segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Hora da lição de casa

Depois de alentadas expectativas e conturbada escalação de elenco, a novela “Carrossel” disse a que veio. Todas as noites, de segunda a sexta-feira, o SBT exibe aquele que parece ser seu mais novo Midas na audiência. Não raro, a novela infantil consegue médias no patamar dos 15 pontos, um número impensado para a emissora paulista diante de tantos desencontros na área da teledramaturgia. Porém, mesmo passados dois meses de novela, será que “Carrossel” é, de fato, a tábua de salvação para o SBT?


O histórico da novela “Carrossel” aqui no Brasil é bem conhecido e até temido por alguns (que o diga Gilberto Braga). Quando a produção mexicana da Televisa (gravada em 1989) foi exibida aqui a partir de 1991, deu continuação a um grande movimento de migração da audiência da Rede Globo para outras emissoras. O “fenômeno” já começara no ano anterior, com a apresentação da novela “Pantanal” pela Manchete. Entretanto, a própria Manchete não aguentou o sucesso galvanizado e viu sua popularidade cair drasticamente em 1991. Em contrapartida, a Globo apresentava os últimos capítulos de “Meu Bem, Meu Mal” e estava prestes a iniciar “O Dono do Mundo”. A primeira novela, de Cassiano Gabus Mendes, não foi nenhum estouro de audiência, mas nem de perto se compararia com o vexaminoso problema que se tornou a seguinte novela de Gilberto Braga. Logo nos primeiros capítulos, o público rejeitou enfaticamente a trama que narrava as desilusões da professorinha Márcia (Malu Mader) nas mãos do canalha Felipe Barreto (Antonio Fagundes).

Em uma desabalada fuga, o telespectador trocou de canal. E, como dizia o slogan do SBT à época, “quem procura acha aqui”. Os primeiros capítulos de “Carrossel” foram exibidos na mesma época do início da novela global e conseguiram chamar a atenção do público, que deu origem a uma acirrada disputa de audiência entre SBT e Globo. Objeto de estudos acadêmicos anos depois, o estrago que “Carrossel” fez em 1991 serviu de chamariz para uma futura fragmentação da audiência do brasileiro.

Foi pensando assim que o SBT conseguiu levar ao ar neste ano um remake tupiniquim e deixou a cargo da Sra. Abravanel a redação dos capítulos. Está aqui um primeiro trunfo de “Carrossel”. Íris Abravanel estreou como autora de novelas do SBT em 2008, com “Revelação”. Desde então, amargou alguns insucessos. Muitos apontaram na autora falhas terríveis de narrativa e de composição dramatúrgica. Em “Carrossel”, todos estes erros permanecem latentes. Porém, há duas questões que transformaram os pontos vulneráveis em vantagens. A primeira é a opção por se manter o mais fiel possível ao roteiro original mexicano, o que preencheu a falta de estrutura folhetinesca de Íris Abravanel.

A segunda é a temática infantil da produção. O SBT tem grandes experiências nesta área: além de apresentar continuamente programas focados neste público, desde “Chispita” (em 1983) exibe tramas infantis (mexicanas ou “latino-brasileiras” como “Chiquititas”, produzida pelo SBT e Telefé entre 1997 e 2001). Este é um mote cuja teledramaturgia brasileira sempre teve dificuldades de abordar e não sustentou uma linha natural de evolução. Todas as emissoras, com exceção do próprio SBT, têm exemplos pontuais de teledramaturgia infantojuvenil. As mais bem-sucedidas são justamente “Chiquititas”, “Castelo Rá-Tim-Bum” (1994) e “Mundo da Lua” (1991) na TV Cultura de São Paulo, “Sítio do Picapau Amarelo” (1977/86) na Globo/TVE e “O Meu Pé de Laranja Lima” (1970/71) pela Tupi. Não há, porém, a tradição de ficções voltadas para este público como no SBT. Além das produções já mencionadas, o canal exibiu novelas como “O Diário de Daniela” (em 2000) e “Viva às Crianças – Carrossel 2” (em 2002/03), sem contar nos quase 30 anos de reprise do seriado “Chaves”. Ou seja: há no SBT um suporte favorável por parte da programação a uma novela infantil como “Carrossel” (fato este que não ocorreu, por exemplo, em “Amor & Revolução”).

Além do know-how do SBT em produções infantis, Íris Abravanel foi beneficiada pelo fato de uma novela deste tipo primar pela empatia com o público. “Carrossel” apresenta erros inacreditáveis de teledramaturgia e diálogos constrangedores (especialidade de Íris), mas ganha muito em ter bons personagens como Maria Joaquina (Larissa Manoela), Cirilo (Jean Paulo Campos), Valéria (Maísa Silva), professora Helena (Rosanne Mulholland), a diretora Olívia (Noemi Gerbelli) e o zelador Firnino (Fernando Benini). O perfil destes personagens é tão bom que cativa o público, fazendo-o relevar as falhas de roteiro da novela.

A contrapartida está na segura direção de Reynaldo Boury. O diretor da novela consegue dar unidade e vigor a capítulos nem sempre tão interessantes assim. É possível encontrar em “Carrossel” sua experiente condução. Boury, que estava há algum tempo aposentado mas dirigiu grandes produções como “Sinhá Moça” (1986) e “Selva de Pedra” (1972), conseguiu apagar sua passagem por “Amor & Revolução” e apresentar um bom trabalho, digno de um profissional com muita tarimba.

Contudo, há um dilema pairando por todo este sucesso do SBT. A emissora precisa rever (ou melhor, precisa criar) um projeto de teledramaturgia que dê arremedo a toda esta boa fase e lance as produções da casa a um caminho estável e duradouro. A Manchete planejou realizar sempre teledramaturgia de primeira classe quando se propôs a duelar com a Globo. A própria Globo só conseguiu alcançar o primeiro lugar de audiência quando arquitetou uma estratégia de modernização da temática, produção e veiculação de suas telenovelas. Apenas entre 1994 e 1996 o SBT ameaçou engatar um sólido projeto de teledramaturgia (com os bons remakes de “Éramos Seis”, “As Pupilas do Senhor Reitor” e “Sangue do Meu Sangue”). Tão logo encontrou problemas de Ibope, o SBT recorreu à trilogia das Marias de Thalia. Nos últimos 10 anos, a emissora oscila entre novelas importadas, remakes de produções mexicanas, regravações de sucessos brasileiros e tentativas de tramas originais. Nada disso dá credibilidade ao público, nem constrói uma identidade teledramatúrgica para o canal.

Todas as noites, Silvio Santos deve dar uma daquelas sonoras gargalhadas ao constatar que voltou ao segundo lugar no Ibope da Grande São Paulo com “Carrossel”. Na disputa com a Record, a novela de Íris Abravanel é uma das principais armas. Não chega a ameaçar a poderosa Globo como ocorreu em 1991, mas cava uma tranquila vice-liderança ao SBT. Entretanto, o maior desafio do SBT é canalizar esta audiência obtida por “Carrossel” para estabilizar a produção dramatúrgica do canal, tornando-a atraente aos anunciantes e ao público para que, enfim, a posição reconquistada não seja um esforço em vão.

(por Jordão Amaral)

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