quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Tudo bem quando acaba bem

Quando “Morde & assopra” estreou, em março deste ano, tinha uma pesada cruz para carregar: o arrebatador sucesso de “Ti Ti Ti”, novela anterior. Obviamente, tal expectativa chega a ser estapafúrdia e injusta, visto que cada trama tem um alcance próprio e é relativamente complicado comparar a recepção do público. Depois de um primeiro mês vacilante, a dupla Walcyr Carrasco/Rogério Gomes dava sinais de que não vingaria. A despeito dos comentários negativos, não é que “Morde & assopra” deu certo? Ao cerrar a cortina, na semana passada, a novela deixa telespectadores saudosos e muitos pontos positivos.

Os leitores podem discordar da afirmação acima, elencando uma série de pontos discutíveis (já bastante repetidos pelas revistas e colunas de jornais) no estilo de Walcyr Carrasco. Porém, há um fato que torna este autor indiscutivelmente bem-sucedido em suas novelas: os bordões. Criar um bordão não é tão fácil assim, é necessário que o escritor tenha uma profunda sensibilidade para captar e filtrar as reações do público. Walcyr é um dos poucos atualmente que tem esta capacidade. Em “Morde & assopra”, conseguiu emplacar bordões como “é osso”, “´Áureo, fecha o armário” e “tá puxado”, além de tipos engraçadíssimos como Xavier (Anderson de Rizzi), Áureo (André Gonçalves) e Elaine (Otaviano Costa).

Tal sensibilidade, aliás, permitiu que Walcyr conseguisse colocar a novela nos trilhos. Se, por um lado, foi um erro abortar o núcleo japonês, por outro, focar boa parte da novela nos núcleos de Dulce (Cássia Kiss Magro) e Minerva (Elizabeth Savalla) foi uma inteligente opção. Delas, falaremos adiante. Neste momento, é primordial dizer que, com as alterações, as tramas de Naomi robô (Flávia Alessandra) e Júlia (Adriana Esteves) sofreram muito. Eram histórias interessantes e que poderiam empolgar, mas que necessitavam de perfeita apresentação e tempo para o desenvolvimento dos personagens. Como os dois foram negados ao autor, pela necessidade de uma rápida resposta em termos de audiência, a novela foi obrigada a pegar um atalho para conquistar o público.

E é precisamente neste atalho que Walcyr Carrasco e Rogério Gomes se mostraram competentíssimos. A tábua de salvação da novela atende pelo nome Dulce. Walcyr nos apresentou um personagem tão humano, tão imbuído de sentimentos nobres e tocantes que foi difícil ao telespectador ficar indiferente. Para completar, com Dulce, Cássia Kiss Magro renova o arsenal de elogios para seu trabalho e prova que uma atriz com mais de 30 anos de carreira ainda consegue apresentar surpresas encantadoras em seus trabalhos. Sim, Dulce foi encantadora. E tal magia vem da generosidade de Walcyr e da inteligência de Rogério Gomes e equipe. Mas ela não seria a mesma sem a composição orgânica e a entrega incondicional que Cássia Kiss Magro prestou à sua personagem. Cássia viveu a personagem, não a representou.

Além de Cássia Kiss Magro, Elizabeth Savalla também experimentou um bom personagem, ainda que Minerva não represente uma novidade na carreira da atriz. Porém, valeu muito a pena acompanhar os dilemas de Minerva, Isaías (Ary Fontoura), e Virgínia (Bárbara Paz). Como consequência do sucesso deste núcleo, estão Alice e Lilian. As personagens de Marina Ruy Barbosa e Narjara Turetta cresceram na trama e as atrizes souberam esbanjar talento. Faz-se necessário comentar que, pela primeira vez em muitos anos, Narjara Turetta consegue um papel com história, nuances e importância na trama (diferente de sua participação em “Páginas da Vida”).

Entretanto, nem tudo foi festa na novela. O principal defeito de “Morde & assopra” foi ter apostado alto em um ator tão inexpressivo como Klebber Toledo. Sua participação como Guilherme sucumbiu em boa parte das cenas, tão inócuo é o talento do rapaz. Sem dúvida alguma, trata-se de um belíssimo homem. Porém, se ele não se dedicar mais ao ofício de ator, corre imensamente o risco de integrar o nem tão seleto grupo de homens como Mário Gomes ou Ricardo Macchi: lindíssimos, mas com talento limitado ou escravizado pela beleza.

Também merecem justíssimos aplausos Flávia Alessandra (perfeita composição de sua Naomi robô), Adriana Esteves (mesmo que, no início, tenha ressuscitado a personagem Catarina, de “O Cravo e a Rosa”), Mateus Solano (inteligente e sensível ao criar o apaixonado Ícaro), Marcos Pasquim (mesmo que Abner não tenha exigido muito), Carla Marins (em excelente retorno à Rede Globo), Klara Castanho, Vanessa Giácomo (Celeste tinha a dose exata de sensualidade, rebeldia e nonsense), Jandira Martini, Walderez de Barros, Carol Castro, Vera Mancini (com sua deliciosa Cleonice) e Paulo Goulart (mais um caso de excelente ator em um personagem banal).

Por fim, termino este artigo com a melancolia de ter acompanhado o trabalho de Paulo José e Emiliano Queiroz. Seja pela idade ou pelas limitações de saúde, é triste ver que o talento vulcânico dos dois esteja limitado pelas condições físicas. Espero que a participação deles na trama tenha feito o telespectador perceber que, por pior que seja a adversidade, é importante e vital que se continue. Até o último instante.


QUENTE
Além dos já citados acima, Marisol Ribeiro e Erom Cordeiro tiveram uma importante presença na trama com a questão do celibato religioso. Também merecem homenagens os diretores Pedro Vasconcellos, André Felipe Binder, Fábio Strazzer e Roberta Richard e a caracterização da novela, supervisionada por Valéria Toth. Por fim, o robô Zariguim foi um charme extra à novela!

MORNO
Caio Blat é um excelente ator. Porém, o personagem Leandro passou boa parte da trama se debatendo em um dilema que, no final, tornou-se banal: o amor do jardineiro pela Naomi Robô (Flávia Alessandra). Além disto, aos atingidos pelas mudanças na trama. Ana Rosa, coitada, quase não apareceu na novela!

FRIO
Paulo Vilhena (Cristiano), Luís Melo (Oséas), Nívea Stelmann (Lavínia), Rodrigo Hilbert (Fernando), Cissa Guimarães (Augusta). Chegaram a divertir, porém, noves fora, tais histórias não adicionaram nada à novela. A equipe de efeitos especiais também ficou a desejar com dinossauros em clara dissonância dos elementos reais.

(por Jordão Amaral)

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