quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Cena aberta: Maria Adelaide Amaral

Pedimos à Maria Adelaide Amaral que nos enviasse uma das cenas que ela mais gostou de ter escrito, entre todos os trabalhos que já fez para a televisão. A autora selecionou uma sequência das cenas finais da minissérie JK, que escreveu ao lado de Alcides Nogueira. "Além de ter proporcionado a mim e ao Alcides muito prazer, dá uma ideia do quanto cinematográfica uma obra de teledramaturgia pode ser", disse Adelaide.




CENA 43.     FAZENDINHA. SALA. Interior. Dia.
ABRE EM JK SENTADO, VENDO TELEVISÃO. ASSISTE, INTERESSADO, À NOVELA “ANJO MAU”. NISSO, ELE OUVE UM BARULHO. VOLTA-SE E VÊ O PAI PISCANDO PARA ELE, DO CAIXÃO (CAP. 01/CENA 10), VOLTA-SE PARA OUTRO LADO E VÊ O AVÔ AUGUSTO ELIAS SORRINDO PARA ELE (CAP. 01/CENA 52 – O AVÔ DANDO UM LIVRO PARA ELE), DEPOIS ENTRA UM INSERT DELE COM NANÁ (CAP. 24/CENA 8 - OS DOIS DANÇANDO NO BAILE DO ITAMARATY) E UM INSERT DE DONA JULIA MORRENDO (CAP. 47/CENA 49). JK COMEÇA A CHORAR, COMOVIDO. CORTA.

CENA 44.      APTO. DE VERA BRANT. SALA. Interior. Dia.
VERA BRANT LÊ, EM UMA POLTRONA. TELEFONE TOCA. ELA ATENDE.
VERA BRANT — (FONE) Alô... Eu... Doyle?  
DOYLE             — (OFF) Vera, é verdade que o Juscelino morreu?  
VERA BRANT — (FONE) Que loucura é essa, Doyle?  
DOYLE             — (OFF) Estão dizendo que ele morreu... 

VERA BRANT — (FONE) Mentira! Ele está na fazenda... Foi pra lá ontem, com o Carlos Murilo, a Déa, o Ildeu, a Neusa e o César.  Eu também ia, mas um dos meus moleques ficou doente... Doyle, por favor, não divulgue essa notícia. Se souber de alguma coisa, eu ligo. (DESLIGA)
CORTA DESCONTÍNUO PARA VERA DE NOVO AO TELEFONE.
VERA BRANT — (FONE) Castelinho, o Doyle acabou de me ligar perguntando a mesma coisa... Não é verdade... Como? Foi a Sarah quem te telefonou? Ela recebeu uma chamada do Jornal do Brasil? Eu vou ver o que aconteceu! (DESLIGA)  
CORTA RENTE.

CENA 45.      FAZENDINHA. SALA. Interior. Dia.
ABRE EM JK RODEADO DE JORNALISTAS. VERA BRANT, CARLOS MURILO, DÉA, ILDEU, NEUSA, CÉSAR PRATES ALI. TODO MUNDO JÁ COM CHAMPANHE. JK PROPONDO UM BRINDE.
JUSCELINO K.    — A ocasião merece um brinde!Afinal, acabei de ressuscitar!
TODOS BRINDAM. E RIEM. CORTA.
CENA 46.     apto. de jk e sarah. sala. Interior. Dia.
SARAH, MÁRCIA, MARIA ESTELA, CORONEL AFFONSO, CIRLENE. ABRE EM CIRLENE DANDO UM COPO DE ÁGUA COM AÇÚCAR PARA SARAH.
MÁRCIA          — Foi só um boato, mamãe, não fique assim! (BEIJA SARAH)
MARIA ESTELA   — Papai está vivo, mamãe! Aproveite e façam as pazes!
CIRLENE         — É isso mesmo!  
MÁRCIA          — Eu tenho que ir pro Teatro...
CORONEL AFFONSO          Podem ir tranqüilas... Eu fico com a sua mãe!  
CORTA EM CONTINUIDADE PARA SARAH E O CEL. AFFONSO.
SARAH             — Ontem escrevi um carta tão irada para ele!... Ainda bem que a Cirlene não pôs no correio!...(CHORA) Eu sou louca por esse homem, eu sou muito apaixonada por ele, coronel Affonso!
ELE SEGURA A MÃO DELA, SOLIDÁRIO, E CORTA.
CENA 47.     APTO. DE MARISA. SALA. Interior. Dia.
MARISA E SALOMÉ. ABRE EM SALOMÉ.
SALOMÉ          — Ele está vivo, Marisa. Já desmentiram o boato!...
MARISA           — Mas eu tenho medo. Ele vem sendo seguido... A vida dele corre perigo, Salomé!
SALOMÉ            A nossa também! O que estamos vivendo é uma noite sem fim, Marisa...uma noite eterna...
CORTA.
CENA 48.     fazendinha. sala. Interior. Noite.
JK SÓ COM VERA, DÉA, C. MURILO. JK, MELANCÓLICO.
DÉA                  — Quer um uísque, presidente?
JUSCELINO K.    — Não,  obrigado... a bebida não está me descendo bem...
CARLOS MURILO   — Como foi que surgiu esse boato? Parece que de repente todos os jornalistas do Brasil foram avisados que você tinha morrido!   
VERA BRANT — Isso foi balão de ensaio pra eles verem se haveria comoção no país, caso matassem o Juscelino!  
JUSCELINO K.    — Querem saber de uma coisa? Hoje, seria muito mais útil ao meu país morto do que vivo!
CARLOS MURILO    Vamos falar de coisas alegres, presidente: o que é que o senhor está pensando fazer na sua  festa de aniversário?  
JUSCELINO K.    — (SOMBRIO) Pela primeira vez na vida não tenho a menor idéia do que irei fazer no meu aniversário!
CONGELA NO ROSTO DE JK E CORTA RENTE PARA A FOTO DO ACIDENTE COM A LEGENDA: DUAS SEMANAS DEPOIS, NO DIA 22 DE AGOSTO DE 1976, JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA FALECIA NUM ACIDENTE DE AUTOMÓVEL NA VIA DUTRA. NELE MORREU TAMBÉM GERALDO RIBEIRO, SEU LEAL MOTORISTA. CORTA RENTE.
CENA 49.      SAGUÃO DO PRÉDIO DA MANCHETE. ambiente. Ext. NOITE.  
ABRE NOS DOIS CAIXÕES (O DE JK E O DE GERALDO RIBEIRO) COLOCADOS LADO A LADO. COROAS DE FLORES, VELAS ETC (COMO NAS FOTOS). HÁ POUCA GENTE AINDA. DE LUTO FECHADO, SARAH ESTÁ PRATICAMENTE SEDADA. COM ELA, MARIA ESTELA, RODRIGO E O DR. ALUÍSIO SALLES. MÁRCIA CHEGA. ABRAÇOS E CHORO CONVULSIVO DAS FILHAS E DA MÃE. ESTÃO TAMBÉM OS FAMILIARES DO MOTORISTA NEGRO GERALDO RIBEIRO (A MULHER ELZA, AS FILHAS LOURDES E ELZA E O IRMÃO DESTAS, MAIS VELHO QUE ELAS, TARCÍZIO – TUDO FIG.). ALGUNS AMIGOS E PARENTES CONSOLANDO SARAH, AS FILHAS E RODRIGO. SOBRAL PINTO VAI PARA SARAH.
SOBRAL PINTO  — Que país é este em que um homem do porte de JK morre sem ter o direito de servir ao seu povo?
SARAH CHORA. CAM MOSTRA A EMOÇÃO DAS PESSOAS QUE CHEGAM, BEIJAM O CAIXÃO ETC... LUCIO COSTA E NIEMEYER SE APROXIMAM DA FAMÍLIA. COMOÇÃO. CORTA P/ GERALDO CARNEIRO COM C. H. CONY.
GERALDO CARNEIRO       Cony, até parece que todos os noticiários estão censurados... A televisão não está mostrando o fato como devia.  (T) Como está Bloch?  
CONY              — Ainda em estado de choque!....
CORTA.
CENA 50.     escritório de adolpho BLOCH. Int. Noite.
BLOCH POR ALI, MUITO TRISTE. ALGUMAS PESSOAS, ENTRE ELAS RENATO ARCHER, CONVERSAM EM VOZ BAIXA. AMBIENTE DE EMOÇÃO. MURILO MELO FILHO ABRE A PORTA E ENTRA CARLOS LACERDA. SILÊNCIO. ELE VAI PARA BLOCH.
CARLOS LACERDA            — (EMBARGADO) O Juscelino morreu... e uma parte de nós foi com ele... A nossa geração, Bloch... 
CAI NOS BRAÇOS DE BLOCH, E AMBOS CHORAM MUITO. ENTRA OFF DE CARLOS LACERDA QUE ATRAVESSA AS PRÓXIMAS DUAS CENAS.
CARLOS LACERDA            — (OFF) O acidente em que morreu o presidente Juscelino repõe a verdade perante a nação. Recorda, brutalmente, que no Brasil, Juscelino foi a prova que a democracia tanto quanto necessária, é possível! Seus erros não foram maiores do que os que são praticados pelos que renegaram seus compromissos com a democracia. Seus acertos, sim, foram muito maiores. Ele foi grande na generosidade. Soube perdoar, soube esquecer... Combatê-lo foi difícil, precisamente porque em vez de se vingar ele procurava compreender. Sua cordialidade era tão brasileira que faz desejar não tenha morrido com ele essa característica, entre todas a melhor, do povo donde saiu o filho de d. Julia.
CENA 51.      FRENTE DO PRÉDIO DA MANCHETE. ambiente. Exterior. Dia.
ABRE COM A CAM MOSTRANDO UMA FAIXA, COMO SE ALGUÉM TIVESSE PINTADO UM LENÇOL NUM PRÉDIO PRÓXIMO: O SOL VEIO TE DAR ADEUS. IMAGENS DE FILMES E FOTOS CLIPADAS COM IMAGENS DE NOSSOS PERSONAGENS, MOSTRANDO A MULTIDÃO ENTRANDO NO HALL DO PRÉDIO. MUITOS SOLDADOS FISCALIZANDO. CORTA RENTE PARA:


A continuação vem no próximo post no final da semana...

Nenhum comentário:

Postar um comentário