quarta-feira, 20 de julho de 2011

A mágica de "O Astro"



É um pássaro? É um avião? É uma telenovela? É uma macrossérie? Não, é o remake de “O astro”, o megassucesso de Janete Clair que, agora, volta em uma releitura de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro. Apesar da óbvia indefinição durante o lançamento, as boas atuações do elenco, uma dinâmica interessante ao texto e a segurança dos autores e da direção – de Mauro Mendonça Filho, Fred Mayrink, Allan Fiterman e Noa Bressane – garantiram um espetáculo nesta primeira semana, aumentando (merecidamente) a audiência do horário das 23h.

A confusão em se definir de qual tipo de texto se trata “O astro” é sintomática. Como já disse em outros artigos, cada gênero (telenovela, minissérie, série etc.) não se distingue pelo número de capítulos, mas sim por inúmeras características inerentes à escrita. Neste caso, os autores optaram por uma estrutura muito próxima à da minissérie (apesar de o site já ter nomeado como especial e, agora, como novela): cenas concentradas, sem acontecimentos desnecessários nem muitas explicações, personagens reduzidos, andamento ágil das histórias, poucas tramas paralelas, etc. O macete foi um recombinar de ações da novela original, ou seja, sequências que duraram três capítulos, passaram a poucas cenas ou até mesmo a parte delas, sempre de modo objetivo, direto ao ponto. É um excelente respiro para a teledramaturgia e, com a experiência de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro adquirida ao longo de muitos trabalhos neste sentido, o resultado foi altamente positivo.

Também por causa desta “velocidade” que se imprimiu na narrativa, muitas peripécias podem cair na gratuidade. Vejamos o caso de Márcio (Thiago Fragoso) e sua nudez no final do primeiro capítulo. O conflito entre este personagem e Salomão Hayala (Daniel Filho) é denso, passa por muitos matizes (poder, autoridade, dinheiro, amor, afeto, referência entre pai e filho, compreensão ao próximo, entre outros). O episódio necessitava de mais cenas (não propriamente capítulos) para que se trabalhasse de modo satisfatório a complexidade que leva Márcio a tirar a roupa, como São Francisco de Assis. Tal como foi ao ar, nós, o público, acabamos partilhando da mesma visão de Salomão: este personagem é um desajustado, um mimado que tira a roupa na frente de todo mundo porque o pai quer que ele participe da festa. A sequência, muito bem produzida e escrita, adquire um tom infantil e de birra se analisarmos a fundo tais motivações. Todavia, este exemplo só não se encaixa integralmente neste problema porque o público, com sua forte referência da cena original (clássica na história da teledramaturgia), recorreu à memória afetiva da novela para poder recodificar o que se viu na nova versão. Trata-se de um ponto a que os autores devem devotar o máximo de cuidado, pois agora se conseguiu evitar a banalização, mas, na próxima ocorrência, esta complementaridade pode não funcionar.

Do elenco, Francisco Cuoco, Guilhermina Guinle, Fernanda Rodrigues, Thiago Fragoso, Alinne Moraes, Selma Egrei, José Rubens Chachá e Antonio Calloni abrilhantaram a primeira semana e deram a devida importância a seus personagens, sem faltar nem extravasar talento e energia. O caso de Rosamaria Murtinho, então, é excepcional. Passou a semana como uma eminência parda, esgueirando-se por detrás de cenários, personagens e acontecimentos, como convém à tia Magda. Entretanto, em apenas uma oportunidade (a cena do café da manhã com Salomão Hayalla, em que desabafa sobre seu passado), mostrou toda a força e inteligência de sua atuação, fazendo aumentar ainda mais a importância de sua presença. Regina Duarte e Daniel Filho também não decepcionaram e, trazendo os respectivos personagens mais próximos de seus estilos, provaram que têm uma química infalível, assim como pudemos acompanhar em “Vale tudo” e “Rainha da sucata”. Porém, o grande destaque da primeira semana foi Rodrigo Lombardi, que afastou a imagem do politicamente correto Mauro de “Passione” em tempo suficiente para encarnar o misterioso e envolvente Herculano Quintanilha. Se não brilhou mais, o motivo foi o desmembramento do personagem original em Herculano e Ferragus.

A direção-geral de Mauro Mendonça Filho, com gerência de núcleo de Roberto Talma, foi segura, exata, explorou de forma eficaz os closes, os planos gerais e nos trouxe um trabalho de produção de bom gosto, plasticamente bonito e agradável. Todavia, deve-se registrar que alguns efeitos especiais (especialmente o manjadíssimo chromakey) estiveram tão falsos e malfeitos que estavam no mesmo nível que o mexicano “Chaves”. Por exemplo, a inserção da Igreja da Penha na cidade cenográfica estava horrível. Na cena em que contracenam Rodrigo Lombardi (Herculano), Humberto Martins (Neco) e Alinne Moraes (Lili), é nítido que o painel para o efeito especial está atrás de Humberto Martins. Também houve um erro na caracterização de Clô Hayalla que, de elegante e refinada, passou para cafona, com um aplique no cabelo estranhíssimo. Todo o efeito kitsch que havia versão original foi parar em Clô, justamente a personagem que destoava deste clima em 1977.

Mesmo diante de alguns pontos negativos e tantos outros positivos, o que fica desta primeira semana é o excelente texto de Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro na nova versão. Escrever remakes de novelas de Janete Clair é sempre um árduo trabalho, por alguns motivos: são obras arraigadas ao cotidiano, tratadas com muita cerimônia e até melindre, além da já referida memória afetiva do público. “Irmãos coragem”, por exemplo, foi regravada com tamanha grandeza que recebeu tratamento de cinema na imagem, entre outros excessos que ocultaram o que havia de mais importante na trama: o roteiro. Alcides e Geraldo seguiram o caminho contrário, não se intimidaram e se apropriaram da história, tornando-a moldável ao estilo e à vivência dos dois. Por incrível que pareça (o mesmo apoderamento norteou Maria Adelaide Amaral em “Ti-ti-ti”), esta postura diante do roteiro original não é um desrespeito à autora, mas uma eficaz maneira de se injetar mais gás à trama. E, se a tendência da primeira semana se confirmar, Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro farão com que esta nova versão de “O astro” seja mais do que uma novela, uma macrossérie ou um especial. Seja um grande sucesso.


QUENTE
Rodrigo Lombardi, Francisco Cuoco, Guilhermina Guinle, Fernanda Rodrigues, Thiago Fragoso, Alinne Moraes, Selma Egrei, José Rubens Chachá, Antonio Calloni, Rosamaria Murtinho, Regina Duarte, Daniel Filho, Mauro Mendonça Filho e Roberto Talma marcaram de forma indelével a estreia de “O astro”. Todavia, os grandes nomes desta produção são Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro que, com competência, sensibilidade e inteligência, conseguiram atrair tanta atenção, apesar da errônea divulgação e do horário instável.

MORNO
As atuações de Carolina Ferraz e Marco Ricca foram praticamente nulas. Faltou charme na elaboração de Samir, não houve força na construção de Amanda. Dois personagens centrais que não trouxeram nada à trama. A abertura também merecia melhores ideias. Se a música (sempre linda) de João Bosco fala de ametistas, a vinheta é invadida por várias dela; se ouvimos a palavra mão, Rodrigo Lombardi logo trata de mostrar a sua. A obviedade é o cerne da abertura.

FRIO
Humberto Martins ainda não sabe quem é Neco. Falta definir a ele se Neco é um safado, um típico malandro ou um bobo. Em cenas com Alinne Moraes, ele apresenta um personagem; já diante de Rodrigo Lombardi, vemos outro personagem completamente diferente. Não se mantém uma unidade de atuação (mesmo sendo o personagem complexo). Além disso, os efeitos especiais e algumas caracterizações (como a de Regina Duarte) são malcuidados e, de especiais, passam facilmente a efeitos artificiais.

(por Jordão Amaral)

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