segunda-feira, 6 de agosto de 2012

Hora da lição de casa

Depois de alentadas expectativas e conturbada escalação de elenco, a novela “Carrossel” disse a que veio. Todas as noites, de segunda a sexta-feira, o SBT exibe aquele que parece ser seu mais novo Midas na audiência. Não raro, a novela infantil consegue médias no patamar dos 15 pontos, um número impensado para a emissora paulista diante de tantos desencontros na área da teledramaturgia. Porém, mesmo passados dois meses de novela, será que “Carrossel” é, de fato, a tábua de salvação para o SBT?


O histórico da novela “Carrossel” aqui no Brasil é bem conhecido e até temido por alguns (que o diga Gilberto Braga). Quando a produção mexicana da Televisa (gravada em 1989) foi exibida aqui a partir de 1991, deu continuação a um grande movimento de migração da audiência da Rede Globo para outras emissoras. O “fenômeno” já começara no ano anterior, com a apresentação da novela “Pantanal” pela Manchete. Entretanto, a própria Manchete não aguentou o sucesso galvanizado e viu sua popularidade cair drasticamente em 1991. Em contrapartida, a Globo apresentava os últimos capítulos de “Meu Bem, Meu Mal” e estava prestes a iniciar “O Dono do Mundo”. A primeira novela, de Cassiano Gabus Mendes, não foi nenhum estouro de audiência, mas nem de perto se compararia com o vexaminoso problema que se tornou a seguinte novela de Gilberto Braga. Logo nos primeiros capítulos, o público rejeitou enfaticamente a trama que narrava as desilusões da professorinha Márcia (Malu Mader) nas mãos do canalha Felipe Barreto (Antonio Fagundes).

Em uma desabalada fuga, o telespectador trocou de canal. E, como dizia o slogan do SBT à época, “quem procura acha aqui”. Os primeiros capítulos de “Carrossel” foram exibidos na mesma época do início da novela global e conseguiram chamar a atenção do público, que deu origem a uma acirrada disputa de audiência entre SBT e Globo. Objeto de estudos acadêmicos anos depois, o estrago que “Carrossel” fez em 1991 serviu de chamariz para uma futura fragmentação da audiência do brasileiro.

Foi pensando assim que o SBT conseguiu levar ao ar neste ano um remake tupiniquim e deixou a cargo da Sra. Abravanel a redação dos capítulos. Está aqui um primeiro trunfo de “Carrossel”. Íris Abravanel estreou como autora de novelas do SBT em 2008, com “Revelação”. Desde então, amargou alguns insucessos. Muitos apontaram na autora falhas terríveis de narrativa e de composição dramatúrgica. Em “Carrossel”, todos estes erros permanecem latentes. Porém, há duas questões que transformaram os pontos vulneráveis em vantagens. A primeira é a opção por se manter o mais fiel possível ao roteiro original mexicano, o que preencheu a falta de estrutura folhetinesca de Íris Abravanel.

A segunda é a temática infantil da produção. O SBT tem grandes experiências nesta área: além de apresentar continuamente programas focados neste público, desde “Chispita” (em 1983) exibe tramas infantis (mexicanas ou “latino-brasileiras” como “Chiquititas”, produzida pelo SBT e Telefé entre 1997 e 2001). Este é um mote cuja teledramaturgia brasileira sempre teve dificuldades de abordar e não sustentou uma linha natural de evolução. Todas as emissoras, com exceção do próprio SBT, têm exemplos pontuais de teledramaturgia infantojuvenil. As mais bem-sucedidas são justamente “Chiquititas”, “Castelo Rá-Tim-Bum” (1994) e “Mundo da Lua” (1991) na TV Cultura de São Paulo, “Sítio do Picapau Amarelo” (1977/86) na Globo/TVE e “O Meu Pé de Laranja Lima” (1970/71) pela Tupi. Não há, porém, a tradição de ficções voltadas para este público como no SBT. Além das produções já mencionadas, o canal exibiu novelas como “O Diário de Daniela” (em 2000) e “Viva às Crianças – Carrossel 2” (em 2002/03), sem contar nos quase 30 anos de reprise do seriado “Chaves”. Ou seja: há no SBT um suporte favorável por parte da programação a uma novela infantil como “Carrossel” (fato este que não ocorreu, por exemplo, em “Amor & Revolução”).

Além do know-how do SBT em produções infantis, Íris Abravanel foi beneficiada pelo fato de uma novela deste tipo primar pela empatia com o público. “Carrossel” apresenta erros inacreditáveis de teledramaturgia e diálogos constrangedores (especialidade de Íris), mas ganha muito em ter bons personagens como Maria Joaquina (Larissa Manoela), Cirilo (Jean Paulo Campos), Valéria (Maísa Silva), professora Helena (Rosanne Mulholland), a diretora Olívia (Noemi Gerbelli) e o zelador Firnino (Fernando Benini). O perfil destes personagens é tão bom que cativa o público, fazendo-o relevar as falhas de roteiro da novela.

A contrapartida está na segura direção de Reynaldo Boury. O diretor da novela consegue dar unidade e vigor a capítulos nem sempre tão interessantes assim. É possível encontrar em “Carrossel” sua experiente condução. Boury, que estava há algum tempo aposentado mas dirigiu grandes produções como “Sinhá Moça” (1986) e “Selva de Pedra” (1972), conseguiu apagar sua passagem por “Amor & Revolução” e apresentar um bom trabalho, digno de um profissional com muita tarimba.

Contudo, há um dilema pairando por todo este sucesso do SBT. A emissora precisa rever (ou melhor, precisa criar) um projeto de teledramaturgia que dê arremedo a toda esta boa fase e lance as produções da casa a um caminho estável e duradouro. A Manchete planejou realizar sempre teledramaturgia de primeira classe quando se propôs a duelar com a Globo. A própria Globo só conseguiu alcançar o primeiro lugar de audiência quando arquitetou uma estratégia de modernização da temática, produção e veiculação de suas telenovelas. Apenas entre 1994 e 1996 o SBT ameaçou engatar um sólido projeto de teledramaturgia (com os bons remakes de “Éramos Seis”, “As Pupilas do Senhor Reitor” e “Sangue do Meu Sangue”). Tão logo encontrou problemas de Ibope, o SBT recorreu à trilogia das Marias de Thalia. Nos últimos 10 anos, a emissora oscila entre novelas importadas, remakes de produções mexicanas, regravações de sucessos brasileiros e tentativas de tramas originais. Nada disso dá credibilidade ao público, nem constrói uma identidade teledramatúrgica para o canal.

Todas as noites, Silvio Santos deve dar uma daquelas sonoras gargalhadas ao constatar que voltou ao segundo lugar no Ibope da Grande São Paulo com “Carrossel”. Na disputa com a Record, a novela de Íris Abravanel é uma das principais armas. Não chega a ameaçar a poderosa Globo como ocorreu em 1991, mas cava uma tranquila vice-liderança ao SBT. Entretanto, o maior desafio do SBT é canalizar esta audiência obtida por “Carrossel” para estabilizar a produção dramatúrgica do canal, tornando-a atraente aos anunciantes e ao público para que, enfim, a posição reconquistada não seja um esforço em vão.

(por Jordão Amaral)

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Sempre Gabriela

Gabriela” está no ar há três semanas no horário das onze horas, após o êxito de “O Astro” em 2011. O romance de Jorge Amado já fora exibido em duas oportunidades: a primeira, pela TV Tupi do Rio em 1961 e com a produção e direção de Maurício Sherman; a outra em 1975, às 22h, escrita por Walter George Durst na Globo. Agora recebe uma nova adaptação assinada pelo autor Walcyr Carrasco. Infelizmente, não há nada de muito novo para se acompanhar.

Obviamente haveria uma enorme expectativa em torno do remake por conta da personagem que consagrou a atriz Sonia Braga. Não tem quem não fale ou não se lembre – mesmo não tendo nascido na época – da famosa cena de Gabriela pegando a pipa no telhado (o que vem a ser um dos grandes trunfos da célebre versão de 1975, já que esta cena não existe no romance – é de autoria exclusiva de Durst).

Após algumas polêmicas quanto à escalação desta personagem, podemos dizer que a nova Gabriela não poderia ser interpretada por nenhuma outra atriz que não fosse Juliana Paes. Além de ser um ícone da beleza nacional (e com a vantagem de ser naturalmente morena e sensual), Juliana tem um apelo muito grande junto ao público. Este foi um dos maiores acertos do elenco da novela! Juliana Paes tem os exatos atributos para oferecer uma nova e marcante leitura de Gabriela. Ela não é ótima atriz (e quem disse que Sônia Braga é?), mas também não é ruim.

Humberto Martins também está agradável na pele de Nacib, preferindo uma linha de interpretação distante da que consagrara Armando Bógus na década de 1970. Aliás, uma boa parte do elenco é responsável pelo feliz tom da novela. Laura Cardoso dá o ponto exato entre o autoritarismo e a comédia com sua beata Dorotéia. Felizmente, Laura está bem acompanhada de Maitê Proença, uma atriz irregular mas que mostra muito vigor e inteligência ao compor o perfil frágil e tocante de Sinhazinha. Outro ator que merece muitos aplausos logo na estreia é José Wilker, que faz do Coronel Jesuíno Mendonça um tenso contraponto às peripécias de Ilhéus e aos encantos de Gabriela. Logicamente, também não se pode ignorar a participação de Leona Cavalli como Zarolha. Leona tem longa experiência no cinema e há alguns anos está na televisão, mas ainda não encontrara um papel que lhe coubesse tão bem quanto a dócil e sonhadora Zarolha. Uma pena que seja apenas uma participação especial!

No entanto, Gabriela também mostra certas repetições e deslizes quanto ao seu elenco. Antonio Fagundes (Coronel Ramiro Bastos) precisa se reciclar urgentemente. Será que ninguém percebeu que jogar o ator na Bahia como dono de plantações de cacau seria uma nefasta oportunidade para ele tirar da gaveta José Inocêncio de Renascer (1993)? Outro que aproveitou a deixa para um rápido “vale a pena ver de novo” foi Ary Fontoura. Há certos pontos do personagem Coronel Coriolano que são fortemente parecidos com o Coronel Artur da Tapitanga de Tieta (1989/90). Vanessa Giácomo excede em agressividade para viver Malvina, contudo, trata-se apenas de questão de tempo para aparar as ferinas arestas.

Ainda na questão do elenco, e retomando as polêmicas escalações de Gabriela, não se pode furtar de tecer algumas palavras sobre o desempenho de Ivete Sangalo como Maria Machadão. A personagem, minúscula no romance e brilhantemente vivida por Eloísa Mafalda em 1975, foi remodelada para caber em Sangalo. Partindo deste princípio, a comparação entre as “Machadões” fica inviável: enquanto a personagem em 1975 era uma mulher lanhada pela vida e, por isso, tornou-se uma sagaz sobrevivente, no remake ganha uma certa leveza e até um tom feérico (reforçado pela leitura à la Moulin Rouge deste novo Bataclan). Ivete Sangalo corresponde bem a esta leveza, coloca à disposição do personagem todo seu carisma. Ainda falta qualquer coisa para que se torne uma “atriz-cantora” (como é o caso, por exemplo, de Emmanuele Araújo, que vive a personagem Teodora), entretanto, a participação de Sangalo acumula mais vantagens do que prejuízos.

Outro ponto alto do remake em questão é a qualidade estética, tais como direção de fotografia e direção de arte, comandados pelo diretor geral, Mauro Mendonça Filho. As imagens da novela trazem um frescor e ao mesmo tempo um déjà vu que há muito tempo não víamos na tela da Globo, já que ultimamente suas produções se concentraram no eixo Rio-São Paulo. Enfim, de uma beleza impressionante.

Como tudo tem seus “poréns”, a grande decepção fica por conta do autor Walcyr Carrasco. Além de “Gabriela” não ser o romance mais interessante de Jorge Amado (apesar de ser um dos mais famosos), havia uma certa ansiedade de vermos o que o autor nos reservava para o horário das 23h, uma vez que, até então, só havia escrito novelas das 18h e 19h na Globo. Esperávamos ver um Walcyr Carrasco diferente, ou bem ao estilo de Adamo Angel, seu pseudônimo com o qual escreveu “Xica da Silva” na extinta Manchete. Nesta época, o novelista mostrou uma faceta completamente diferente do que estamos acostumados a ver. No entanto, nos deparamos com o velho Walcyr Carrasco de sempre: as mesmas cenas com soluções fáceis, as mesmas camas quebradas, as mesmas piadinhas... O que podemos perceber é que ele manteve seu estilo das 18h/19h e simplesmente adicionou alguns palavrões e cenas sensuais permitidos no novo horário.

Para agravar a situação, o pastiche de senso comum sobre a história torna os capítulos rasos. Logo no primeiro capítulo, um clima de Vidas Secas que não se justifica. Para quê trazer à tona uma referência tão batida se a própria obra de Jorge Amado poderia fornecer melhores ideias para a sequência de Gabriela e seu tio no sertão? O mesmo vale para o já citado clima Moulin Rouge do Bataclan. Será que é cabível uma zona de prostituição tão onírica e deslumbrante em um local conservador, árido e pouco avançado? Para Walcyr Carrasco, sim. E ele não hesitou em transformar a casa de tolerância em um legítimo bordel  da Belle Epóque.

Enfim, a narrativa de “Gabriela”, diferente do que aconteceu em “O Astro”, não traz nada de novo e o que assistimos é o que já estamos cansados de ver em várias novelas que abordam o Nordeste. Gabriela acaba valendo a pena pelo trabalho estético impecável; a embalagem é perfeita. Porém, o conteúdo é um arrastado reciclar de estereótipos e tipos. Apesar de um excelente momento para o diretor Mauro Mendonça Filho e para parte do elenco (principalmente Juliana Paes e Humberto Martins), ainda não foi dessa vez que acompanhamos o melhor de Jorge Amado, nem o de Walcyr Carrasco.

(por André Torres)

sexta-feira, 1 de junho de 2012

As brasileiras de Jacarepaguá

Embalada pela boa repercussão da série “As Cariocas”, a Globo decidiu exibir um novo produto com os mesmos moldes: “As Brasileiras”. A nova empreitada prova nitidamente que, em televisão, não há uma fórmula segura para o sucesso. Bem cuidada e com um elenco de famosos nomes, esta série não deixará sequer lembrança nos telespectadores.


A primeira razão para este impacto nulo é a qualidade instável de seus episódios. Um dos poucos casos televisivos onde o líder autoral do programa é o diretor (neste caso, o sempre talentoso Daniel Filho), “As Brasileiras” apresenta uma irritante sequência de histórias repetitivas, textos ora muito bons, ora péssimos, além de uma clara ausência de um líder para estipular diretrizes à criação.

Em “As Cariocas”, este papel de “coordenador de textos” era de Euclydes Marinho. O autor não chegou a escrever todos os episódios, mas era nítida a unidade narrativa em comum entre as histórias contadas por esta série. No entanto, em “As Brasileiras” temos a presença de Ana Maria Moretzsohn em grande parte dos episódios, o que não chega a ser a supervisão da qual o programa carece. A única garantia de coesão de qualidade que permite reunirmos os muitos episódios como partes de um mesmo programa está na mise en scène. E só.

Enquanto alguns dos episódios foram simplesmente imperdíveis, outros são merecedores do mais impiedoso e justo ostracismo. “A vingativa de Sampa”, “A perseguida de Curitiba”, “A apaixonada de Niterói” e “A reacionária do Pantanal” são excelentes exemplos de roteiros que não adicionaram absolutamente nada à série. Fracos, sem ritmo, cheios de clichês e por vezes repetitivos, roteiros como estes ofuscam boas histórias como “A fofoqueira de Porto Alegre”, “A culpada de BH” e “A justiceira de Olinda”.

A irregularidade do nível entre os episódios nos desnuda outro problema da série: os clichês. Já inicia com o pé esquerdo um programa que, propondo-se ambientar uma história em cada lugar do país, ignore as cores regionais e faça suas gravações em locações genéricas e com chromakey. No episódio “A adormecida de Foz do Iguaçu”, o efeito especial é incrivelmente tosco. Em muitas cenas, a direção quer deixar tão explícito que o episódio se passa no Paraná que insere as cataratas o mais próximo possível dos cenários, sejam eles uma passarela do Parque de Foz do Iguaçu ou uma varanda de um prédio qualquer. Agrava a situação o fato de o elenco ser, em sua maioria, do eixo Rio-São Paulo. Salvo certas exceções (como Ísis Valverde e Suyane Moreira), a grande parte das atrizes reproduzem o carioquês sem a menor culpa.

Por parte dos roteiristas, o importuno trabalho do clichê empobrece o conteúdo narrativo dos episódios. E, neste caso, há dois grupos de cartas na manga: o regional e o sexual. No primeiro caso, se vamos falar de São Paulo, nada mais lógico do que contar a história de uma perua afetada e estressada. Se o cenário é Brasília, a “ideia genial” é criar uma intriga política. São associações tão criativas quanto a cartilha “Caminho Suave”.

No quesito “clichê sexual”, a série comprova que pode piorar muito aquilo que já se apresenta ruim. Grande parte dos episódios versam sobre o sexo, sem distintas variações sobre o tema. O maior flagrante é notar, por exemplo, que um considerável número de episódios terminam justamente na cama. Ou seria “As Brasileiras” um caso para a psiquiatria estudar como reagem as ninfomaníacas de diferentes regiões do país?

Bom senso também faltou para a narração em off. Concomitante a esta série, tivemos o excelente uso de narrações na novela “Aquele beijo”. No caso da novela, Miguel Falabella esbanjou inteligência e perspicácia ao tecer comentários significativos que só faziam enriquecer os capítulos. Já em “As Brasileiras”, as digressões escritas por Geraldo Carneiro são explicativas, anacrônicas, calhordas, rasas e redundantes. A narração de Daniel Filho peca pelo excesso de maneirismos e artificialidade. A ideia de se apresentar uma voz em off veio de “As Cariocas”, para que o telespectador pudesse acompanhar as boas tiradas de Sérgio Porto (autor dos contos que originaram a série televisiva). No entanto, em “As Brasileiras”, o recurso foi utilizado da forma mais estranha possível. É tamanho maneirismo e afetação que Carneiro e Daniel Filho conseguem transformar o narrador explícito em um velho tarado e babão.

Não são raras as “pérolas” ditas entre uma e outra cena. Coisas como “Onde a moçada gosta de brincar de paraíso sem precisar de folha de parreira” (episódio 16), “O celular foi especialmente inventado para o adultério” (episódio 08) ou “Aí rolou aquele Carnaval. Só que o Arlequim não sabia que a Colombina era a própria Patroa” (episódio 14) certamente podem ser apagadas sem qualquer prejuízo ao episódio.

Contudo, há bons momentos em “As Brasileiras”. O melhor foi “A mamãe da Barra”, baseado em um romance de Thalita Rebouças. Tudo neste episódio teve um sabor especial: a trama em si, as atuações, a trilha sonora, os cenários. O texto (escrito por Thalita Rebouças e Ana Maria Moretzsohn) foi inspirado, criativo, sensível e com direito a irônica metalinguagem. Em uma das cenas, Thalita Rebouças interpreta uma amiga de Ângela Cristina (Glória Pires) declarando detestar adolescentes. Logo ela, uma das mais famosas romancistas atuais para o público infanto-juvenil... Não bastassem todos estes pontos positivos, o público ainda pôde acompanhar a família Pires de Moraes contracenando junta e transbordando talento. Glória Pires dispensa apresentações. Antônia Moraes participou apenas de duas cenas. Mas a surpresa do episódio veio com Ana Pires de Moraes, filha de Glória na vida real e na ficção. Com muita segurança, graça e naturalidade, Ana fez o saudoso público lembrar do começo da carreira de Glória Pires. Um episódio excelente, com sensação de álbum de família. Uma pena que “A mamãe da Barra” tenha sido uma exceção, não a regra, em “As Brasileiras”.

Chegando ao fim (abreviado pelo início de “Gabriela”), “As Brasileiras” prova ao público que sucesso não é uma fórmula infalível. As características de “As cariocas” foram copiadas para que tivéssemos a impressão de acompanhar uma continuação. Só que Daniel Filho errou na mão e veiculou uma versão caricata e burramente copiada das deliciosas histórias de Sérgio Porto. Nem ele, nem nós merecíamos um programa tão oscilante.

(por Jordão Amaral)

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Um passo adiante, dois para trás

Enquanto a Globo se perde em discussões sobre a (tão equivocada) nova classe C, a Record avança no terreno da teledramaturgia ao exibir mais uma novela de Lauro César Muniz. Apesar de ser chamada de “novela-testamento” por seu autor, “Máscaras” é mais do que isso. Representa um passo de ousadia, mesmo considerando que este termo adquire sentidos mais profundos quando falamos de Lauro César Muniz (autor de textos arrojados como “Escalada”, de 1975, “Os gigantes”, de 1979, “Rosa baiana”, de 1981 e “O salvador da pátria”, de 1989). No entanto, o espetáculo não é completo por influências diversas e o resultado final está aquém da qualidade do texto de Muniz.

Ao falar na novela “Máscaras”, é necessário separar a trama em três eixos: estrutura, construção de personagens e roteiro (o que inclui cenas e seus diálogos). Partamos para a estrutura. Muniz conseguiu reunir em sua espinha dorsal elementos folhetinescos e pura dramaturgia. A trama policial está bem amarrada e segue o ritmo necessário e exigido para que seja adequadamente desenvolvida. Lauro e seus colaboradores (Renato Modesto, Mário Viana, Mariana Vielmond e João Gabriel Carneiro) ainda estão armando as pontas necessárias para que o protagonista Otávio (Fernando Pavão) consiga o que até agora é nomeado como “suicídio virtual”.

Para efeito didático, “Avenida Brasil” tem, entre outros méritos, uma impressionante agilidade nos acontecimentos. Ponto positivo para a produção global, mas não devemos nunca confundir velocidade com qualidade. O caso de “Máscaras” retoma muito bem a questionável “cliparização” da televisão brasileira. Lauro César Muniz tem seu ritmo, exercita sua velocidade e não abre concessões, pois sabe que uma boa história é aquela que é contada ao sabor dos fatos, degustando palavra por palavra.

A construção dos personagens não fica por menos. O perfil de cada um foi desenhado com esquadro e compasso, de tão milimétrico que são seus motivos para adotarem máscaras. A começar pelo protagonista Otávio, um homem arrasado pelo sumiço de sua esposa Maria (Miriam Freeland) e de seu filho recém-nascido. Para desvendar os mistérios que cercam o desaparecimento, Otávio percebe que será necessário renascer sob outra identidade. Além dele, prometem grandes emoções Manuela (Giselle Itié), uma acompanhante de luxo que quer mudar de vida; Décio (Petrônio Gontijo), o psiquiatra que desenvolve um vínculo emocional muito forte com sua paciente Maria; Valéria (Bete Coelho), a socialite mecenas, e seu ex-marido Gomide (Henri Pagnocelli); Olívia (Iris Bruzzi), a atenciosa governanta de Maria; e a doentia relação entre as irmãs Tônia (Daniela Galli) e Luma (Karen Junqueira).

Apesar de se tratar os citados de bons personagens e defendidos com muita garra pelos seus intérpretes, nada é mais delicioso do que acompanhar duas personagens em particular: Nameless (Paloma Duarte) e Elvira (Jussara Freire). Elvira é uma mulher amargurada, desacreditada e que luta para provar que foi injustamente condenada pelo juiz Sotero (Cecil Thiré). No fio da navalha entre a sanidade e a loucura, entre a verdade e a mentira, Jussara Freire oferta inequívocas provas de que é uma atriz de altíssimo gabarito. Seu rosto de linhas retas e bem definidas (tal qual o mármore talhado) consegue transmitir dureza, neurose, piedade, revolta, incompreensão, dúvida, incerteza e mágoa com intensidades cortantes. Já Nameless é um grande acerto do autor e de sua intérprete, Paloma Duarte. Sua imagem é muito semelhante a de grandes protagonistas do cinema noir americano das décadas de 1940 e 1950: loira, belíssima, cabelos longos, boca marcante, olhar profundo e direto. Uma personagem que quebra muitos paradigmas e orienta-se pela pluralidade: ela pode ser o que quiser, vestir a máscara que lhe melhor convier. Não há limites nem restrições para uma personagem sem nome ou biografia (inicialmente) declarados.

Infelizmente, nem todos os personagens encontraram o ator de seus sonhos. Comecemos por Franciely Freduzeski (Claudia), Francisca Queiróz (Flávia) e Luiza Curvo (Laís). Inegavelmente belas, as três deixam latente a cada cena que não dão conta do peso de suas personagens. O caso se agrava com Franciely durante o episódio da morte de Sônia (Bruna di Tulio), onde ela não conseguia de forma alguma passar a dor por perder um parente de forma tão cruel e rápida. Mas o vexame se espraia para outros atores. O triângulo formado por Raul Gazolla (Vado), Eliete Cigarini (Nair) e Lívia Rossi (Yara) não tem fôlego ou ritmo e, para piorar, Eliete Cigarini está atrelada a dois atores inquestionavelmente canastrões e fracos.

Mas, caso fosse necessário eleger um “pior de todos”, o eleito de “Máscaras” é justamente o mais óbvio: Dado Dolabella. Ao tentar interpretar Edu, um jovem com capacidades acima da média, Dolabella afunda de vez um bom perfil criado pelo autor. E, de quebra, ainda deflagra dois pontos vulneráveis da Record: direção e escalação de elenco. A emissora não consegue construir um banco de atores digno do star system ao qual a telenovela brasileira está fundamentada. E não adianta justificar que a emissora está “a caminho da liderança” ou “começando a fortalecer suas produções”: os problemas continuam os mesmos desde “A Escrava Isaura” (2004/05).

O equivocado trabalho do diretor Ignácio Coqueiro (auxiliado pelos diretores José Carlos Pieri, Régis Faria e Antônio Gonzalez) nos leva ao terceiro eixo de “Máscaras”: o roteiro. As cenas de Lauro César Muniz são difíceis e têm um humor incomum na televisão brasileira. Repleto de referências culturais, seus diálogos são vivos, mas devem ser respeitosamente seguidos. Entretanto, Coqueiro não entendeu a novela e nem demonstra qualquer intenção para tal. As cenas resultam imperfeitas, falta ritmo para os atores, a edição é, no mínimo, patética (figurinos idem), os efeitos especiais são infelizes e os takes também. Esta falta de prumo da direção atinge atores como Cecil Thiré (Sotero) e Bárbara Bruno (Zezé), resultando caricatos e perdidos. Os diálogos de Lauro César Muniz, diante de tantos desmandos e incompetência por parte da direção, soam artificiais, carregados e impostados. Quem diria, logo Lauro César Muniz que, na década de 1960, inovou ao apresentar uma telenovela com diálogos coloquiais (“Ninguém crê em mim”, TV Excelsior, 1966).

O que poderia ser entendido como um corajoso e inovador texto será encarado (pelos mais preguiçosos, faça-se a justiça) como uma confusa e dispendiosa novela. Afinal de contas, comentarão alguns, do que adianta a Record gastar valores exorbitantes para gravar uma novela dentro de um transatlântico, se a direção não sabe o que fazer com o “brinquedo”? Das primeiras semanas de “Máscaras”, é possível distinguir dois movimentos bem distintos. Lauro César Muniz apresenta ao público uma crítica ácida, enviesada por uma forte e interessante trama policial. Já Ignácio Coqueiro filtra os capítulos da pior maneira possível, banalizando o texto e evidenciando sua falta de intimidade com a dramaturgia de Muniz. Uma pena.

(por Jordão Amaral)

terça-feira, 10 de abril de 2012

Apenas mais uma bobagem

Não sei até que ponto este artigo deve ser levado a sério. Não sei também quão maleável deve ser o conceito de “telenovela” para incluir a produção “Corações Feridos”, que o SBT exibe há poucos meses. Adaptada por Íris Abravanel, o programa serviria de excelente exercício para a emissora descobrir porque o núcleo de teledramaturgia não decola nem com reza brava.

Comecemos pela mentora do crime, a autora Íris Abravanel. Foi uma atitude louvável sua intenção de reativar as produções de telenovela do SBT. Afinal, do canal 4 já saíram boas tramas como os remakes de “Éramos Seis” (1994), “As pupilas do Senhor Reitor” (1994/95) e “Sangue do meu Sangue” (1995/96). Contudo, como não basta boa vontade para seguir em frente, Íris Abravanel sucumbe à sua inexperiência ao redigir capítulos tão fracos e reproduzir esquemas tão batidos.

A inexperiência não significa que “Corações Feridos” seja a primeira trama da senhora Abravanel. Antes dela, o público já sofreu (no pior sentido) com “Vende-se um véu de noiva” e “Revelação”. Nestas duas produções, a grande marca que ficou ao telespectador foi a completa falta de carpintaria para estruturar e organizar um capítulo. As tramas estavam confusas, não se tinha um norte para guiar as novelas. Pelo menos, em “Corações Feridos”, Íris Abravanel aparou esta aresta. A história central (que envolve os atores Flávio Tolezani, Patrícia Barros e Cynthia Falabella) está definida, embora não seja interessante.

O texto original é de Caridad Bravo Adams e uma versão mexicana foi exibida no SBT em 2000 com o nome de “A Mentira”. Faz-se necessário registrar aqui que esta novela não alcançou o sucesso de audiência de antecessoras como “A Usurpadora” (exibida no Brasil em 1999) e “O Privilégio de Amar” (que o SBT veiculou em 1999/2000). O esquema reduzido (tanto de capítulos quanto de personagens) pode ter beneficiado Íris Abravanel a não cometer tantos pecadilhos ao longo das cenas.

No entanto, há alguns estereótipos que a equipe de Íris Abravanel faz questão de retomar, cena após cena. O maior deles é o famigerado merchandising social. No manual “Como escrever uma novela de Íris Abravanel”, com certeza há o item: subentenda merchandising social como alerta sobre os perigos das drogas. Além de ser um tema chavão, as três novelas de Íris recorreram à mesma “polêmica” fajuta: em “Revelação”, Fausto (Marcelo Saback) era um traficante internacional de drogas; em “Vende-se um véu de noiva”, o personagem Felipe (Vinícius Ricci) era usuário de cocaína e heroína. Em “Corações feridos”, os personagens Camila (Rita Batata) e Dinho (Bruno Autran) se envolvem com o uso de drogas. É tudo tão repetitivo e entediante que chega a ser desprezível.

O fraco texto e os clones de “preceitos novelísticos” só fazem amargar um ponto que poderia ser o forte do SBT: a produção. As novelas da emissora já tiveram grandes desfalques neste quesito (principalmente na década de 1980, onde tudo era muito pobre e amador). Atualmente, o SBT tem se esforçado para se equiparar às rivais Globo e Record em termos de qualidade visual e cenográfica. Os cenários de “Corações Feridos” são muito bem planejados, de bom gosto, com adequada iluminação. As direções de arte e de fotografia acertaram em seus trabalhos. Todavia, tanta dedicação e cuidado vão por água abaixo diante de cenas tão mal escritas.

Outro aspecto questionável é o elenco (talvez o eterno calcanhar de Aquiles das produções do SBT). É difícil arrancar algum resultado positivo quando se tem atores tão histriônicos como Patrícia Barros (Amanda), Flávio Tolezani (Eduardo), Simone Zucato (Cinira), Rita Batata (a já citada Camila), Jacqueline Sato (Bianca), Victor Pecoraro (Vitor), entre tantos outros. Diante de tamanho caos, como é que profissionais como Antonio Abujamra (Dante) e Iara Jamra (Loreta) conseguirão apresentar um trabalho digno? Com o excesso de amadorismo dos colegas, Cynthia Falabella (intérprete da caricata vilã Aline) até consegue disfarçar seus excessos e falhas...

Ainda sobre o elenco, vale a pena destacar dois pontos. Um deles é a presença da excelente atriz Elisabeth Hartman (vivendo Tita), egressa dos tempos da Tupi, mas que há muito não aparecia em telenovelas. Sua atuação é segura e deliciosa (embora o personagem seja pequeno), consequência de anos de experiência na laboriosa arte de atuar. O outro ponto é a escalação de uma atriz de descendência oriental, Eda Nagayama (Regina). Lembro-me de uma antiga reportagem de jornal que investigava justamente a dificuldade de atores nipônicos para conseguirem papéis em telenovelas. Um dos entrevistados disse que o ator oriental estava fortemente preso aos estereótipos (assim como os negros, em sua grande maioria chamados para personagens escravos em novelas de época). A personagem Regina poderia ser vivida por uma profissional de qualquer origem. Eda Nagayama (dentro de certos limites) consegue apresentar um trabalho regular e rompe essa barreira que sua origem acaba lhe impondo.

Entre mortos e feridos, salva-se o diretor da novela Del Rangel (assessorado por Rodolfo Silot e Luis Antonio Piá). Se o trabalho dele não engrandeceu a produção, também não prejudicou em nada. Del Rangel é o tipo do diretor curinga para se estruturar um núcleo de teledramaturgia. Pena que, em muitos casos, assim que o departamento começa a dar resultados, logo ele é dispensado. Não foi diferente no SBT, que, acima de tudo, ainda teve a esquizofrênica decisão de adiar a estreia da novela um sem número de vezes enquanto os capítulos eram gravados. Resultado: “Corações Feridos” vai ao ar dois anos depois de gravada, assim como outras novelas do SBT (por exemplo, “Pérola Negra” e “Revelação”).

A emissora de Silvio Santos tem larga tradição de amadorismo e improviso. Durante décadas, não havia uma grade de programação fixa: tudo poderia mudar do dia para a noite, de acordo com o humor do patrão. Hoje, temos um SBT mais regular. Todavia, muitos outros vícios deste período ainda permanecem por entre os corredores do Complexo Anhanguera. Texto fraco, pesada influência de roteiros mexicanos, autor inexperiente, elenco pífio, falta de planejamento, indefinição quanto aos objetivos a longo prazo de sua teledramaturgia...

Dessa forma, a reconquista do segundo lugar de audiência ainda está léguas de distância do SBT. A disputa entre Globo e Record se torna cada vez mais confortável. E Íris Abravanel já está em sua quarta novela: uma adaptação da mexicana “Carrossel”. Só resta saber quem é que, desta vez, vai se envolver com drogas: Cirilo, Maria Joaquina ou a professorinha Helena...

(por Jordão Amaral)

terça-feira, 27 de março de 2012

Coleção de erros

Aguinaldo Silva, há alguns dias, postou em seu site uma cena que classificou como de altíssima qualidade dramatúrgica. Dias depois, em seu Twitter, anunciou que pode entregar à direção da Globo uma sinopse intitulada “Fina Estampa – O Retorno”. Deve ser brincadeira (e de mau gosto). Infelizmente, “Fina Estampa” chegou ao final semana passada mostrando que de qualidade dramatúrgica tem muito pouca coisa.

Desde seus primeiros capítulos, a novela tinha um ar de algo diferente e estranho. Uma trama e capítulos que mais pareciam de novela das sete do que das novelas que estamos acostumados a assistir às nove horas na Globo. Apostou-se no humor, em cenas ácidas (muito semelhantes às que já não funcionaram em “Lara com Z”), na construção de personagens para ganhar a empatia do público, e só. Nunca demonstrou força, tudo sempre pareceu muito frágil – com exceção da protagonista Griselda (Lilia Cabral) e da personagem Esther (Julia Lemmertz).

O autor se preocupou tanto em criar aquela briga ridícula com o autor Walcyr Carrasco, dizendo que este copiou em “Morde & Assopra” a ideia de sua novela, que se esqueceu de contar a verdadeira trama principal de “Fina Estampa”. Não era sobre o filho que tem vergonha da mãe, mas, sim, da mulher dura e masculinizada que ganha na loteria, passa por uma transformação e começa a se questionar o que é mais importante, a aparência ou o caráter.

Outro ponto de grande fragilidade nesta novela foi a vilã, Tereza Cristina, de Christiane Torloni. Além do que já estamos cansados de saber (que a atriz começou a novela muitos tons acima e depois foi aparando as arestas até encontrar o jeito), tivemos um problema grave de motivação da personagem. Tereza Cristina não era uma perua, não era louca, não era uma vilã, não tinha motivos para ser má, enfim, ela não era nada, apenas uma colagem de possibilidades que não se encaixavam e que só fez aumentar o tom absurdo da novela.

Tamanha falta de motivação ocasionou um equívoco extra. Depois da metade dos capítulos, a narrativa priorizou a personagem de Christiane Torloni a ponto de colocar Griselda em segundo plano em algumas situações. Ora, se uma personagem como Tereza Cristina não tem um norte para direcioná-la, o que acontecerá com sua trama? Exatamente o que se viu da metade em diante de “Fina Estampa”: a história central perdida e inexplicavelmente interessada em sabotagens, robalos, ratos, bichas burras e planos que surgiam sem o menor porquê (já que também não fizeram a novela avançar).

E o grande segredo da vilã, então, que a deixava transtornada só de ouvir falar na Tia Íris (Eva Wilma), a única que sabia o tal mistério? Ser filha da empregada era algo realmente tão terrível que a fazia surtar? E ainda mais um segredo para ser guardado a sete chaves durante quase a novela inteira? Não, não era. Mas, como não há nada que não possa piorar... A verdadeira revelação (o primeiro mistério era um embuste) conseguiu ser igualmente ineficaz e sem lógica: Tereza Cristina é filha do falecido marido de Íris com uma amante. Depois dessa, o segredo de Tia Íris merece repousar no ostracismo juntinho do segredo de Gerson (Marcello Antony em “Passione”).

Entre outros equívocos, “Fina Estampa” também pecou pelo enorme elenco e personagens que foram paulatinamente esquecidos no decorrer dos capítulos. Alguém consegue explicar, por exemplo, quem era a personagem Deusa (Michelle Martins)? Qual era o propósito de Zuleica (Juliana Knust)? A função da personagem Luana (Joana Lerner) era exclusivamente adiantar as fofocas dos próximos capítulos? Assim como estes, é possível elencar uma série de outros exemplos. Porém, nenhum destes personagens sofreu tamanho desprestígio quanto Mandrake (Sandro Pedroso). O mágico terminou a novela exatamente do mesmo jeito que começou: mudo e com um baralho na mão.

Além de vermos, ao longo da novela, as tramas serem abandonadas, vimos também casais improváveis serem formados, bem ao estilo do autor: Daniel (Guilherme Boury) e Solange (Carol Macedo) - fico me questionando o que um jovem médico promissor veria numa periguete de favela a ponto de apaixonar perdidamente e querer casar -, Dagmar (Chris Viana) e Wallace Mu (Dudu Azevedo), Tereza Cristina e Pereirinha (José Mayer) – se a vilã é capaz de surtar toda vez que lembra que é filha de uma empregada, como é que ela foi capaz de se deitar e ter um caso com um peixeiro pobre? -, Esther e Guaracy (Paulo Rocha) e Danielle (Renata Sorrah) e Enzo (Julio Rocha) – ainda era mais negócio para Danielle continuar a tomar seus solitários porres de vinho.

Sim, a novela teve bons momentos, como a participação de Julia Lemmertz, Dira Paes, Alexandre Nero, Marcelo Serrado e, claro, Lília Cabral, além de aumentar os índices de audiência do horário. No entanto, se altos índices de audiência fossem sinônimo de qualidade, o Ratinho em seus tempos áureos deveria entrar para a Academia Internacional de Letras ou “Os Mutantes” ganhar o Emmy.

Para alcançar tantos pontos de ratings, “Fina Estampa” apontou sua mira para o que Lauro César Muniz (em muitas entrevistas) chamou de “mexicanização da telenovela brasileira”. Quem ganha com isso? Muitos, mas, com certeza, o telespectador não é um dos beneficiados...

Que venha “Avenida Brasil”, por favor!

(por André Torres)

quarta-feira, 21 de março de 2012

Bonitinha, mas indefinida


Com um título pouquíssimo inspirado (para não dizer desprezível), a autora Elizabeth Jhin retorna ao horário das seis após sua muito bem sucedida “Escrito nas Estrelas”. Em “Amor Eterno Amor”, a autora se propõe a desenvolver uma trilogia espírita da qual esta novela é a segunda parte. Pelo que fora visto nas duas primeiras semanas, estamos diante de um excelente caso de “pode dar certo, como pode não dar”. 50 a 50 por cento de chances.

Elizabeth Jhin esquematiza uma história lúdica sobre Carlos (Gabriel Braga Nunes), um misterioso e rústico homem. Sobre ele, três eixos da trama se abrem: o retorno à sua verdadeira origem, filho de Verbena (Ana Lúcia Torre); sua paixão por Elisa (Júlia Gomes), uma menina que conheceu quando era criança; e, por fim, um inexplicável dom de amansar animais (principalmente os bravios búfalos). Paralelamente, a revista Cena Contemporânea (onde trabalha a mocinha Miriam, interpretada por Letícia Persiles) realiza pesquisas para a pauta sobre Crianças do Terceiro Milênio (gerações Cristal, Índigo, etc.), o que ajuda a esclarecer ao telespectador o perfil de Carlos.

Com esta espinha dorsal, a novela discute a espiritualidade em amplos termos, como o dom que Clara (Klara Castanho) tem para ver espíritos versus a filosofia materialista de seu pai, Gabriel (Felipe Camargo). Entretanto, aqui surge o primeiro desafio. Elizabeth Jhin pode surpreender com um novo e arrebatador enredo sobre as relações permeadas pelo espiritismo ou pode cair na tentação de requentar sua novela anterior e servir ao telespectador, pretendendo que esta tenha um sabor diferente da antiga. Por ora, o que vemos no ar não chega a nenhum dos extremos. A novela não tem o mesmo apelo emocional que “Escrito nas Estrelas”, mas ainda está indefinida, hesitante, portanto, muito longe de propor qualquer traço distintivo.

Um fator que agrava – e muito – o déjà vu é a famosa repetição de elenco que a Globo promove sem dó nem piedade. Gabriel Braga Nunes, Rosi Campos e Ana Lucia Torre vieram direto de “Insensato Coração” (encerrada em agosto). Carmo Dalla Vecchia, Osmar Prado, Felipe Camargo, Andreia Horta, Tony Tornado e Miguel Rômulo mal tiveram tempo de se desapegar da novela “Cordel Encantado”, cujo último capítulo foi ao ar em setembro. Para Cássia Kis Magro, Luis Mello, Carol Castro, Suzy Rego, André Gonçalves, Vera Mancini, Marina Ruy Barbosa, Klara Castanho, Eron Cordeiro e Flávia Garrafa, a transição foi ainda mais breve: a novela “Morde & Assopra” terminou há 5 meses e olhe todos eles de novo! Sem contar Carolina Kasting, que ainda estava em “O Astro” até o final de outubro passado.

Não há talento no mundo que consiga lidar com uma imposição tão sufocante quanto a da rápida reciclagem. Ator trabalha com vivências, sensações, histórias, sentimentos, enfim, com o que há de mais profundo e visceral em cada um de nós. Para tal, deve-se respeitar o tempo de guardar o antigo personagem para maturar um novo. E nem adianta justificar que não há atores suficientes ou preparados. Em um país com tantas universidades e escolas de teatro (incluindo a própria Oficina de Atores da Globo), chega a ser ultrajante tantos atores na fila do desemprego enquanto uns poucos são espremidos até dizer chega em trabalhos quase simultâneos.

Neste festival de “essa novela eu já vi”, os erros de escalação de elenco e da imprecisão da trama ocultam o que “Amor Eterno Amor” tem de melhor: uma bela fotografia, a acertada decisão de se iniciar a trama na Ilha do Marajó, a abordagem das crianças Índigo e Cristal (assunto pouquíssimo explorado até pelos jornais e que desperta o interesse do público), a irretocável cenografia (deslumbrante e de muito bom gosto), além da trilha sonora (destaque para a música “Ainda Bem”, de Marisa Monte).

O principal acerto, no entanto, está na escalação de Letícia Persiles como Miriam. Durante a fase de pré-produção, cogitou-se um sem número de atrizes, inclusive a própria Carol Castro, para protagonizar a novela. Nada contra as candidatas ao papel. O interessante de Letícia Persiles é o frescor, a novidade, a garra de uma atriz pouco aproveitada pela televisão (seu primeiro e até então único trabalho fora “Capitu” em 2008). Sua interpretação ainda não é excelente, peca pelo tom inquieto e até nervoso que Letícia imprime em Miriam. Entretanto, encanta e seduz o telespectador. Um excelente respiro em meio a tantos nomes batidos, principalmente porque nem todos os “atores reincidentes” têm algo de novo ou interessante para mostrar.

Como já dito, o título da novela é de uma infelicidade sem tamanho. As emissoras não estão em boa fase neste aspecto: “Corações Feridos”, “Amor & Revolução”, “Vidas em Jogo”, “Insensato Coração”, “Aquele Beijo”, “A Vida da Gente”, entre outros, são nomes tão genéricos e pouco atraentes que chegam a ser quase incompreensíveis (Miguel Falabella e Maria Carmem Barbosa, por exemplo, ainda precisam explicar o que quiseram dizer com “A Lua me Disse”). Uma das características do melodrama teatral francês é justamente a escolha de um bom nome para que este seja mais um atrativo para a trama. Além de iniciar o tema de abertura da clássica “O Direito de Nascer” (tanto na Tupi em 64 e 78, quanto no SBT em 2001), “Amor Eterno Amor” dá a impressão de um impiedoso e pesado melodrama. No entanto, a novela é agradável e leve. Pelo visto, a Globo errou novamente na escolha.

A trama de “Amor Eterno Amor” é charmosa e seus capítulos são delicados e ternos. Elizabeth Jhin já provou que é muito competente para escrever uma novela das seis, sabe do riscado. Sua parceria com Rogério Gomes (diretor de núcleo) e Pedro Vasconcellos (diretor geral) também já fora positiva em “Escrito nas Estrelas”. Entretanto, nesta estreia, parece que a novela não tem o que contar, ainda não deslanchou. Esta aparente calma, reflexo da falta de unidade dramática, pode fazer entornar uma série de boas ideias. Que, aliás, nem os espíritos dariam conta de segurar...

(por Jordão Amaral)