quarta-feira, 21 de março de 2012

Bonitinha, mas indefinida


Com um título pouquíssimo inspirado (para não dizer desprezível), a autora Elizabeth Jhin retorna ao horário das seis após sua muito bem sucedida “Escrito nas Estrelas”. Em “Amor Eterno Amor”, a autora se propõe a desenvolver uma trilogia espírita da qual esta novela é a segunda parte. Pelo que fora visto nas duas primeiras semanas, estamos diante de um excelente caso de “pode dar certo, como pode não dar”. 50 a 50 por cento de chances.

Elizabeth Jhin esquematiza uma história lúdica sobre Carlos (Gabriel Braga Nunes), um misterioso e rústico homem. Sobre ele, três eixos da trama se abrem: o retorno à sua verdadeira origem, filho de Verbena (Ana Lúcia Torre); sua paixão por Elisa (Júlia Gomes), uma menina que conheceu quando era criança; e, por fim, um inexplicável dom de amansar animais (principalmente os bravios búfalos). Paralelamente, a revista Cena Contemporânea (onde trabalha a mocinha Miriam, interpretada por Letícia Persiles) realiza pesquisas para a pauta sobre Crianças do Terceiro Milênio (gerações Cristal, Índigo, etc.), o que ajuda a esclarecer ao telespectador o perfil de Carlos.

Com esta espinha dorsal, a novela discute a espiritualidade em amplos termos, como o dom que Clara (Klara Castanho) tem para ver espíritos versus a filosofia materialista de seu pai, Gabriel (Felipe Camargo). Entretanto, aqui surge o primeiro desafio. Elizabeth Jhin pode surpreender com um novo e arrebatador enredo sobre as relações permeadas pelo espiritismo ou pode cair na tentação de requentar sua novela anterior e servir ao telespectador, pretendendo que esta tenha um sabor diferente da antiga. Por ora, o que vemos no ar não chega a nenhum dos extremos. A novela não tem o mesmo apelo emocional que “Escrito nas Estrelas”, mas ainda está indefinida, hesitante, portanto, muito longe de propor qualquer traço distintivo.

Um fator que agrava – e muito – o déjà vu é a famosa repetição de elenco que a Globo promove sem dó nem piedade. Gabriel Braga Nunes, Rosi Campos e Ana Lucia Torre vieram direto de “Insensato Coração” (encerrada em agosto). Carmo Dalla Vecchia, Osmar Prado, Felipe Camargo, Andreia Horta, Tony Tornado e Miguel Rômulo mal tiveram tempo de se desapegar da novela “Cordel Encantado”, cujo último capítulo foi ao ar em setembro. Para Cássia Kis Magro, Luis Mello, Carol Castro, Suzy Rego, André Gonçalves, Vera Mancini, Marina Ruy Barbosa, Klara Castanho, Eron Cordeiro e Flávia Garrafa, a transição foi ainda mais breve: a novela “Morde & Assopra” terminou há 5 meses e olhe todos eles de novo! Sem contar Carolina Kasting, que ainda estava em “O Astro” até o final de outubro passado.

Não há talento no mundo que consiga lidar com uma imposição tão sufocante quanto a da rápida reciclagem. Ator trabalha com vivências, sensações, histórias, sentimentos, enfim, com o que há de mais profundo e visceral em cada um de nós. Para tal, deve-se respeitar o tempo de guardar o antigo personagem para maturar um novo. E nem adianta justificar que não há atores suficientes ou preparados. Em um país com tantas universidades e escolas de teatro (incluindo a própria Oficina de Atores da Globo), chega a ser ultrajante tantos atores na fila do desemprego enquanto uns poucos são espremidos até dizer chega em trabalhos quase simultâneos.

Neste festival de “essa novela eu já vi”, os erros de escalação de elenco e da imprecisão da trama ocultam o que “Amor Eterno Amor” tem de melhor: uma bela fotografia, a acertada decisão de se iniciar a trama na Ilha do Marajó, a abordagem das crianças Índigo e Cristal (assunto pouquíssimo explorado até pelos jornais e que desperta o interesse do público), a irretocável cenografia (deslumbrante e de muito bom gosto), além da trilha sonora (destaque para a música “Ainda Bem”, de Marisa Monte).

O principal acerto, no entanto, está na escalação de Letícia Persiles como Miriam. Durante a fase de pré-produção, cogitou-se um sem número de atrizes, inclusive a própria Carol Castro, para protagonizar a novela. Nada contra as candidatas ao papel. O interessante de Letícia Persiles é o frescor, a novidade, a garra de uma atriz pouco aproveitada pela televisão (seu primeiro e até então único trabalho fora “Capitu” em 2008). Sua interpretação ainda não é excelente, peca pelo tom inquieto e até nervoso que Letícia imprime em Miriam. Entretanto, encanta e seduz o telespectador. Um excelente respiro em meio a tantos nomes batidos, principalmente porque nem todos os “atores reincidentes” têm algo de novo ou interessante para mostrar.

Como já dito, o título da novela é de uma infelicidade sem tamanho. As emissoras não estão em boa fase neste aspecto: “Corações Feridos”, “Amor & Revolução”, “Vidas em Jogo”, “Insensato Coração”, “Aquele Beijo”, “A Vida da Gente”, entre outros, são nomes tão genéricos e pouco atraentes que chegam a ser quase incompreensíveis (Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa, por exemplo, ainda precisam explicar o que quiseram dizer com “A Lua me Disse”). Uma das características do melodrama teatral francês é justamente a escolha de um bom nome para que este seja mais um atrativo para a trama. Além de iniciar o tema de abertura da clássica “O Direito de Nascer” (tanto na Tupi em 64 e 78, quanto no SBT em 2001), “Amor Eterno Amor” dá a impressão de um impiedoso e pesado melodrama. No entanto, a novela é agradável e leve. Pelo visto, a Globo errou novamente na escolha.

A trama de “Amor Eterno Amor” é charmosa e seus capítulos são delicados e ternos. Elizabeth Jhin já provou que é muito competente para escrever uma novela das seis, sabe do riscado. Sua parceria com Rogério Gomes (diretor de núcleo) e Pedro Vasconcellos (diretor geral) também já fora positiva em “Escrito nas Estrelas”. Entretanto, nesta estreia, parece que a novela não tem o que contar, ainda não deslanchou. Esta aparente calma, reflexo da falta de unidade dramática, pode fazer entornar uma série de boas ideias. Que, aliás, nem os espíritos dariam conta de segurar...

(por Jordão Amaral)

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