quarta-feira, 7 de março de 2012

Beijo sem língua

Há tempos quero escrever sobre “Aquele Beijo” e fico protelando. Um pouco por falta de tempo e um pouco também por não saber o que escrever. A novela não é desastrosa como “Negócio da China”, última trama de Miguel Falabella, mas também não é uma boa produção, que prenda a atenção do espectador.


Podemos dizer que “Aquele Beijo” é uma novela charmosa. Tem uma fotografia e figurinos agradáveis de ver. Mas e a história? Os capítulos são recheados de esquetes muito bem escritos, com gags hilariantes e sacadas perspicazes, como a marchinha de carnaval de Taluda (Priscilla Marinho). Porém, sobre o quê fala esta novela? O que é feito da trama central? A quantas anda a vida de Cláudia (Giovanna Antonelli) e Vicente (Ricardo Pereira)?

Não adianta criar uma estrutura bonita para os olhos e a dramaturgia ser rala. Não há trama consistente o bastante para se querer acompanhar. Prova disso é que esta novela das sete teve uma média de 35 pontos no Ibope (Grande São Paulo) no primeiro capítulo, feito que há muito tempo não acontecia. No segundo, a audiência despencou, chegando a 25 pontos ou menos.

A cenografia segue o fluxo oscilante da trama. Há cenários belíssimos como a Comprare, a casa de Maruschka (Marília Pêra), o loft de Brigitte (Juliana Didone) e o restaurante Sonho d'Aveiro. Enchem os olhos a riqueza de cores e texturas, o contraste entre o moderno sofisticado e o tradicional português. Porém, todos os cenários do Covil do Bagre são de extremo mau gosto. Peca-se pelas cores vibrantes e espaços reduzidíssimos. As casas dos personagens são tão apertadas que atrapalha a movimentação dos atores. A cidade cenográfica da comunidade é de uma artificialidade constrangedora, digna de qualquer produção do SBT.

Parte do charme da novela está, sem dúvida, no elenco. Giovanna Antonelli está agradável como a protagonista da trama, apesar da personagem Cláudia não exigir muitos recursos. Ricardo Pereira é outra presença sempre interessante, com carisma e sinceridade. Apesar disto, poderiam muito bem ter deixado o gajo soltar livremente seu sotaque de Camões ao invés de improvisar um carioquês que o próprio perfil do personagem não exige.

O embate entre Nívea Maria (Regina) e Marília Pêra é um dos pontos altos da novela das sete. Nívea brilha com sua experiência de quase 50 anos de televisão. Marília Pêra nos devia uma grande interpretação desde Rafaela Alvaray de “Brega e Chique” (1987). Em “Aquele Beijo”, apresenta uma personagem deliciosa, cheia de matizes e até coerentemente contraditória.

Da “Companhia Migueliana de Atores Falabelletes”, podemos destacar a segura presença das atrizes portuguesas Marina Mota (Celeste) e Maria Vieira (Brites), o entrosamento do casal Diogo Vilela (Felizardo) e Stela Miranda (Locanda), a perfeita interpretação de Elizângela (Íntima) com Bruna Marquezine (Belezinha) e Sandro Christopher (Bob Falcão) e a família de Ernani Moraes (Olavo) e Renata Celidônio (Marieta).

A mesma patota também apresenta tropeços e incompreensíveis erros de escalação. Leilah Moreno (Grace Kelly) e Fernanda Souza (Camila) penam para apresentar qualquer faísca de interpretação com personagens tão rasos e estereotipados. Frederico Reuter (Ricardo), Karin Hils (Bernadete) e Karin Roepke (Alana) só mostram alguma competência mesmo nos musicais que Falabella dirige. Em “Aquele Beijo”, são verdadeiros tratados de como não se interpretar na TV.

Victor Pecoraro é o principal calcanhar de Aquiles do elenco. Sempre apresentou atuações inexpressivas e pífias em seus trabalhos anteriores (“Chocolate com Pimenta” ou “Corações Feridos” do SBT). Mesmo com um bom teste, não era difícil de se imaginar a bomba que viria. Pois aí está ela: Pecoraro não segura as contradições do personagem Rubinho e esbanja imaturidade em cena.

A escalação de Herson Capri (Alberto), Fiuk (Agenor) e Bruno Garcia (Joselito) é muito questionável. Depois de um personagem tão forte quanto Cortez em “Insensato Coração”, a volta precoce de Herson Capri não adicionou nada (nem a ele, nem à novela). Se Fábio Jr era criticado em sua época por interpretações pouco densas, Fiuk vem provar que poderia ser bem pior. O personagem Agenor é apenas uma variação sem graça do cantor-ator. Nada mais. Já Bruno Garcia aparece apagado e sem muitas oportunidades na trama.

Apesar de um elenco irregular e de uma trama fraca, algumas ideias inseridas na novela se salvam da indiferença. A Comprare e sua deturpada relação de luxo e consumo são uma ácida fotografia de nossa elite. A trama das modelos plus size ganhou força e proporciona felizes momentos (ainda que tenha suplantado a interessante “Van Première”). Também não podemos negar que a narração de Miguel Falabella é um charme, um plus para a novela e que faz uma grande diferença. Foi uma ótima sacada do autor!

“Aquele Beijo” marcará os telespectadores por algumas ideias atraentes e um clima charmoso e agradável. Está longe de ser uma “Salsa & Merengue” ou “A Lua Me Disse” e isso tem um motivo muito claro: a ausência de sua parceira, assinando a novela juntamente com ele, que é quem lhe dá estofo dramatúrgico. Miguel Falabella sem Maria Carmem Barbosa é a mesma coisa que um beijo sem língua, ou seja, sem graça.

(por André Torres)

3 comentários:

  1. Que Miguel Falabella é ótimo com suas peças de teatro e com seus seriados, disso ninguém duvida. Mas acho que já ficou provado e comprovado que novela não é, definitivamente, a sua praia. Que tal se ele deixasse as novelas para a nova geração de autores que vem surgindo aí?

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  2. Você ouviu o que o Falabella falou sobre críticos/blogueiros de tv no Sem Censura (Tv Brasil) da última segunda-feira?

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  3. Francamente, o Miguel (Falabella) é um excelente escritor de teatro e séries, mas, a Maria Carmen Barbosa é mais que uma parceira. É a sua (Miguel) alma gêmea artística. Garanto se ela fizer uma novela sozinha se sai bem melhor do que o Miguel. Pronto, falei!

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