segunda-feira, 12 de setembro de 2011

1046, 1047, 1048...

No final de agosto, estreou mais uma temporada de “Malhação” (a 19ª, para ser mais preciso). Tenho dúvidas se o termo “temporadas” é o mais adequado, já que tudo é trocado entre as “fases”. A distinção entre esta – que é chamada de “Conectados” – e a trama anterior é visível. Sai o novelão de Emanoel Jacobina, entra o crepúsculo... E, no final, nada de fato mudou muito.


A entrada da roteirista Ingrid Zavarezzi foi um grande acerto da produção: focada no mundo jovem, obteve grande repercussão com a série “Beijo, me liga”, exibida recentemente pelo canal a cabo Multishow. Além disso, demonstra uma outra vantagem, a de incorporar as novas tecnologias em seus roteiros. Os diálogos são mais “tuitados”, o ritmo é mais rápido e as relações entre os personagens adolescentes são mais “internáuticas” (e, até por isso, um pouco mais frágeis). Ingrid Zavarezzi não trata o jovem como um simulacro de patricinhas e mauricinhos, com o irritante tom imbecil e raso. Transita do riquinho ao garoto morador de comunidade com bastante propriedade. São personagens críveis, o que nem sempre aconteceu nas outras temporadas.

Obviamente, a simplicidade de “Malhação – Conectados” surge da estreia de alguns atores e da própria inexperiência desta fase da vida. Não dá para se esperar grandes nuances ou interpretações viscerais de personagens e atores com 17, 18 anos. Porém, se a banalidade de interpretação e temas é alvo de constantes críticas, também é o principal motivo para manter o programa no ar. Esta faixa de horário está destinada a testar linguagens, atores e temas. Se dali saíram coisas como André Marques ou Sérgio Hondjakoff, é importante lembrar que “Malhação” revelou atores como Daniel de Oliveira, Daniele Suzuki, Bianca Bin, Cauã Reymond, Guilherme Berenguer, Marjorie Estiano, Fernanda Vasconcellos, Thiago Rodrigues, Graziela Schmitt, Sophie Charlotte, Mariana Rios, Sophia Abrahão, Micael Borges, Caio Castro, Nathália Dill (talvez a mais satisfatória revelação), entre outros. Possivelmente, os leitores discordarão de alguns nomes desta pequena lista, mas eu lhes justifico: das sete produções inéditas que estão no ar (independente do canal) cinco ostentam entre seus protagonistas, pelo menos, um ator surgido em “Malhação”.

Destas duas primeiras semanas, o elenco jovem não decepciona. O trio de protagonistas – Caio Paduan (Gabriel), Thaís Melchior (Cristal) e Bia Arantes (Alexia) – é o melhor exemplo da qualidade dos novatos. Não se pode dizer que já apresentam grandes interpretações, mas também não envergonham ninguém. Seguem atuações firmes e agradáveis, mesmo lidando com temas sombrios como a paranormalidade. Além destes, é importante destacar o trabalho de Pedro Tergolina. Apesar de Felipe, seu personagem, carregar o “merchandising social” desta fase (a integração do deficiente visual em um mundo excludente), o ator consegue fugir de arquétipos e caminhos fáceis para um tema já bastante trabalhado na TV. Também não se mostra irritante ou tatibitate como outros cegos, e neste caso refiro-me ao Jatobá, o enervante cego-Poliana que Marcos Frota fez em “América” (2005).

Do elenco adulto, não há muita coisa a se comentar neste início, por dois motivos. O primeiro é que os atores veteranos (como Letícia Spiller, Virgínia Cavendish e Anderson Müller) estão ali para dar suporte e proporcionar um diálogo de experiências com os estreantes. Segundo, porque nestas duas primeiras semanas o enfoque nos personagens adolescentes foi absolutamente primordial. Há que se elogiar a atuação de Regina Sampaio (Beatriz), agradabilíssima de se assistir. Todavia, Kadu Moliterno (Nelson) continua a reviver o maior personagem de sua carreira: ele mesmo. Desde a década de 1970 (para ser mais preciso, “O pulo do gato”, de 1978), a televisão tem trabalhado o mesmo arquétipo para este ator: o surfista saudável e boa gente. Raríssimos momentos ele teve para mostrar outras facetas (como em “O dono do mundo”, de 1991 ou “Anjo mau”, de 1997/98). Só que, conforme o tempo passa, tal arquétipo fica cada vez mais chato, e não pela idade de Kadu Moliterno, mas pela desnecessária repetição ad nauseam.

Um ponto questionável deste início foi a trama central. O tema da paranormalidade, associado à astrologia e a um mistério visivelmente inspirado na saga “Crepúsculo” promete e pode ser um trunfo desta “Malhação”, se bem trabalhado. Por ora, algumas coisas foram marteladas sem cerimônia: o número 1046 e a dor de cabeça do protagonista. Mas mesmas coisas, capítulo após capítulo, sem nada para complementar? O relógio que marca 10:46, o número da casa que é 1046... Mais um pouco e o personagem Gabriel, dono de tais dores de cabeça, conseguirá resolvê-las tomando um analgésico que custa, ora veja: R$ 10,46 a cartela!

De fato, com esta nova “Malhação”, nada mudou muito. Até porque a faixa de horário não permite alterações drásticas. O que fica destas duas primeiras semanas é a direção adequada do núcleo de José Alvarenga Jr. (Mário Márcio Bandarra e Ajax Camacho), as claras referências a sucessos teens na tentativa de agarrar um público volátil e temas um pouco mais sérios (o que obrigará a autora a desenvolver um roteiro mais amarrado, com personagens e tramas mais encaixadas). Ao blog Na TV, resta saudar a estreia em TV aberta de Ingrid Zavarezzi e desejar que seu trabalho seja bem recebido e, principalmente, fuja dos erros cometidos por Emanoel Jacobina (que se perdeu do primeiro ao último capítulo da temporada anterior).


QUENTE
A estreia de Ingrid Zavarezzi, já amplamente citada acima. Também merece destaque a forte influência das novas tecnologias, como Twitter e blogs, na trama e na construção dos personagens jovens. Do elenco, Regina Sampaio, Pedro Tergolina, Caio Paduan, Thaís Melchior e Bia Arantes são pontos positivos desta fase.

MORNO
O elenco adulto ainda não disse a que veio, o que é tradicional em se tratando de “Malhação”. Além disso, a massiva repetição do número 1046 pode aborrecer o telespectador, ainda mais o adolescente, que muda de canal (ou desliga a TV e vai para a Internet) no primeiro bocejo de tédio.

FRIO
Kadu Moliterno, pelos motivos já citados no artigo. Além disso, acredito que “Malhação” já está tão desgastada que se tornou um similar ao “Vale a pena ver de novo”: somente o nome de uma faixa de horário. Não adianta trazer bons profissionais para escrever aos jovens na TV. É preciso reformular muita coisa, inclusive o conceito de “Malhação”.

(por Jordão Amaral)

Nenhum comentário:

Postar um comentário