quarta-feira, 23 de março de 2011

A costura em "Ti Ti Ti"

Desde sua estreia como autora titular em 1997, com Anjo Mau, Maria Adelaide Amaral nos propõe uma maneira inusitada de se fazer um remake. Após a Rede Globo fechar o zíper do último capítulo de Ti Ti Ti, é possível analisar quais relações, alterações ou semelhanças que Maria Adelaide Amaral costurou entre as novelas que lhe serviram de base para este retumbante sucesso: Plumas e Paetês (1980/81) e Ti Ti Ti (1985/86). Pegando como mote a música de Maria Bethânia presente na trilha sonora deste remake: “O mais importante do bordado / é o avesso...”

Como em um caleidoscópio, usando as mesmas peças para criar formas e cores diferentes, Maria Adelaide Amaral trouxe de Plumas e Paetês algumas histórias e personagens isolados para Ti Ti Ti. Marcela, na versão original, chama-se Roseli (Elizabeth Savalla). Em São Paulo, adota a falsa identidade de Marcela (para fugir do passado) e acaba reencontrando seu ex-namorado Renato (José Wilker), que se apresentara a ela como Paulo. Renato, além de noivo de Amanda (Maria Claudia), desconhece que tem uma filha com Marcela, a Paulinha.

Nesta nova versão, Renato (Guilherme Winter) engana Marcela (Ísis Valverde), dizendo-se pobre, e acredita que a namoradinha o enganou quando ela aparecer grávida. Outra alteração foi a profissão de Marcela: de modelo na trama de 1980, a personagem descobre-se em 2010 como uma boa conselheira em uma coluna da revista “Moda Brasil” (saída de Ti Ti Ti), apesar de ter feito um ensaio fotográfico no meio da trama (o que indicava que ela também seria modelo no remake).

O final de Marcela também foi alterado. Em Plumas e Paetês, Marcela morre após um acidente automobilístico que sofreu enquanto fugia de Edgar (Claudio Marzo). No remake, além de sobreviver ao acidente de carro provocado por Luísa (Guilhermina Guinle), Marcela tem um final feliz e reata seu romance com Edgar (Caio Castro).

A personagem Luísa foi outra que sofreu alterações no remake. Em Plumas e Paetês, Luísa (Maria Helena Dias) entra após a metade da história. Trabalha na agência de modelos e sua função na trama é chantagear Marcela por conta de sua identidade falsa. Já em Ti Ti Ti, Luísa aparece desde o primeiro capítulo e sua personagem ganha tamanha força que integra o triângulo amoroso Marcela/Edgar/Luísa, mantendo com este um relacionamento que a leva à loucura. Ainda na agência, Dorinha (Mila Moreira) é uma modelo que chega ao fim de sua carreira e encontra dificuldades para arranjar trabalhos por ter 35 anos. No remake, Dorinha (Mônica Martelli) passa a ser uma preparadora das modelos da agência, fazendo também o papel de “mãe” das meninas em início de carreira.

De Plumas e Paetês também saiu a história de Rebeca (Christiane Torloni). Em 1980, Rebeca (Eva Wilma) era uma viúva que passara a dirigir a fábrica de jeans que herdou do marido. Fica entre o assédio do secretário Márcio (John Herbert) e da paixão do segurança italiano Gino (Paulo Goulart). Além disso, tenta controlar com rédea curta o seu imaturo filho Jorgito (Paulo Guarnieri). No remake, Breno (Tato Gabus) também assedia Rebeca (assim como seu equivalente Márcio). Porém, descobre que está doente, passa a rever seus conceitos e assumir os erros cometidos ao longo da vida. Esta curva na história do personagem não acontecia na trama original. Já o Gino perde sua ascendência europeia e deixa de ser segurança para se tornar nordestino e operário no remake. E a Rebeca em 2010 passa a ser uma mãe menos controladora e, além de Jorgito (Rafael Cardoso), ganha mais uma filha: Camila (Maria Helena Chira), que, apesar de uma personagem original do remake, mantém um pouco da trajetória de Cláudia (Angelina Muniz), que era noiva de Edgar e, após perdê-lo para Marcela, tem um período de tristeza e agressividade (principalmente no caso da personagem de Plumas).

Se em Plumas e Paetês há mudanças em tramas e perfil dos personagens, o mesmo acontece em Ti Ti Ti. O conceito de moda passou por profundas transformações nos últimos 25 anos e Maria Adelaide Amaral preferiu desenvolver Jacques Leclair (Alexandre Borges) como um costureiro de roupas de madrinhas no Jardim Anália Franco (bairro emergente de São Paulo). Em 1985, Jacques (Reginaldo Faria) era um conceituadíssimo estilista da alta moda. Outra mudança no perfil deste personagem é que, no remake, Jacques é um profissional cafona, sem grandes talentos e que necessita da ajuda e do bom gosto de Jaqueline (Claudia Raia), ao contrário da primeira versão, onde Jacques é talentosíssimo.

Jaqueline talvez tenha sido a personagem que sofreu a maior mudança entre as versões. Em 1985, Jaqueline (Sandra Bréa) era uma ex-modelo que trabalhava na administração da maison de Jacques Leclair, enquanto mantinha um caso com ele. Passada para trás por Clotilde (Tânia Alves), Jacqueline é seduzida por Victor Valentim, torna-se importante alvo na disputa dos dois rivais e, no final, termina ao lado de Adriano (Adriano Reys). Em 2010, Jaqueline se torna uma personagem esfuziante e atrapalhada, que nutre uma carência enorme. Com altíssimo bom gosto, já fez de um tudo em sua vida: desde vocalista de uma banda dos anos 80, o Boletim de Ocorrência, até noviça em um convento, onde monta uma confecção, a Daspec...

A construção dos protagonistas de Ti Ti Ti por parte dos atores também é distinta. Reginaldo Faria desenvolveu um André Spina bastante malandro e sedutor, que, quando se transformava em Jacques Leclair, fingia-se de gay. Já Alexandre Borges apresentou um personagem desvairado, completamente imerso em seu ego e, justamente por esta falta de prumo, acaba desmunhecando em diversas situações. Inclusive, no remake, André Spina e Jacques Leclair acabam sendo um só, sem distinções. Já o Victor Valentim de Murilo Benício era a própria figura do charlatão. É sim dono de uma boa retórica, charmoso, porém não consegue esconder vestígios de sua farsa, como, por exemplo, o espanhol mal falado. Em 1985, o Victor Valentim de Luiz Gustavo era praticamente uma persona, uma entidade. Também altamente charmoso, falava perfeitamente o espanhol e seduzia suas clientes ao declamar versos de Lope de Vega.

A fusão de personagens é outra modalidade que acontece com bastante frequência neste remake. Desirée (Mayana Neiva) nasceu de Ana Maria (Thaís de Campos em Ti Ti Ti) e Nadir (Solange Theodoro em Plumas e Paetês). De Ana Maria, Desirée herda a trajetória profissional como modelo e o parentesco com Nicole (Lúcia Alves em 1985, Elizângela em 2010), mãe e filha. Já de Nadir, Desirée traz a relação com Jorgito, porém, de forma bastante modificada. Nicole soma a história de sua homônima em Ti Ti Ti e o parentesco de Bianca (Myrian Pérsia em Plumas) com Gino. Aliás, assim como Gino, Nicole e Desirée passam a ser nordestinas no remake. Amanda (Thayla Ayala) é a mistura inusitada de dois personagens: Amanda de Plumas, por sua profissão, e Alex (Tato Gabus) por sua relação de parentesco com Jacques Leclair em Ti Ti Ti, ou seja, filho bastardo.

Também merece destaque a mudança que a personagem Marta teve entre as duas versões de Ti Ti Ti. Em 1985, Marta (Aracy Balabanian) é contra o relacionamento de sua filha Gabriela (Myrian Rios) com Pedro (Paulo Castelli) por ter sido amante dele no passado, o que causou sua demissão da maison de Jacques Leclair. Já em 2010, o impedimento por parte de Marta (Dira Paes) é causado porque ela fora abandonada por Jacques enquanto estava grávida de Amanda. O envolvimento de Gabriela (Carolina Oliveira) e Pedro (Marco Pigossi) no remake só acontece na segunda metade da novela, enquanto que, na versão original, a história dos dois personagens se inicia logo nos primeiros capítulos. Como a trama em 1985 acabou ficando muito presa à falsa gravidez de Gabi, Maria Adelaide Amaral imprime mais ritmo à trama quando retarda a entrada de Pedro no remake. Enquanto isso, Gabi está envolvida com Luti (Humberto Carrão) que, por sua vez, será apaixonado por Valquíria (Juliana Paiva) e Camila (Maria Helena Chira).

Também há a inusitada saída do armário de alguns personagens no remake. Adriano (Rafael Zulu) e Osmar (Gustavo Leão) são homossexuais, todavia, nas respectivas novelas originais não havia nenhuma intenção neste sentido. A inserção deste tema foi importante, pois, trabalhada de modo natural (principalmente no caso de Osmar e Julinho, vivido por André Arteche), trouxe discussões positivas entre o público.

O batom Boka Loka e o prêmio Tesoura de Ouro, histórias que movimentaram a novela em 1985, voltaram no remake repaginados. O batom (que causa loucuras em quem o usa) ganhou o nome da novela, sendo também comercializado por uma empresa de cosméticos. Já o prêmio se torna um “Fashion Week”. Em 2010, os vencedores foram Rony Pear (Otávio Reis) e Help (Betty Gofman), entretanto, em 1985 quem ganha prêmio é mesmo Jacques Leclair.

Corta, alinhava, junta, borda... como se pode perceber, as costuras foram muitas. Não só em relação a tramas e personagens, mas também em peripécias e temas. Há muitas outras alterações a se comentar, mas as principais, a meu ver, são estas. A técnica de remake de Maria Adelaide Amaral é perigosa, pois faz profundas incisões nas tramas originais. Porém, não há como negar que ela faz um remake como ninguém!

P. S. – Uma última curiosidade (que nada tem a ver com Maria Adelaide Amaral): já perceberam que a letra da música-tema de Ti Ti Ti não é exatamente a mesma nas duas versões? Corram para o You Tube e vejam que, em 2010, a música começa deste jeito: “Se pintar um negócio na China / Corre e vê se eu estou lá na esquina”. Na abertura de 1985, vocês ouvirão “Se pintar um negócio na esquina / Corre e vê se eu estou lá na China. Confiram...

(por Jordão Amaral)

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