segunda-feira, 13 de junho de 2011

O papel de cada um

Tenho lido em muitos blogs e em algumas páginas de jornal que “estariam” preocupados com certa semelhança entre a personagem Dulce (Cássia Kis Magro), de “Morde & assopra”, e Griselda (Lília Cabral), de “Fina estampa”. Não é a primeira vez que vejo uma notícia na mesma seara envolvendo “Fina estampa”. Há algumas semanas, dizia-se que “estariam” apreensivos, pois, tanto nesta novela quanto em “Vidas em jogo”, os personagens se beneficiariam de um prêmio de loteria. Fico alerta ao perceber que uma produção já recebe algumas críticas, principalmente por coincidências, apesar de só estrear no final de agosto.

Quanto às semelhanças (que, na realidade, soam como “plágio” ao espectador mais distraído), é forçoso afirmar que todas as tramas são irmãs entre si, em maior ou menor fidelidade. O conceito parte do princípio de originalidade, o que não é possível em um veículo presente em nosso país há sessenta anos. Mesmo em grandes novelas como “O clone” (2001/02). Então, dirá o meu caro leitor: “Mas a inserção de um clone em uma novela é original, não é?”. Sim, é original e foi proporcionada por inovações científicas... Porém, não te esqueças de que a função do clone na história é a mesma presente em novelas como “Mulheres de areia”: a simbologia do “outro”. Portanto, ainda que venha com forma atualizada, temos um tema sobre o qual os gregos, seis séculos antes de Cristo, já versavam.

E mesmo havendo pontos em comum, o que se discute hoje em dia não é a “originalidade”, a faísca de uma nova ideia, mas novas formas de se tratar um mesmo assunto. Por uma breve sinopse de “Fina estampa” que circula entre as notícias (desculpe-me, Aguinaldo Silva, se eu cometer algum equívoco nas informações de sua próxima novela), Griselda (Lília Cabral) é uma mulher do povo, lutadora que cria seus três filhos com o trabalho de “marido de aluguel”, já que o seu esposo sumiu há muitos anos. Um dos filhos, a ser interpretado por Caio Castro, estuda medicina para ser um cirurgião plástico e tem vergonha da mãe. Por um acaso do destino, depois de algumas peripécias (que, mesmo que soubéssemos, não revelaríamos, pois não estamos aqui para jogar sujo com os autores), Griselda ganha na loteria. Como se pode notar, o único contato entre Griselda e Dulce é sustentar filhos que sentem vergonha da origem humilde. É o mesmo ponto de partida.

Entretanto, em uma análise um pouco mais profunda (mesmo nunca tendo lido a sinopse original de “Fina estampa”, o que torna estas linhas de certo modo precipitadas), podemos comentar que Griselda é uma personagem mais solar, dona de suas rédeas e atuante, fazendo dela a protagonista de sua história. Já Dulce é uma mulher muito humilde, com um imenso complexo de inferioridade, modesta, devotada ao filho e sem nenhum amor próprio (sendo este o gancho para toda a humilhação que sofre de Guilherme, interpretado por Klebber Toledo). Enquanto Dulce nos dá vontade de carregá-la em nosso colo até suas decepções se abrandarem, Griselda nos dá gana de segurar em suas mãos para seguir de cabeça erguida na batalha que é viver. Uma simples (porém, fundamental) diferença de intenção e tom.
  
É necessário que vejamos o gênero telenovela com olhos analíticos. Tanta coincidência assim pode ter origem em um único fato, que acaba desestruturando muito a qualidade: o tamanho das novelas. Durante as décadas de 1960, 1970 e 1980, as tramas eram escritas por um autor-solo (ou, quando muito, dois autores, principalmente do meio para o final dos anos 80). As histórias tinham menos capítulos (a média era por volta de 150, 160 capítulos) e a duração de cada capítulo era muito menor (mesmo na época em que a Globo produzia novelas como “Selva de Pedra”, com 243 capítulos, cada um durava por volta de 25 minutos-arte...). Hoje, apenas para a redação de uma telenovela montam-se equipes de quatro a nove, dez profissionais, incluindo o autor da trama (o que dilui a autoria). Glória Perez é exceção.

Para dar cabo à produção de telenovelas, é imprescindível armar-se dos mais variados estratagemas para manter a trama por tanto tempo. Para tal, o autor é obrigado a lançar mão de mais e mais peripécias, dando gás ainda maior aos seus personagens. Entope-se de falsos clímaces... Não à toa, Cristiane Fridmann, ao iniciar “Vidas em jogo”, já declarou que sua novela não terá mais do que 200 capítulos. Atualmente, para os executivos de televisão (de todas as emissoras, sem exceção), parece que uma boa trama não é mais uma história contada de maneira interessante, envolvente, gerando assim grande repercussão e consequente lucro financeiro. Uma boa novela é aquela que atrai um vistoso número de audiência e consegue faturamento, patrocínio e merchandising. Diante de tamanha pressão, logicamente os autores acabarão cometendo algumas coincidências e semelhanças. Tantos cabriolés eletrônicos só interessam a um único lado: o das emissoras.

Cabe ao telespectador ter uma visão mais crítica de todo este cenário. Lauro César Muniz tem bradado aos quatro ventos que a novela deveria ter, no máximo, 120 capítulos, recheadas de menos tramas, porém mais densas. Por enquanto, poucos ecos (geralmente de roteiristas) tem encontrado o apelo de Lauro. O público pode ser mais atuante e exigir uma teledramaturgia mais forte, inteligente e com nossa roupagem (entrando aqui todo tipo de regionalismo). Selecionar mais o que é bom do que não presta (inclusive no que se noticia sobre novelas). Em alguns poucos momentos temos feito tal reivindicação, mas deveríamos optar mais por tal luta. Merecemos uma teledramaturgia de constante qualidade superior e nossa televisão tem todas as condições para realizar um belíssimo espetáculo (não é qualquer país do mundo que conta com diretores, atores, autores e técnicos com o quilate dos nossos...).

Por fim, mesmo depois de alguns dias escrevendo este artigo e localizando o papel de cada um neste cenário atual das telenovelas (com ponto de partida um factoide corriqueiro), sinto que há alguma questão pendente, mas que não encontro uma resposta lógica que a satisfaça: qual interesse tem a imprensa (que vive da indústria da telenovela) em julgar, denegrir, menosprezar ou diminuir uma trama antes mesmo da exibição de seu primeiro capítulo?

Alguém tem a resposta?

(por Jordão Amaral)

Um comentário:

  1. Análise perfeita! De fato, o "como" será contado faz toda a diferença e a julgar pelos estilos tão diferentes dos autores em questão, uma trama será muito diferente da outra, até mesmo pelas características das personagens que você tão bem apontou. Respondendo á pergunta final, infelizmente não há crítica séria de teledramaturgia em nosso país (falando da imprensa institucional, é claro, pois nós estamos aqui pra provar que tem gente que leva teledramaturgia à sério). Não dá pra conceber colunas televisivas que misturam análises críticas com fofocas e informações de bastidores. Não vejo isso partindo dos críticos de teatro e cinema, por exemplo. Já imaginou Bárbara Heliodora relatando algum barraco na coxia ao invés de escrever sobre a peça? Infelizmente a imprensa não leva a sério o produto artístico que fazemos melhor. Abraço e parabéns pelo texto.

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