quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Uma pequena grande homenagem


Ternura, carinho, reverência, afeto, respeito, saudade. São estes alguns dos sentimentos que transbordaram nos quatro capítulos da microssérie “Dercy de Verdade”. A missão de Maria Adelaide Amaral, autora da microssérie e da biografia “Dercy de cabo a rabo”, foi explorar os mais variados vértices da personalidade de Dercy Gonçalves: a debochada, a malandrinha, a sofredora, a mãe, a batalhadora, a injustiçada, a mulher, a vencedora... Este desafio ao qual a autora se impôs deixa a seguinte impressão: Dercy merecia há anos uma releitura que a fizesse justiça.

Muitas foram as felicidades desta produção, a começar pela importância da homenageada. Dercy Gonçalves tem uma trajetória única nas artes do Brasil, nunca percorrida nem seguida por nenhuma outra artista. Talvez porque não tivessem coragem para tal ou porque não houvesse talento comparável ao de Dercy... Em seus 101 anos de vida, atuou em todas as correntes e modalidades para uma atriz/comediante. Começou em teatros mambembes, cantou em shows na Praça Tiradentes, atuou no cinema, foi estrela dos famosíssimos espetáculos de Walter Pinto, adaptou com irreverência e escracho alguns clássicos do teatro. Na televisão, soube se mostrar versátil, completa: atriz, comediante, apresentadora. Em leitura rasa, a personalidade Dercy Gonçalves estava diretamente ligada ao uso de palavrões. Contudo, são poucos os que conseguiram perceber que Dercy Gonçalves sabia chegar ao telespectador e comunicar-se com ele como ninguém.

A escalação das “Dercys” também é merecedora de tributos os mais laureados. Para Heloísa Périssé (a Dercy adulta), sobram elogios por sua composição da personagem. O maior exemplo são as cenas dramáticas. Heloísa Périssé é conhecidíssima por seu trabalho como comediante, detalhe este que não escapou à microssérie. Porém, foram nas cenas tensas, tristes e dramáticas que Périssé esbanjou competência ao definir nuances para seu tom de voz, seus olhares, seu gestual. Fafy Siqueira não ficou por menos e também surpreendeu em sua Dercy já idosa. O ineditismo surgiu porque Fafy, grande imitadora, já havia apresentado uma imitação de Dercy Gonçalves. Nada mais natural do que esperar dela um repeteco. Todavia, Fafy fugiu da imitação e ofereceu ao público momentos excelentes de uma personagem com estofo, matéria, conteúdo.

Os homens na vida de Dercy (Fernando Eiras, Cássio Gabus Mendes, Tuca Andrada, Ricardo Tozzi e Armando Babaioff) deram total suporte para o trabalho das protagonistas, o que possibilitou o brilho de todos. Destaco aqui o trabalho de Tuca Andrada (sempre excelente), de Cássio Gabus Mendes (terno e atencioso) e de Fernando Eiras. Apesar de ter participado apenas do primeiro capítulo, Fernando Eiras teve uma aparição espetacular e exata como Pascoal, o primeiro marido de Dercy. Para finalizar o elenco, a microssérie foi um excelente momento para Walter Breda (Manoel, o pai de Dercy), Rosi Campos (Bita, a irmã) e Drica Moraes (Clô Prado), apesar de sua rápida passagem pela trama.

Obviamente, alguns tropeços impediram um resultado final ainda mais satisfatório. O primeiro deles está na sonoplastia. Para tentar transmitir a ideia de brejeirice da protagonista, repetiu-se um sem número de vezes as mesmas músicas que (supõe-se) remetem aos anos 1920. O problema é que estas trilhas foram executadas mesmo quando Dercy já estava na década de 1960 ou 1970. O destaque para esta falha fica por conta da insistente repetição da versão instrumental do tema de abertura da novela “Chocolate com Pimenta”.

Outro fator problemático foi a curta duração da trama (ou a falta de recorte para a história). Como a produção foi baseada na biografia de Dercy, muita coisa acaba aparecendo na tela, mas fica sem grandes explicações. Foi um festival de personagem entrando e saindo, tramas que poderiam render muito e que, apressadas, não contaram nada. “Dalva e Herivelto”, por exemplo, não exibiu toda a vida dos dois cantores, mas abordou apenas um episódio em comum: a polêmica separação do casal. Faltou esta restrição para que o texto fosse mais coeso, mais forte.

Um grande exemplo disso é a cena em que Manoel (Walter Breda) espanca Dercy (Heloísa Périssé) por ela ter chegado tarde em casa. Enquanto apanha, Dercy canta uma música que só faz aumentar a fúria do pai. Não conseguimos ouvir nem a música direito, imersa em tantos gritos. Entretanto, basta procurar na biografia que está lá, na página 22, tudo bem explicadinho: a melodia em questão falava sobre uma criança órfã – e Dercy conviveu pouquíssimo com a mãe. Um detalhe importantíssimo para a história de Dercy que, exibido como foi, perdeu muito de sua relevância.

Mesmo assim, as falhas foram menores que os acertos. E estes agigantaram uma produção de pequena duração. A admiração de Maria Adelaide Amaral e Jorge Fernando pela homenageada estava ali, em cada cena, em cada frase dita, em cada take exibido. O saldo final foi altamente positivo, mas poderia ter durado mais capítulos. Para matar esta vontade que uma produção tão carinhosa nos deixou, só nos resta correr para ler a biografia...

(por Jordão Amaral)

Um comentário:

  1. Muito boa a matéria. Parabéns pelo texto.
    Fica um convite: se o autor do blog quiser participar com um texto na recém lançada Revista Cultural Letras Criativas, que está sendo lançada para iPad, terei muito prazer em publicar ns próximos números.
    Se houver interesse, segue o link onde terá instruções para baixar a revista no seu tablet. http://www.letrascriativas.com.br/revista-letras-criativas
    Fico feliz em fazer este contato.
    Abraço
    Felipe Moreno

    ResponderExcluir