rita (Julianne Trevisol), além de apelar para muitas sequências gratuitas de violência e ação (o que forçou a sempre constrangedora presença dos personagens Cléber e Maurício, vividos por Sandro Rocha e Mário Gomes de forma igual e estranhamente inexpressiva). Resultado deste primeiro “blocão” da novela: um amontoado de personagens e tramas sem muita lógica conexa e, pior, a ausência de uma espinha central para a trama.

Esta primeira etapa era mais do que necessária para, por exemplo, criar fundamentos para a curva dramática da personagem Patrícia. De menina mimada e estagiária de vilã, ela se comove com uma gravidez atípica (será mãe de uma criança com síndrome de Down) e consegue reverter valores errôneos que cultivava. Só que a novela não precisaria ter evitado tanto começar os assassinatos dos jogadores do bolão, ponto decisivo para o desenrolar das tramas mais interessantes. O que foi contado em, mais ou menos, cem capítulos, poderia ter durado cinquenta, sessenta no máximo.

Entretanto, como novela é uma obra aberta e todo dia ergue-se um pedaço da construção final, Cristianne Fridmann parece ter retomado as rédeas de sua criação. A partir da explosão que vitimou os personagens Belmiro e Hermê (Bia Montez), a narrativa ganhou os contornos que necessitava para se tornar atraente e concreta (sem abrir mão do mistério). Agora, é possível afirmar que há uma trama central, personagens atuantes e uma trilha a se seguir (sem torná-la, no entanto, previsível).

O grupo de ganhadores da loteria passa a ser o personagem central. Além dos desafios que devem cumprir para se apossar de metade do prêmio, os personagens envolvidos devem lidar com os efeitos colaterais que a súbita riqueza lhes trouxe. Um deles é Regina (Beth Goulart) que prejudica seus oponentes em sua obstinada caça ao dinheiro. Nesta segunda parte da trama, Regina descobre-se soropositivo. A inclusão do tema da AIDS na novela foi excelente. Primeiro porque o tema está em discussão com o relaxamento de precauções das pessoas mais jovens (apesar da periculosidade da doença). Segundo, pois tal assunto foi tratado de forma convincente e natural, fazendo parte da vida dos personagens.

Cada um dos infectados reagiu à sua maneira, sem aquele artificial comportamento de “I will survive”. Cléber partiu para a negação da doença e, como tal, continuou a infectar outras pessoas. Andréia (Simone Spoladore) fora infectada ao ter sido estuprada por Cléber. Então, lida com o trauma da violência que sofreu e com as novas limitações que o HIV lhe traz. Para Regina, a AIDS causa revolta e ódio, mas, principalmente, um superpoder ao personagem. Afinal, ela está diante de uma morte cruel, possível e próxima. Por isso, não tem mais nada a perder. Regina se torna capaz de atitudes imprevisíveis e inconsequentes, já que não há limitações como o temor pela segurança de sua própria vida.

Outro ponto interessante desta nova “fase” é a revelação de que Augusta (Denise Del Vecchio) é um transexual. Diferente de Sílvio de Abreu e o segredo de Gerson (Marcello Antony) de “Passione”, Cristianne Fridmann foi ousada e feliz ao tratar do tema de modo instigante. Assim como em “Chamas da vida”, onde a autora falou de piromania, neste trabalho a abordagem do transexual deu um sabor a mais aos capítulos com a revolta e preconceito de Raimundo (Rômulo Arantes Neto), ainda que o ator derrape em cenas que exijam maior dramaticidade.

No quesito ação, a trama também foi beneficiada com a aceleração das progressões dramáticas. As cenas de tiroteio, fugas e violência deixaram de ser gratuitas e a direção conseguiu acertar o tom para manter a tensão do telespectador durante o capítulo. Foram excelentes as sequências da morte de Ivan (Silvio Guindane) e da fuga de Rita. Porém, justamente pela sofisticação dos estratagemas, fica complicado, por exemplo, engolir que Rita tenha sido presa pelo sequestro de Patrícia apenas porque um brinco da bailarina foi achado no cativeiro. Pior foi a inocente e fantasiosa cena em que os policiais, revistando o esconderijo de Rita, não a encontram porque não olharam justamente o local mais previsível: embaixo da cama. As intrigas são bem armadas, entretanto, algumas soluções ainda ficam a dever.

Nesta segunda parte, a novela de Cristianne Fridmann ganhou exatamente o que lhe faltava nos primeiros capítulos: contorno, definição, estrutura para que se sustentasse. Embora alguns pontos permaneçam falíveis, a produção encontrou uma unidade dramatúrgica com elementos que interagem, desafiam-se, multiplicam-se. Enfim, agora, Cristianne Fridmann tem uma boa história para contar.

(por Jordão Amaral)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O mapa astral de “O astro”

Assim como fiz no início do ano, sobre o remake de “Ti Ti Ti”, retomo agora o tema para apresentar uma comparação entre as duas versões da novela “O astro”, embora a novela já tenha terminado há algumas semanas. Ainda que se trate de um grande sucesso de Janete Clair, com fortíssima lembrança do público, a sociedade brasileira mudou de tal forma nos últimos trinta e tantos anos que uma releitura foi a melhor tática a se adotar no caso deste remake. Vejamos então algumas novidades que Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro inseriram na trajetória de Herculano Quintanilha.

O número de capítulos e o horário veiculado são duas mudanças que, a princípio, podem parecer factuais, desprezíveis até. A novela de Janete Clair teve 186 capítulos e foi transmitida às 20h, entre dezembro de 1977 e julho de 1978. Com a diminuição de capítulos (no remake foram 64) e a veiculação da obra às 23h, os autores desta nova versão tiveram dois desafios: o primeiro deles era condensar e agilizar a trama de tal modo que uma novela de sete meses pudesse ser recontada em um prazo muito menor. O segundo fato era que o horário permitiu que se tratasse de temas polêmicos da primeira versão (como o homossexualismo) de forma mais clara e mais aprofundada.

Com a aceleração da narrativa, respeitou-se a macro estrutura da novela de Janete Clair. Em linhas gerais, a caminhada de Herculano (Rodrigo Lombardi) foi semelhante à de 77 (vivida pelo icônico Francisco Cuoco). Mas, o encadeamento de episódios foi completamente alterado, partindo-se muitas vezes do zero. Por exemplo, na primeira versão, Amanda (Dina Sfat) é pedida em casamento por Herculano, mas abandona-o às vésperas de uma viagem que concretizaria tal enlace pois descobre que o amado fora responsável pela separação de Márcio (Tony Ramos) e Lili (Elizabeth Savalla). Após algum tempo, Amanda não consegue esquecer o bruxo e procura Herculano, pedindo-o em casamento. Já em 2011, Amanda (Carolina Ferraz) e Herculano (Rodrigo Lombardi) se casam, mas, logo depois, Samir (Marco Ricca) chantageia o mágico com um DVD de sua despedida de solteiro. Herculano conta a verdade para Amanda, que pede a separação. Tudo em dois capítulos.

Além disso, Herculano teve uma alteração em seus poderes. Na versão original, Herculano Quintanilha (Francisco Cuoco) era, como anunciava seu cartão de visitas, telepata, grafólogo, astrólogo, quiromante e cartomante. Ou seja, era um bruxo pois, através da vidência, conseguia desanuviar os mistérios do ser humano. Na segunda versão, Herculano (Rodrigo Lombardi) é astrólogo, cartomante e, principalmente, mágico. Além de contar com um guia, Ferragus (Francisco Cuoco), Herculano agora é um bruxo porque, através do dom de iludir, consegue influir no destino dos que estavam à sua volta.

A história de amor entre Márcio e Lili também teve nova roupagem. Na versão de Janete Clair, após se apaixonarem, Lili (Elizabeth Savalla), convencida por Herculano (Francisco Cuoco), engravida de Márcio (Tony Ramos) para se manter ligada a ele, independente da família Hayala. Só que a mãe do rapaz, Clô (Tereza Rachel), não suporta a ideia de ver o filho casado com qualquer uma – e, pior, ser avó tão precocemente. Então, a fútil socialite pede a ajuda de Herculano para colocar Lili na cadeia e fazê-la pensar que seu infortúnio se deve a uma armação de Márcio. Casal desunido, Salomão Hayala (Dionísio Azevedo) morre e deixa uma carta à família, onde pede ao filho para que se case com Jôse (Sílvia Salgado). Os dois se casam e o filho de Lili nasce. Trata-se de um menino e seu nome é Francisco. Torturada por ciúmes e complexo de inferioridade, Jôse também tenta engravidar. Demora muito, mas, quando consegue finalmente dar um herdeiro digno à família Hayala, Jôse descobre que tem uma complicação (gravidez tubária rota) e morre após uma forte hemorragia. Márcio se desespera e entra em um período de forte depressão, mas, ajudado por Lili, recupera sua vida e retoma seu casamento com a moça.

A história de Lili também teve novos contornos no aspecto familiar/profissional. Se no remake, seu algoz era Neco (Humberto Martins), na primeira versão Lili (Elizabeth Savalla) viveu um grande conflito com sua mãe, dona Consolação (Eloísa Mafalda). Abandonada pelo marido com três pequenas filhas para criar, Consolação fez de um tudo para sobreviver e, obcecada por se mostrar capaz da tarefa de excelente mãe, destinou a cada uma das filhas um caminho na vida. Para Lili, Consolação ansiava os belos passos de uma bailarina clássica. Só que Lili quis se aventurar pela seara da igualdade dos sexos, tentando na época profissões tipicamente masculinas, como taxista, barbeiro ou ascensorista. Depois de muito brigar com a mãe, Lili passa a trabalhar como secretária do Dr. Hernani Menezes (Maurício Barroso), dono de uma concessionária de carros e de uma rede de supermercados. Um belo dia, seu patrão recebe o convite para o noivado de Márcio (Tony Ramos) e Jôse (Sílvia Salgado) e, com segundas intenções, convida Lili para acompanhá-lo. Lili, consciente de que o patrão nada sabe dos laços que a une a Márcio, vê nesta uma boa oportunidade para a revanche e vai ao tal noivado, causando um imenso desconforto nos presentes. Este episódio é interessante, pois fora reaproveitado no remake em condições diversas – Salomão (Daniel Filho) assume a função de Hernani e a tal festa (não mais um noivado) é levada aos primeiros capítulos.

Por falar na família de Lili, faz-se necessário comentar sobre o casal Laura e Neco, drasticamente diferentes na primeira versão. Em 1977, estes personagens tinham a função de contraponto cômico na trama, o respiro da novela. Neco (Flávio Migliaccio) era um sujeito malandro, mas medroso, paspalho. Em Guariba, rouba o amigo Herculano (Francisco Cuoco) para poder se casar com Laura (Ângela Leal). Anos depois, estabelece-se como dono de uma barbearia no bairro carioca de Engenho Novo. É achado por Herculano, que passa a pressioná-lo a repor o dinheiro que roubou. Para se ver livre das ameaças, Neco viaja para o Acre, a fim de vender dois terrenos que possui por lá, e deixa sua recatada, submissa e doce Laura à sua espera. Quando volta, encontra Laura completamente mudada. A esposa assumiu o comando da barbearia, voltara a dançar, enfim, readquiriu sua independência. Neco tenta aceitar, quase consegue entender a nova postura da esposa. Porém, Laura aparece grávida e, pelas contas, o filho não pode ser de Neco, já que passara bom tempo no Acre. Depois do nascimento da criança, Neco cisma que o filho é de Herculano e, por vingança, trai novamente o amigo, entregando-o a seu mais ferrenho inimigo: Samir (Rubens de Falco).

A relação de ódio entre Samir e Herculano também é diferente entre as duas versões. Enquanto em 2011, Samir (Marco Ricca) buscava o poder do Grupo Hayala, em 1977, os objetivos eram outros. Na verdade, Samir (Rubens de Falco) e Amanda (Dina Sfat) eram casados e, no início da trama, estavam em um processo de desquite. Ele queria que a esposa se dedicasse mais ao casal enquanto ela estava absolutamente imersa nos problemas da construtora da família. Logo após a separação, Amanda se envolve com Herculano, o que enfurece Samir. A fúria logo se torna ódio mortal quando o bruxo, através de Márcio (Tony Ramos) inicia sua escalada dentro do Grupo Hayala. Samir busca a união do clã Hayala (não a presidência da empresa) e enxerga em Herculano um dilapidador do patrimônio da família. Então, começa sua perseguição para desbancar o vidente de sua poderosa condição de oráculo de Márcio.

Por fim, a morte de Salomão Hayala. Felipe (Edwin Luisi) e Clô (Tereza Rachel) mantinham um caso amoroso. E aqueles que não sabiam, pelo menos, desconfiavam. Um deles era Salomão que, procurando desmanchar a história, descobriu que a construtora de Amanda (Dina Sfat) tinha uma imensa dívida. O Grupo Hayala poderia emprestar dinheiro, mas Salomão condicionou o empréstimo à saída de Felipe do Brasil. Cerqueira (Ênio Santos), diretor financeiro da construtora e pai de Felipe, pressionou-o a aceitar as condições de Salomão. Com a concordância de Felipe, o dinheiro foi emprestado e o rapaz fora passar um tempo em Paris, mas não antes sem assinar uma carta onde confessava fazer parte de uma quadrilha de traficantes de drogas e listava cada um dos participantes, entre eles Mara Célia (Marília Barbosa), Henri (José Luiz Rodi) e Niltinho (Betinho). Tal listagem estava em poder de Salomão e era uma precaução caso Felipe descumprisse o acordo. Só que Felipe retorna ao Brasil em sigilo e sua primeira atitude é chamar Clô e contar sobre a lista. Os dois decidem aproveitar uma viagem de Salomão para São Paulo, a fim de procurar onde tal confissão estava escondida. Quando chegam à casa de Clô, descobrem que Salomão, avisado por Magda (Ida Gomes), voltou ao Rio de Janeiro de surpresa. Clô entra em casa para distrair o marido. Porém, Henri também foi atrás deles para ajudar na busca. Salomão, desconfiado, desce à garagem para flagrar Felipe, mas encontra Henri. Nervoso, Henri inventa que precisa de dinheiro emprestado, porém, Salomão não acredita no cabeleireiro e força-o a falar a verdade. Aproveitando-se da situação, Felipe mata Salomão com um golpe na cabeça. O corpo é levado de casa e aparece no dia seguinte na Estrada da Boa Vista. Clô, desconfiada do amante, pega a lista que achou e entrega a Herculano. Tempos depois, Herculano é pressionado a devolver a listagem e entrega-a para a polícia, solucionando o caso da morte de Salomão Hayala.

Como pudemos ver por estes rápidos pontos ressaltados, o remake de “O astro” teve uma dinâmica diferente dos anteriores. Em “Ti ti ti”, foi preciso erguer uma terceira novela, com a mescla de duas tramas, o que necessariamente obrigava a autora do remake Maria Adelaide Amaral a fazer concessões e associações de tramas e personagens de Cassiano Gabus Mendes. Já em “Uma Rosa com Amor”, o trabalho de Tiago Santiago foi de adaptação e atualização dos capítulos originais de Vicente Sesso.  Para “O Astro”, Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro mantiveram intacta a trajetória de Herculano Quintanilha, mas reorganizaram as tramas de Janete Clair e inseriram novas histórias para que o bruxo pudesse em 2011 conquistar novamente o público, assim como em 1977.

(por Jordão Amaral)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Duelo de Titãs


Dificilmente haja melhor título para uma produção que reúne Alcides Nogueira, Geraldo Carneiro, Mauro Mendonça Filho, Roberto Talma, Rodrigo Lombardi, Carolina Ferraz, Regina Duarte, Daniel Filho, Thiago Fragoso, Alinne Moraes, Rosamaria Murtinho, Francisco Cuoco e tantos outros. Após o ponto final de “O Astro”, a sensação que fica é a de que tivemos não só um belíssimo espetáculo, mas o mais bem-sucedido remake de uma novela de Janete Clair.

Grande parte do mérito está na dupla de autores titulares, Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro. Com os colaboradores Tarcísio Lara Puiati e Vítor de Oliveira, eles apresentaram um texto forte, denso, matizado e alternaram momentos de tensão, drama, amor, comédia e lirismo. Reescrever esta famosa novela poderia fazer com que o autor, medroso por arriscar, tentasse encarnar Janete Clair. Felizmente, Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro enfrentaram o desafio com grande talento e rara beleza. Aliás, deve-se registrar a inspirada ideia de se colocar em flashback cenas da novela original. Além de uma inteligente metalinguagem, foi uma inesperada homenagem a Dina Sfat, intérprete da personagem Amanda em 1977.

Outro mérito de “O Astro” foi trazer novamente a novela como um espaço para experimentação de linguagens. Esta prática, muito comum durante a década de 1970, foi deslocada para as minisséries e as séries ao longo da década de 1980, restando à novela trilhar caminhos batidos e surrados. Encontrar na telenovela a função de ousar só faz crescer e revitalizar um gênero que os brasileiros conhecem como poucos no mundo.

Todavia, há que se puxar a orelha pelo desfecho da morte de Salomão Hayala (Daniel Filho). Ficou estranho um crime em que todo mundo deu uma ajudinha para despachar a vítima. Inácio (Paschoal da Conceição) envenenou. Youssef (José Rubens Chachá), a mando de Nádia (Vera Zimmermann), golpeou. Clô (Regina Duarte) empurrou. Só faltava revelar que quem deu o veneno a Inácio foi Úrsula (Débora Bloch), de “Cordel Encantado”...

O elenco soube aproveitar muito bem o lapidado texto que receberam. Rodrigo Lombardi conseguiu fazer de seu Herculano Quintanilha um personagem novo, e não uma cópia do original de Francisco Cuoco (brilhantemente aproveitado na trama como Ferragus). Carolina Ferraz esteve agradável, simpática e competente na pele de Amanda. Se não brilhou mais, a culpa está no próprio personagem. Amanda tem, em sua essência, um problema muito complicado para se resolver: ela depende das oscilações de Herculano, Samir (Marco Ricca), Jôse (Fernanda Rodrigues) e Assunção (Reginaldo Faria). Não há uma chama própria para guiar a personagem. Sobre tal, Dina Sfat comentou em 1978 durante uma entrevista para a Revista Amiga: “Amanda não foi uma personagem do coração da Janete. Herculano, Márcio e Lili foram. Então, não sendo do coração, ela foi uma personagem difícil de segurar e de fazer. Ficou muito envolvida no eixo central da história e foi conduzida. Ela não determinou nada. E como na vida, Amanda foi uma mulher incoerente que sempre escondeu seu lado fraco”.

As atuações de Regina Duarte, Daniel Filho e Marco Ricca valem não só um parágrafo, mas um capítulo inteiro. Os três souberam valorizar cada palavra, cada reação que lhes atribuía o texto. Todavia, pensemos rapidamente na composição dos personagens. Salomão é um imigrante libanês self-made-man sem estudo. Samir é o irmão calculista e ambicioso. Clô, apesar de fútil e refinada, é uma personagem corroída pelo desprezo e o grande desnível cultural entre ela e seu marido Salomão. Só que, na interpretação, Clô foi uma mulher de extremos, com exageros de reações que reslavaram no kitsch. Samir, apesar de engenhoso, comportou-se de maneira violenta, ao contrário da meticulosidade e discrição que se exigia dele. Já Salomão esteve elegante e charmoso – ainda que rude, exigente e cruel. Ou seja, as atuações foram brilhantes sim, mas criaram ruído entre o desempenho cênico e a psicologia dos personagens.

Para fechar o elenco, Thiago Fragoso e Alinne Moraes encantaram com seu casal Márcio e Lili. Tato Gabus (Amin), José Rubens Chachá, Vera Zimmermann, Carolina Kasting (Jamile) e Bel Kutner (Sílvia) deitaram e rolaram, fazendo dos personagens um bom momento em suas carreiras. O mesmo para Guilhermina Guinle. Apesar de ter um bom trabalho nas últimas novelas, foi com Beatriz que ela teve seu melhor desempenho até agora. Simone Soares foi outra grande surpresa, dando a Laura uma luz própria. Antonio Calloni (Natal), Fernanda Rodrigues, Selma Egrei (Consolação) e Reginaldo Faria abrilhantaram ainda mais este elenco de astros com interpretações significativas. Juliana Paes (Nina) foi um eficaz reforço para os capítulos finais. Por fim, o belíssimo trabalho de Rosamaria Murtinho. Na última semana, Magda esteve na lista dos mais comentados do Twitter. Prova de que Rosamaria emocionou muito no papel da mulher que amou demais e foi pouco amada. A cena do suicídio, então, foi de uma força e delicadeza poucas vezes encenadas na televisão.

A direção de Roberto Talma, Mauro Mendonça Filho, Alan Fiterman, Fred Mayrink e Noa Bressane é um constante acerto. As cores da trama foram carregadas para condensar a história em 64 capítulos, o que poderia descambar para uma estética do exagero (fatalmente trágico para a produção). No entanto, eles souberam dosar a mão e apresentaram uma direção de bom gosto, com planos e imagens impecáveis.

Depois do último capítulo, é muito difícil se desligar de um grande personagem. Carregamos, por exemplo, Odete Roitman e Nazaré Tedesco até hoje conosco. Mas, o que fazer quando a tristeza está em se despedir de uma equipe inteira? Tão talentosos, viscerais e pungentes foram os artistas de “O Astro”, que só nos resta o consolo de termos presenciado um raro momento de felicidade e inteligência na televisão.


QUENTE
O elenco, citado acima, e os diretores, com total mérito. E, mais do que justo, os autores Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro pelo excelente roteiro.

MORNO
Os efeitos especiais melhoraram ao longo da trama (vide a cena em que Herculano se transforma em um pássaro). Já a atuação de Humberto Martins foi problemática, cheia de caras e tipos, mas sem consistência.

FRIO
Alguns personagens não tiveram qualquer importância na trama (exemplos são Izak Dahora, Lara Rodrigues, Natália Soutto, Jefferson Goulart, Hanna Romanazzi). Em contrapartida, Ellen Roche (Valéria) muito apareceu, mas pouco apresentou...

(por Jordão Amaral)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Tudo bem quando acaba bem

Quando “Morde & assopra” estreou, em março deste ano, tinha uma pesada cruz para carregar: o arrebatador sucesso de “Ti Ti Ti”, novela anterior. Obviamente, tal expectativa chega a ser estapafúrdia e injusta, visto que cada trama tem um alcance próprio e é relativamente complicado comparar a recepção do público. Depois de um primeiro mês vacilante, a dupla Walcyr Carrasco/Rogério Gomes dava sinais de que não vingaria. A despeito dos comentários negativos, não é que “Morde & assopra” deu certo? Ao cerrar a cortina, na semana passada, a novela deixa telespectadores saudosos e muitos pontos positivos.

Os leitores podem discordar da afirmação acima, elencando uma série de pontos discutíveis (já bastante repetidos pelas revistas e colunas de jornais) no estilo de Walcyr Carrasco. Porém, há um fato que torna este autor indiscutivelmente bem-sucedido em suas novelas: os bordões. Criar um bordão não é tão fácil assim, é necessário que o escritor tenha uma profunda sensibilidade para captar e filtrar as reações do público. Walcyr é um dos poucos atualmente que tem esta capacidade. Em “Morde & assopra”, conseguiu emplacar bordões como “é osso”, “´Áureo, fecha o armário” e “tá puxado”, além de tipos engraçadíssimos como Xavier (Anderson de Rizzi), Áureo (André Gonçalves) e Elaine (Otaviano Costa).

Tal sensibilidade, aliás, permitiu que Walcyr conseguisse colocar a novela nos trilhos. Se, por um lado, foi um erro abortar o núcleo japonês, por outro, focar boa parte da novela nos núcleos de Dulce (Cássia Kiss Magro) e Minerva (Elizabeth Savalla) foi uma inteligente opção. Delas, falaremos adiante. Neste momento, é primordial dizer que, com as alterações, as tramas de Naomi robô (Flávia Alessandra) e Júlia (Adriana Esteves) sofreram muito. Eram histórias interessantes e que poderiam empolgar, mas que necessitavam de perfeita apresentação e tempo para o desenvolvimento dos personagens. Como os dois foram negados ao autor, pela necessidade de uma rápida resposta em termos de audiência, a novela foi obrigada a pegar um atalho para conquistar o público.

E é precisamente neste atalho que Walcyr Carrasco e Rogério Gomes se mostraram competentíssimos. A tábua de salvação da novela atende pelo nome Dulce. Walcyr nos apresentou um personagem tão humano, tão imbuído de sentimentos nobres e tocantes que foi difícil ao telespectador ficar indiferente. Para completar, com Dulce, Cássia Kiss Magro renova o arsenal de elogios para seu trabalho e prova que uma atriz com mais de 30 anos de carreira ainda consegue apresentar surpresas encantadoras em seus trabalhos. Sim, Dulce foi encantadora. E tal magia vem da generosidade de Walcyr e da inteligência de Rogério Gomes e equipe. Mas ela não seria a mesma sem a composição orgânica e a entrega incondicional que Cássia Kiss Magro prestou à sua personagem. Cássia viveu a personagem, não a representou.

Além de Cássia Kiss Magro, Elizabeth Savalla também experimentou um bom personagem, ainda que Minerva não represente uma novidade na carreira da atriz. Porém, valeu muito a pena acompanhar os dilemas de Minerva, Isaías (Ary Fontoura), e Virgínia (Bárbara Paz). Como consequência do sucesso deste núcleo, estão Alice e Lilian. As personagens de Marina Ruy Barbosa e Narjara Turetta cresceram na trama e as atrizes souberam esbanjar talento. Faz-se necessário comentar que, pela primeira vez em muitos anos, Narjara Turetta consegue um papel com história, nuances e importância na trama (diferente de sua participação em “Páginas da Vida”).

Entretanto, nem tudo foi festa na novela. O principal defeito de “Morde & assopra” foi ter apostado alto em um ator tão inexpressivo como Klebber Toledo. Sua participação como Guilherme sucumbiu em boa parte das cenas, tão inócuo é o talento do rapaz. Sem dúvida alguma, trata-se de um belíssimo homem. Porém, se ele não se dedicar mais ao ofício de ator, corre imensamente o risco de integrar o nem tão seleto grupo de homens como Mário Gomes ou Ricardo Macchi: lindíssimos, mas com talento limitado ou escravizado pela beleza.

Também merecem justíssimos aplausos Flávia Alessandra (perfeita composição de sua Naomi robô), Adriana Esteves (mesmo que, no início, tenha ressuscitado a personagem Catarina, de “O Cravo e a Rosa”), Mateus Solano (inteligente e sensível ao criar o apaixonado Ícaro), Marcos Pasquim (mesmo que Abner não tenha exigido muito), Carla Marins (em excelente retorno à Rede Globo), Klara Castanho, Vanessa Giácomo (Celeste tinha a dose exata de sensualidade, rebeldia e nonsense), Jandira Martini, Walderez de Barros, Carol Castro, Vera Mancini (com sua deliciosa Cleonice) e Paulo Goulart (mais um caso de excelente ator em um personagem banal).

Por fim, termino este artigo com a melancolia de ter acompanhado o trabalho de Paulo José e Emiliano Queiroz. Seja pela idade ou pelas limitações de saúde, é triste ver que o talento vulcânico dos dois esteja limitado pelas condições físicas. Espero que a participação deles na trama tenha feito o telespectador perceber que, por pior que seja a adversidade, é importante e vital que se continue. Até o último instante.


QUENTE
Além dos já citados acima, Marisol Ribeiro e Erom Cordeiro tiveram uma importante presença na trama com a questão do celibato religioso. Também merecem homenagens os diretores Pedro Vasconcellos, André Felipe Binder, Fábio Strazzer e Roberta Richard e a caracterização da novela, supervisionada por Valéria Toth. Por fim, o robô Zariguim foi um charme extra à novela!

MORNO
Caio Blat é um excelente ator. Porém, o personagem Leandro passou boa parte da trama se debatendo em um dilema que, no final, tornou-se banal: o amor do jardineiro pela Naomi Robô (Flávia Alessandra). Além disto, aos atingidos pelas mudanças na trama. Ana Rosa, coitada, quase não apareceu na novela!

FRIO
Paulo Vilhena (Cristiano), Luís Melo (Oséas), Nívea Stelmann (Lavínia), Rodrigo Hilbert (Fernando), Cissa Guimarães (Augusta). Chegaram a divertir, porém, noves fora, tais histórias não adicionaram nada à novela. A equipe de efeitos especiais também ficou a desejar com dinossauros em clara dissonância dos elementos reais.

(por Jordão Amaral)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Sim, é a vida da gente!


Falar que “A vida da gente” foi uma grata surpresa após o término de “Cordel Encantado” é pouco. Falar que a estrutura da novela lembra o estilo de Manoel Carlos – o dos bons tempos e não o dos últimos anos – também é pouco. São tantos os acertos da nova novela das seis da Globo que fica difícil sabermos por onde começar.

Bem, comecemos falando do texto de Lícia Manzo. Talvez seja o que mais chama a atenção, além de ter personagens bem delineados. O texto da autora é tão preciso, tão interessante! Lícia, em oito capítulos, mostrou uma grande habilidade na construção das cenas e dos diálogos, apontou os conflitos dos personagens de maneira intensa. Difícil não se envolver e querer continuar acompanhando. De cara o público foi brindado com grandes cenas entre Ana (Fernanda Vasconcelos) e Eva (Ana Beatriz Nogueira).

A primeira semana da novela focou nas motivações dos personagens principais e na rede de conflitos em que Ana está envolvida por conta dos desejos e necessidades de sua mãe, Eva. Quantos jovens não tem suas vidas sacrificadas por causa dos pais? A trama pode não ser inovadora, mas a pergunta que fica é: quantas novelas conseguiram trabalhar esse conflito da maneira que está sendo tratada agora? Não me recordo de nenhuma.  

Não se trata aqui, neste caso, de uma mãe que deposita suas frustrações profissionais e aposta todas as fichas na carreira da filha. Eva não foi tenista nem tinha o sonho de ser. Trata-se da inversão de papéis, da mãe que deixa de ser mãe para ser filha. Eva depende da filha para sobreviver. Ana é quem tem que sustentar a casa e os caprichos da mãe e não o contrário.

Como se não bastasse esse conflito familiar, Ana ainda tem a vida sacrificada por ser o modelo de jovem responsável para os outros jovens. Ana não pode ser ela mesma, Ana não pode ter sua vida, Ana não pode viver os seus amores, Ana não pode nada. Ana é um modelo, é um padrão de comportamento para os outros. E é desse modelo que ela sobrevive e mantém o contrato com o patrocinador.

Ter sua vida anulada em prol dos outros é uma questão muito séria. Portanto, “A vida da gente” é muito mais do que a história da mulher que fica em coma cinco anos e quando acorda vê seu grande amor com a própria irmã. A trama vai muito além disso e é impossível não vermos um pouco da vida da gente ali.

Vale destacar a atuação de Maria Eduarda (Nanda), a atriz está muito à vontade no papel. Pelas chamadas da novela, a personagem tinha tudo para soar meio chata e antipática por conta das atitudes politicamente incorretas para provocar o pai, mas a boa atuação e desenvoltura dela em cena fez com que isso não acontecesse. E como não falar também de Nicette Bruno (Iná) num grande papel, já que a participação de Nicette em “Ti Ti Ti” não tinha função dramática alguma na história.

E, por fim, como faz diferença a direção de Jayme Monjardim! Como em todos os seus trabalhos, a fotografia salta aos olhos com imagens belíssimas em stock-shots e planos certeiros dos personagens. Parabéns a todos!


QUENTE
Não tem como não citar a abertura da novela, umas das melhores dos últimos tempos. Muito bonita e delicada.

MORNO
Agora é a hora de Rafael Cardoso mostrar se tem talento ou não. A beleza é o que menos importa em Rodrigo, diferente dos pegadores de plantão que ele interpretou em outras novelas. Rodrigo é muito mais do que isso. E, por enquanto, Rafael não mostrou a que veio, apesar de não comprometer.

FRIO
A novela começou num ritmo e nos últimos capítulos parece que deu uma acelerada. Não sabemos se é do próprio texto ou da edição. Mas que ficou estranho isso lá ficou!

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Novela nota mil


Reis, rainhas, cangaceiros, sertão nordestino... Lembro que à época da estreia da novela “Cordel Encantado” a nossa pseudocrítica caiu em cima, dizendo que as autoras estavam fazendo uma miscelânea e que a mistura poderia desandar. Ao longo desses cinco meses de exibição, Thelma Guedes e Duca Rachid deram um tapa com luva de pelica àqueles que desacreditaram sua história antes mesmo de estrear. “Cordel Encantado” é uma das melhores novelas dos últimos tempos!

Como dito em outros dois artigos sobre a novela, o trio de protagonistas formado por Bianca Bin, Cauã Reymond e Bruno Gagliasso foi um grande acerto da produção. Os três atores seguraram a grande responsabilidade com muita maturidade e segurança. Mesmo após o fim de “Cordel”, será difícil esquecer Açucena, Jesuíno e o grande vilão Timóteo Cabral. Acompanhado deste trio parada dura, não podemos esquecer de Nathalia Dill, Jayme Matarazzo, Carmo Dalla Vecchia, Domingos Montagner e Deborah Bloch. Isso só para citar os principais, pois o elenco inteiro merece elogios. Aliás, é muito difícil ter uma novela onde todas as atuações não ficaram aquém das expectativas. O trabalho de Amora Mautner e Ricardo Waddington foi excelente!

A novela, mesmo tendo uma duração menor do que normalmente tem uma produção, não apresentou em momento nenhum aquela barriga costumeira. A trama principal teve ação do começo ao fim, muita história para contar e ser desenvolvida. Duvido que todas as maldades dos vilões e as diversas separações do casal principal não mexeram com os nervos dos telespectadores. A trama tinha protagonistas que agiam e batalhavam por seus objetivos, não ficavam passivos, apenas reagindo às maldades dos vilões. Isso é um ponto de destaque para o sucesso da novela.

Os acertos foram inúmeros. Porém, existiram duas escorregadas, particularmente, que gostaria de colocar, para não dizer que só falei das flores. Sem querer ser moralista, o triângulo amoroso entre Zenóbio (Guilherme Fontes), Florinda (Emanuelle Araújo) e Petrus (Felipe Camargo) foi algo simplesmente execrável. Que Florinda se apaixonasse por Petrus ou que questionasse o amor que ainda sentia por Zenóbio ainda vá lá. Mas agir da maneira como agiu da metade da novela para frente foi demais! Uma mulher com uma conduta exemplar, casada, mãe de três filhos, deixar o marido após uma conversa séria e ir transar com o amante durante a madrugada foi difícil de aceitar. Mais ainda foi viver o romance com Petrus – sempre dizendo que ainda tinha dúvidas do que sentia – sem ter peso na consciência pela partida de Zenóbio para Amazônia.

Como se não bastasse, Petrus, após ter passado a novela inteira se declarando e virado a vida de Florinda de ponta cabeça – e colocado em risco a amizade com Zenóbio, diga-se de passagem -, leva um fora da amada no antepenúltimo capítulo e na cena seguinte já se apaixona por outra, Filó (Flavia Rubim). Sequer uma noite de sofrimento pela amada que tanto dizia amar. É o que chamamos de soluções urgentes de final de novela e que soam muito mal.

Outro ponto que sempre reparei ao longo da novela foi a conduta do temido Capitão Herculano (Domingos Montagner). No início da novela, a cidade inteira de Brogodó não podia sequer ouvir o nome do cangaceiro que já se borrava de medo. Ele, temido, sempre fez questão de mostrar pulso firme e ser um homem justo, porém cruel. Só que, durante a novela inteira, falou, ameaçou e, na verdade, nunca agiu. Em todas as situações metia os pés pelas mãos e não foi capaz, nos enfrentamentos com os vilões da novela e seus jagunços, de mostrar o seu principal DNA: o temido cangaceiro. Tudo da boca para fora. Herculano não tomava atitudes, só ameaçava. De temido acabou se tornando falastrão.

Por fim, “Cordel Encantado” é a prova de que ainda existe vida inteligente nas novelas e que as emissoras podem, sim, apostar no diferente sem medo de afugentar a audiência. O que mais vemos ultimamente é os responsáveis pelos departamentos artísticos das emissoras apostarem no mais do mesmo, naquilo que já deu certo anteriormente e tem maiores chances de dar certo novamente. Por isso, as novelas caíram nas mesmices, contando as mesmas histórias com elencos diferentes. É preciso inovar! É preciso peitar a audiência, como Thelma Guedes e Duca Rachid fizeram, e contar uma linda história!


QUENTE
Embora todo o elenco mereça destaque, não tem como deixarmos de falar das atuações de Zezé Polessa, Marcos Caruso e Osmar Prado. Era visível que os intérpretes de Ternurinha, Patácio e Batoré se divertiam muito em cena e essa diversão transbordava as telas.

MORNO
Não sei se era o personagem Petrus, mas Felipe Camargo passou a novela toda apagado. Em outras produções, até mesmo na caótica “Tempos Modernos”, ele mostrou mais força do que em “Cordel Encantado”.

FRIO
Nada foi frio em “Cordel Encantado”.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

1046, 1047, 1048...

No final de agosto, estreou mais uma temporada de “Malhação” (a 19ª, para ser mais preciso). Tenho dúvidas se o termo “temporadas” é o mais adequado, já que tudo é trocado entre as “fases”. A distinção entre esta – que é chamada de “Conectados” – e a trama anterior é visível. Sai o novelão de Emanoel Jacobina, entra o crepúsculo... E, no final, nada de fato mudou muito.


A entrada da roteirista Ingrid Zavarezzi foi um grande acerto da produção: focada no mundo jovem, obteve grande repercussão com a série “Beijo, me liga”, exibida recentemente pelo canal a cabo Multishow. Além disso, demonstra uma outra vantagem, a de incorporar as novas tecnologias em seus roteiros. Os diálogos são mais “tuitados”, o ritmo é mais rápido e as relações entre os personagens adolescentes são mais “internáuticas” (e, até por isso, um pouco mais frágeis). Ingrid Zavarezzi não trata o jovem como um simulacro de patricinhas e mauricinhos, com o irritante tom imbecil e raso. Transita do riquinho ao garoto morador de comunidade com bastante propriedade. São personagens críveis, o que nem sempre aconteceu nas outras temporadas.

Obviamente, a simplicidade de “Malhação – Conectados” surge da estreia de alguns atores e da própria inexperiência desta fase da vida. Não dá para se esperar grandes nuances ou interpretações viscerais de personagens e atores com 17, 18 anos. Porém, se a banalidade de interpretação e temas é alvo de constantes críticas, também é o principal motivo para manter o programa no ar. Esta faixa de horário está destinada a testar linguagens, atores e temas. Se dali saíram coisas como André Marques ou Sérgio Hondjakoff, é importante lembrar que “Malhação” revelou atores como Daniel de Oliveira, Daniele Suzuki, Bianca Bin, Cauã Reymond, Guilherme Berenguer, Marjorie Estiano, Fernanda Vasconcellos, Thiago Rodrigues, Graziela Schmitt, Sophie Charlotte, Mariana Rios, Sophia Abrahão, Micael Borges, Caio Castro, Nathália Dill (talvez a mais satisfatória revelação), entre outros. Possivelmente, os leitores discordarão de alguns nomes desta pequena lista, mas eu lhes justifico: das sete produções inéditas que estão no ar (independente do canal) cinco ostentam entre seus protagonistas, pelo menos, um ator surgido em “Malhação”.

Destas duas primeiras semanas, o elenco jovem não decepciona. O trio de protagonistas – Caio Paduan (Gabriel), Thaís Melchior (Cristal) e Bia Arantes (Alexia) – é o melhor exemplo da qualidade dos novatos. Não se pode dizer que já apresentam grandes interpretações, mas também não envergonham ninguém. Seguem atuações firmes e agradáveis, mesmo lidando com temas sombrios como a paranormalidade. Além destes, é importante destacar o trabalho de Pedro Tergolina. Apesar de Felipe, seu personagem, carregar o “merchandising social” desta fase (a integração do deficiente visual em um mundo excludente), o ator consegue fugir de arquétipos e caminhos fáceis para um tema já bastante trabalhado na TV. Também não se mostra irritante ou tatibitate como outros cegos, e neste caso refiro-me ao Jatobá, o enervante cego-Poliana que Marcos Frota fez em “América” (2005).

Do elenco adulto, não há muita coisa a se comentar neste início, por dois motivos. O primeiro é que os atores veteranos (como Letícia Spiller, Virgínia Cavendish e Anderson Müller) estão ali para dar suporte e proporcionar um diálogo de experiências com os estreantes. Segundo, porque nestas duas primeiras semanas o enfoque nos personagens adolescentes foi absolutamente primordial. Há que se elogiar a atuação de Regina Sampaio (Beatriz), agradabilíssima de se assistir. Todavia, Kadu Moliterno (Nelson) continua a reviver o maior personagem de sua carreira: ele mesmo. Desde a década de 1970 (para ser mais preciso, “O pulo do gato”, de 1978), a televisão tem trabalhado o mesmo arquétipo para este ator: o surfista saudável e boa gente. Raríssimos momentos ele teve para mostrar outras facetas (como em “O dono do mundo”, de 1991 ou “Anjo mau”, de 1997/98). Só que, conforme o tempo passa, tal arquétipo fica cada vez mais chato, e não pela idade de Kadu Moliterno, mas pela desnecessária repetição ad nauseam.

Um ponto questionável deste início foi a trama central. O tema da paranormalidade, associado à astrologia e a um mistério visivelmente inspirado na saga “Crepúsculo” promete e pode ser um trunfo desta “Malhação”, se bem trabalhado. Por ora, algumas coisas foram marteladas sem cerimônia: o número 1046 e a dor de cabeça do protagonista. Mas mesmas coisas, capítulo após capítulo, sem nada para complementar? O relógio que marca 10:46, o número da casa que é 1046... Mais um pouco e o personagem Gabriel, dono de tais dores de cabeça, conseguirá resolvê-las tomando um analgésico que custa, ora veja: R$ 10,46 a cartela!

De fato, com esta nova “Malhação”, nada mudou muito. Até porque a faixa de horário não permite alterações drásticas. O que fica destas duas primeiras semanas é a direção adequada do núcleo de José Alvarenga Jr. (Mário Márcio Bandarra e Ajax Camacho), as claras referências a sucessos teens na tentativa de agarrar um público volátil e temas um pouco mais sérios (o que obrigará a autora a desenvolver um roteiro mais amarrado, com personagens e tramas mais encaixadas). Ao blog Na TV, resta saudar a estreia em TV aberta de Ingrid Zavarezzi e desejar que seu trabalho seja bem recebido e, principalmente, fuja dos erros cometidos por Emanoel Jacobina (que se perdeu do primeiro ao último capítulo da temporada anterior).


QUENTE
A estreia de Ingrid Zavarezzi, já amplamente citada acima. Também merece destaque a forte influência das novas tecnologias, como Twitter e blogs, na trama e na construção dos personagens jovens. Do elenco, Regina Sampaio, Pedro Tergolina, Caio Paduan, Thaís Melchior e Bia Arantes são pontos positivos desta fase.

MORNO
O elenco adulto ainda não disse a que veio, o que é tradicional em se tratando de “Malhação”. Além disso, a massiva repetição do número 1046 pode aborrecer o telespectador, ainda mais o adolescente, que muda de canal (ou desliga a TV e vai para a Internet) no primeiro bocejo de tédio.

FRIO
Kadu Moliterno, pelos motivos já citados no artigo. Além disso, acredito que “Malhação” já está tão desgastada que se tornou um similar ao “Vale a pena ver de novo”: somente o nome de uma faixa de horário. Não adianta trazer bons profissionais para escrever aos jovens na TV. É preciso reformular muita coisa, inclusive o conceito de “Malhação”.

(por Jordão Amaral)

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Algo diferente no horário nobre


Passadas duas semanas da estreia de “Fina Estampa”, podemos perceber algo inusitado no horário nobre: uma novela com cara de trama das seis ou das sete. Diferente do tom policial apresentado em “Passione” e o melodrama rasgado de “Insensato Coração”, a história de Aguinaldo Silva tem mostrado uma perspectiva positiva da vida.

Geralmente, as novelas das nove trazem temas polêmicos a serem discutidos, grandes situações, vilões maquiavélicos, amores tortuosos, perseguições, mortes e afins. Costumamos dizer que os autores podem “pesar a mão” no melodrama. Já em “Fina Estampa”, vemos todas as noites personagens batalhadores em uma Barra da Tijuca bastante ensolarada.

Aguinaldo Silva, antes do início da trama, já havia alertado que iria tratar o universo cotidiano e familiar dos personagens, causando identificação imediata com o grande público. Percebe-se que é exatamente isso que está acontecendo. Apesar de não sermos brindados com grandes acontecimentos e diferentes tramas interessantes, os personagens conseguiram laçar o espectador de jeito. É inevitável querer saber onde é que aquelas pequenas situações vão dar.

Uma trama que se pauta na vergonha que um filho, no caso Antenor (Caio Castro), sente por sua mãe pobre e batalhadora, Griselda (Lilia Cabral), não pode ser considerada criativa. Ainda mais, quando é seguida de todos os lugares-comuns possíveis, como, por exemplo, o filho arrumar uma atriz decadente para apresentar e enganar a família rica da noiva. Sem contar que a grande vilã é uma perua, ainda por cima interpretada pela Christiane Torloni (que não consegue mais fugir desse tipo de personagem e, infelizmente, anda se repetindo bastante).

Outra questão cada vez mais comum é o déjà vu de elencos nas novelas da Globo. É muito ruim ver atores que, no primeiro semestre, participaram de produções de sucesso (por exemplo, “Ti Ti Ti”) e, poucos meses depois, já estarem mais uma vez em cena, como é o caso de Caio Castro, Sophie Charlotte, Christiane Torloni e Marco Pigossi. No caso deste último, a repetição é ainda pior: o personagem atual, Rafael, é parecidíssimo com o playboy Pedro que ele fez recentemente. São talentosos? Sim, bastante. Mas, assim como eles, existem muitos outros atores, novatos ou não, que merecem boas oportunidades na novela. Sem contar que Ísis Valverde e Rafael Cardoso também estavam escalados para a mesma novela.

Não podemos deixar de destacar a volta de Marcelo Serrado à Globo num papel bem diferente dos violentos vilões na Record. Serrado é um ator de composição, poderia fazer de Crô Valério uma caricatura. Mas, pelo contrário, criou um tipo afeminado e contido e que, com certeza, irá render boas risadas.

Apesar do elenco requentado, a novela levantou voo em céu de brigadeiro. E o que esperar, afinal, de “Fina Estampa”? A resposta é uma incógnita. Não dá para se prever onde a história vai parar. Mas que a trama é fraca, isso é. Ou será um êxito ou um fracasso retumbante. Leve demais para o horário das nove. Esse talvez possa ser um fator que faça de “Fina Estampa” um sucesso no horário. Pelos índices de audiência, comparados com as últimas novelas exibidas, dá para se acreditar nessa possibilidade.


QUENTE
O início de romance entre Griselda e Guaracy tem rendido boas cenas e situações. É divertido assisti-los! Outra vantagem de “Fina Estampa” foi ter afastado o tom funesto que “Insensato Coração” deixou no horário.

MORNO
Christiane Torloni ainda não encontrou o tom de Tereza Cristina. Ora está over, ora um pouco melhor. Mas fica difícil acreditar que uma perua daquelas possa vir a se tornar a grande vilã de uma novela das nove do jeito que está.

FRIO
A atuação de Wolf Maya e Totia Meirelles como o casal Álvaro e Zambeze é, no mínimo, sofrível. Impossível ver qualquer característica daquele casal riponga nas cenas dos atores. Também há que se comentar as cenas em que a doutora Danielle Fraser (Renata Sorrah) aparece sozinha, bebendo taças e taças de vinho. Heleninha Roitman manda lembranças!

domingo, 28 de agosto de 2011

Entrevista: Margareth Boury

Margareth Boury está no ar escrevendo a versão brasileira da novela “Rebelde”, na Record. É uma das autoras de novela que sempre prioriza o diálogo com o jovem, seja nas telinhas, seja fora dela. Muito simpática, nos concedeu essa entrevista, falando de sua carreira e, claro, de “Rebelde”.


Qual sua formação profissional? O que você aconselharia a um aspirante a autor (independente do veículo ou gênero) para ler, estudar e ver?
Eu fiz faculdade de jornalismo, mas nunca fiz uma entrevista ou escrevi uma matéria. Meu pai sempre foi de televisão, eu cresci indo ver gravação, naturalmente me interessei pelo assunto antes dos dezoito anos. Comecei como atriz, mas logo vi que eu era um fiasco! Escrever sempre foi divertido. Optei pela escrita aos 24 anos e nunca me arrependi. Autor é como uma antena parabólica imensa: a gente precisa ver quase tudo (o quase é porque não dá tempo de ver tudo), ler quase tudo. Sem preconceito, sem juízo de valor.

Quais são as influências literárias, teatrais e cinematográficas em sua escrita?
Na literatura? Puxa, muita gente. Eu leio muito e sem parar. Vou de biografia à romance água com açúcar – como eu disse, sem juízo de valor e sem preconceito. No Teatro eu gosto dos autores nacionais, mas como só tenho uma peça escrita e encenada, acho que nem teve influência.Cinema eu adoro Woody Allen, Almodóvar, Catherine Hardwicke(o filme Aos Treze foi marcante na minha dela e ela dirigiu), Julie Taymor (alem de outros que eu gosto, ela dirigiu Across The Universe, paixão!) e tem muitos outros, mas vou ficar com esses que representam um universo que eu amo.

Como se deu a transição de sua carreira de atriz para escritora?
Foi total falta de talento pra ser atriz, detectada pelo meu pai. E foi ele também quem sempre soube que eu escrevia melhor do que atuava. Mas eu fiquei uns seis meses perdida: queria ser atriz e recebi convite pra escrever. Como eu estava grávida do meu segundo filho, achei mais prudente escrever Caso verdade. Fiz um quase de brincadeira, uma comédia. Deu certo. O Mario Lucio Vaz me chamou e me contratou.

Ao longo da década de 1990, você trabalhou como colaboradora de alguns autores (Carlos Lombardi, Marcílio Moraes, por exemplo). Há algum tipo de influência que você consegue detectar deste período?
Sim! Claro! Primeiro do Lauro César Muniz, que me deu vários pulos do gato na carpintaria de novela. O Lombardi é especial, porque eu trabalhei com eles muito tempo e aprendi MUITO também. Os dois são passionais, devotados e foi ótimo aprender com eles. No detalhe: com o Lauro eu soltei a veia romântica. O Lombardi me passou a visão mais engraçada da cena. Não é só isso, mas isso resume.

Como colaboradora, você escreveu as novelas “Despedida de Solteiro”, “Malhação”, “Uga Uga”, “Kubanacan” e a minissérie “O Quinto dos Infernos”. Qual desses trabalhos tinha realmente a sua cara? Em qual deles você mais se divertiu escrevendo? Por que?
Ah, sem duvida nenhuma todas as que eu fiz com o Lombardi foram divertidas. Mas Uga Uga foi especial, marcou definitivamente a minha maneira de escrever: diálogos rápidos, muita coisa acontecendo e romance sem pudor algum.

Você é filha do diretor de televisão e de novelas Reynaldo Boury. Houve influência da parte dele para você atuar nessa área? O que aprendeu, profissionalmente, com o seu pai?
Como eu já disse, meu pai me deu toda a força do mundo para escrever. Aprendi a ler texto de novela com ele, ia com ele ver gravações. Ele foi um mega professor.

O tráfego de profissionais entre emissoras dos países da América hispânica é muito maior do que os países de língua portuguesa. Entretanto, em 2009, a Televisão Pública de Angola exibiu a novela “Minha terra minha mãe”, uma produção nacional com texto seu e direção de seu pai, Reynaldo Boury. Como foi a experiência? De que forma surgiu a ideia? Qual foi o resultado da produção? Quais dificuldades (e que tipo de pesquisa) você encontrou ao desenvolver uma sinopse e capítulos sobre um país estrangeiro?
Por partes, como diria Jack: eu escrevi Três novelas para Angola. A primeira foi uma adaptação de um romance de um autor angolano. Meu pai foi chamado para dirigir lá, precisava de texto, ele me chamou e foi uma experiência muito boa. Depois de uns quatro anos, eles voltaram a nos procurar com a idéia de fazer uma novela gravada aqui no Brasil, mas em estúdio, como se fosse em Angola – a televisão não tem estúdios e então vieram atores pra cá, Rio de Janeiro e foi feita Minha Terra, Minha mãe. O argumento era de um grupo de escritores angolanos e eu acrescentei algumas coisas, personagens, na verdade. Eu tinha um consultor para revisar o texto dos angolanos – pois tinha brasileiro e angolano na trama. A dificuldade é a de sempre: sentar na frente do micro e fazer escaleta, depois os diálogos... ah! Sim, a novela foi um sucesso em Angola.

Você foi roteirista do seriado “A diarista”, com grande sucesso com o público. Porém, não há uma tradição realmente forte no Brasil em seriados (talvez, a modalidade mais desenvolvida aqui seja justamente a sitcom). Como você avalia este trabalho? Dentro de sua experiência, há algum caminho para se construir um estilo brasileiro de seriados?
Eu gostei muito de escrever “A Diarista”. Estava saindo de Kubanacan, e essa novela deixou todos nós exaustos. Foi uma delícia escrever menos e ter mais tempo para pensar nas tramas. Eu acho que a gente pode fazer seriado, sitcom, o que for. O que precisa é investimento na área e isso, uma pena, não tem mesmo. A novela é longa e se paga, todo mundo já sabe disso. Eu sou uma viciada em seriado, vejo quase tudo e morro de inveja! Mas eu prefiro os sérios, ou os do tipo House e Castle, que tem humor na medida certa.

Você é uma das poucas autoras da televisão que privilegia um diálogo direto com os jovens em suas tramas. Atualmente, o que é o jovem brasileiro para você? Como você busca o diálogo com este adolescente do século XXI? Em sua opinião, há uma boa representação deles na TV? E as novas tecnologias, como elas são absorvidas (ou integradas) pela TV para que se aproxime dos jovens?
O jovem é sempre muito inquieto, adora uma novidade exatamente uns dez minutos. A gente tem que ficar ligada pra não perder o ritmo com eles. Eu procuro ficar atenta nos sites (face, twitter, Orkut) e interagir com eles. Essa garotada sabe o que quer e precisamos escutar. Eu tento. 

Sabemos que os jovens atuais estão cada vez mais precoces, fumam, bebem, não saem para tomar um suco de acerola no Gigabyte, como é mostrado em “Malhação”, por exemplo. Você acha que é possível ter um diálogo real com os jovens atuais diante da censura da classificação indicativa? A classificação indicativa acaba alienando a sociedade?
Olha, que eles estão bebendo muito, fumando muito e usando muita droga todo mundo sabe. Mas quem escreve, quem faz a novela (seja Rebelde, Malhação ou qualquer outro produto voltado para os jovens), não tem como driblar a classificação, que é muito subjetiva também. Os autores acabam levando a culpa de uma coisa que absolutamente não é nossa: eu adoraria ver o jovem agindo na TV como ele age na vida. Era uma maneira de alertar a família, de dar um cutucão de realidade na galera. Mas não rola. E sim, eu acho que acaba alienando. É como você ter um filho e não falar jamais dos defeitos dele, não enxergar que ele os tem e que você pode fazer alguma coisa: nem que seja pagar uma terapia.

Muitos profissionais da televisão (não só autores, como diretores, atores e especialistas) apontam que a telenovela precisa renovar o seu quadro de autores para diversificar e arejar o gênero. Para você, de que maneira é possível fazer esta associação entre experiência e novidade?
O que eu acho mesmo é que o público odeia novidade. Se a gente sai um pouco do eles conhecem, eles rejeitam. Para renovar, é preciso arriscar. 

Ao entrar na Record, por volta de 2006, você encontrou um mercado de trabalho aquecido para os autores de TV. Cinco anos depois, você tem alguma avaliação de como estão as oportunidades para autores, veteranos e novatos? Quais as vantagens, para você, de concorrência tão forte entre Record, SBT e Globo?
Olha, depois de mim, a Record investiu em outras pessoas e continua investindo em autores novos. Eu acho a concorrência fantástica, o mercado fica mais aberto e todo mundo consegue um lugarzinho ao sol.

Sua primeira novela como autora-solo foi “Alta estação” (2006). Gostaria que você nos contasse como surgiu o convite para a Record, como nasceu o projeto da novela e quais experiências você guarda deste trabalho.
Eu fui na Record chamada pelo Hiran Silveira. E fui para fazer novela pra um púbico jovem. Comecei a desenvolver “Alta Estação” só depois de ter sido contratada. A Record, na época, queria “pegar” o público jovem e me encomendou uma sinopse aberta. O titulo era “E Aí?”, virou “Alta Estação” depois de aprovada – o que, diga-se de passagem, é super normal de acontecer em qualquer emissora (mudar o nome). Na época, a novela sofreu muito com mudança de horário e algumas outras coisas que não vem ao caso agora. Mas eu guardo boas lembranças da novela: meu filho decolou como ator e recebeu um prêmio; conheci gente que até hoje freqüenta a minha casa e serviu pra conhecer meus erros.

A novela “Rebelde” apresenta um texto bastante ágil, um elenco fortemente jovem e uma edição diferenciada. Quais são os seus objetivos com esta novela? Houve alguma dificuldade na adaptação do original mexicano (lembrando que a versão da Televisa foi muito bem aceita pelo público brasileiro)?
O objetivo é sempre fazer uma novela de sucesso, ter seu trabalho reconhecido e trabalhar cada vez mais. Eu não tive dificuldade pra fazer a adaptação. Medo sim, dificuldade, não. 

Quais as principais mudanças da versão brasileira de “Rebelde” e a original?
Aqui tem mais personagem fora do colégio, tem a Vila Lene inteira. E como faz tempo desde que a versão mexicana foi ao ar, tem muita coisa nova: lá era jornal, aqui é twitter. Lá tinha conflito religioso (um judeu e uma católica), aqui isso não existe. O núcleo aro descendente nosso é forte – lá não tinha. E vai por aí...

Como você monta sua equipe de colaboradores e como é a divisão de trabalhos entre vocês durante a escrita dos capítulos?
Eu trabalho com pouca gente. Prefiro. Faço a escaleta (que é o capítulo sem o dialogo). Assim que termino a cena escaletada, escrevo as iniciais de quem vai fazer os diálogos da cena. Mando para os colaboradores. Eles tem um prazo pra entregar as cenas. Quando chegam, eu junto às minhas e reviso o capítulo todo. E começa tudo de novo.

Você mantém um blog na Internet, apesar de estar sem tempo para atualizá-lo. Como é o seu diálogo com seus leitores?  Quais são os prós e contras de se estabelecer uma ligação tão estreita entre você e o internauta que te acompanha?
Pois é, ando sem tempo mesmo de atualizar o blog, que eu comecei de farra e foi ficando gostoso de fazer. Agora nem vejo, tem muita gente que usa o blog pra pedir emprego, pra pedir foto dos atores e eu não posso fazer nada! Fico chateada, porque eu gosto de interagir com quem vê a novela.

O que você achou do blog NaTV? Algum recado para os leitores?
Vocês são ótimos. Sempre leio o blog. Recado? Sou péssima nisso, mas vamos tentar: divulguem, leiam, prestigiem esse povo que trabalha pra vocês conhecerem um pouco dessa loucura deliciosa que é a televisão.

(por Beatriz Villar)