segunda-feira, 9 de julho de 2012

Sempre Gabriela

Gabriela” está no ar há três semanas no horário das onze horas, após o êxito de “O Astro” em 2011. O romance de Jorge Amado já fora exibido em duas oportunidades: a primeira, pela TV Tupi do Rio em 1961 e com a produção e direção de Maurício Sherman; a outra em 1975, às 22h, escrita por Walter George Durst na Globo. Agora recebe uma nova adaptação assinada pelo autor Walcyr Carrasco. Infelizmente, não há nada de muito novo para se acompanhar.

Obviamente haveria uma enorme expectativa em torno do remake por conta da personagem que consagrou a atriz Sonia Braga. Não tem quem não fale ou não se lembre – mesmo não tendo nascido na época – da famosa cena de Gabriela pegando a pipa no telhado (o que vem a ser um dos grandes trunfos da célebre versão de 1975, já que esta cena não existe no romance – é de autoria exclusiva de Durst).

Após algumas polêmicas quanto à escalação desta personagem, podemos dizer que a nova Gabriela não poderia ser interpretada por nenhuma outra atriz que não fosse Juliana Paes. Além de ser um ícone da beleza nacional (e com a vantagem de ser naturalmente morena e sensual), Juliana tem um apelo muito grande junto ao público. Este foi um dos maiores acertos do elenco da novela! Juliana Paes tem os exatos atributos para oferecer uma nova e marcante leitura de Gabriela. Ela não é ótima atriz (e quem disse que Sônia Braga é?), mas também não é ruim.

Humberto Martins também está agradável na pele de Nacib, preferindo uma linha de interpretação distante da que consagrara Armando Bógus na década de 1970. Aliás, uma boa parte do elenco é responsável pelo feliz tom da novela. Laura Cardoso dá o ponto exato entre o autoritarismo e a comédia com sua beata Dorotéia. Felizmente, Laura está bem acompanhada de Maitê Proença, uma atriz irregular mas que mostra muito vigor e inteligência ao compor o perfil frágil e tocante de Sinhazinha. Outro ator que merece muitos aplausos logo na estreia é José Wilker, que faz do Coronel Jesuíno Mendonça um tenso contraponto às peripécias de Ilhéus e aos encantos de Gabriela. Logicamente, também não se pode ignorar a participação de Leona Cavalli como Zarolha. Leona tem longa experiência no cinema e há alguns anos está na televisão, mas ainda não encontrara um papel que lhe coubesse tão bem quanto a dócil e sonhadora Zarolha. Uma pena que seja apenas uma participação especial!

No entanto, Gabriela também mostra certas repetições e deslizes quanto ao seu elenco. Antonio Fagundes (Coronel Ramiro Bastos) precisa se reciclar urgentemente. Será que ninguém percebeu que jogar o ator na Bahia como dono de plantações de cacau seria uma nefasta oportunidade para ele tirar da gaveta José Inocêncio de Renascer (1993)? Outro que aproveitou a deixa para um rápido “vale a pena ver de novo” foi Ary Fontoura. Há certos pontos do personagem Coronel Coriolano que são fortemente parecidos com o Coronel Artur da Tapitanga de Tieta (1989/90). Vanessa Giácomo excede em agressividade para viver Malvina, contudo, trata-se apenas de questão de tempo para aparar as ferinas arestas.

Ainda na questão do elenco, e retomando as polêmicas escalações de Gabriela, não se pode furtar de tecer algumas palavras sobre o desempenho de Ivete Sangalo como Maria Machadão. A personagem, minúscula no romance e brilhantemente vivida por Eloísa Mafalda em 1975, foi remodelada para caber em Sangalo. Partindo deste princípio, a comparação entre as “Machadões” fica inviável: enquanto a personagem em 1975 era uma mulher lanhada pela vida e, por isso, tornou-se uma sagaz sobrevivente, no remake ganha uma certa leveza e até um tom feérico (reforçado pela leitura à la Moulin Rouge deste novo Bataclan). Ivete Sangalo corresponde bem a esta leveza, coloca à disposição do personagem todo seu carisma. Ainda falta qualquer coisa para que se torne uma “atriz-cantora” (como é o caso, por exemplo, de Emmanuele Araújo, que vive a personagem Teodora), entretanto, a participação de Sangalo acumula mais vantagens do que prejuízos.

Outro ponto alto do remake em questão é a qualidade estética, tais como direção de fotografia e direção de arte, comandados pelo diretor geral, Mauro Mendonça Filho. As imagens da novela trazem um frescor e ao mesmo tempo um déjà vu que há muito tempo não víamos na tela da Globo, já que ultimamente suas produções se concentraram no eixo Rio-São Paulo. Enfim, de uma beleza impressionante.

Como tudo tem seus “poréns”, a grande decepção fica por conta do autor Walcyr Carrasco. Além de “Gabriela” não ser o romance mais interessante de Jorge Amado (apesar de ser um dos mais famosos), havia uma certa ansiedade de vermos o que o autor nos reservava para o horário das 23h, uma vez que, até então, só havia escrito novelas das 18h e 19h na Globo. Esperávamos ver um Walcyr Carrasco diferente, ou bem ao estilo de Adamo Angel, seu pseudônimo com o qual escreveu “Xica da Silva” na extinta Manchete. Nesta época, o novelista mostrou uma faceta completamente diferente do que estamos acostumados a ver. No entanto, nos deparamos com o velho Walcyr Carrasco de sempre: as mesmas cenas com soluções fáceis, as mesmas camas quebradas, as mesmas piadinhas... O que podemos perceber é que ele manteve seu estilo das 18h/19h e simplesmente adicionou alguns palavrões e cenas sensuais permitidos no novo horário.

Para agravar a situação, o pastiche de senso comum sobre a história torna os capítulos rasos. Logo no primeiro capítulo, um clima de Vidas Secas que não se justifica. Para quê trazer à tona uma referência tão batida se a própria obra de Jorge Amado poderia fornecer melhores ideias para a sequência de Gabriela e seu tio no sertão? O mesmo vale para o já citado clima Moulin Rouge do Bataclan. Será que é cabível uma zona de prostituição tão onírica e deslumbrante em um local conservador, árido e pouco avançado? Para Walcyr Carrasco, sim. E ele não hesitou em transformar a casa de tolerância em um legítimo bordel  da Belle Epóque.

Enfim, a narrativa de “Gabriela”, diferente do que aconteceu em “O Astro”, não traz nada de novo e o que assistimos é o que já estamos cansados de ver em várias novelas que abordam o Nordeste. Gabriela acaba valendo a pena pelo trabalho estético impecável; a embalagem é perfeita. Porém, o conteúdo é um arrastado reciclar de estereótipos e tipos. Apesar de um excelente momento para o diretor Mauro Mendonça Filho e para parte do elenco (principalmente Juliana Paes e Humberto Martins), ainda não foi dessa vez que acompanhamos o melhor de Jorge Amado, nem o de Walcyr Carrasco.

(por André Torres)

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