sábado, 4 de fevereiro de 2012

O brado vacilante


Findou-se na semana passada uma minissérie (ou seriado?) que prometeu aos telespectadores mostrar a vida pública e privada de um presidente da República. “O Brado Retumbante”, de autoria de Euclydes Marinho, Denise Bandeira, Nelson Motta e Guilherme Fiúza, mostrou um grande espetáculo cinematográfico, mas deixou a desejar em uma série de pontos. Hesitou quando poderia ter avançado. E todos os integrantes perdem com o resultado morno do programa.

A começar por Domingos Montagner. Em seu terceiro trabalho seguido na Globo desde que estreou no seriado “Divã”, o presidente Paulo Ventura poderia se tornar um personagem icônico para o ator. Um modelo de ética na vida pública, um sujeito cheio de falhas e pequenos pecados em sua vida privada. É um perfil complexo e bem formulado para conduzir a trama. Todavia, o personagem rendeu menos do que poderia, principalmente no lado presidenciável. O sotaque estava incerto e faltou energia para viver um homem que empolga o país com suas ideias diferenciadas. O que salvou Domingos Montagner de um fracasso foram os dilemas familiares do personagem. Suas cenas com Maria Fernanda Cândido (Antônia), Juliana Schalch (Marta), Murilo Armacollo (Júlio/Julie) e Maria do Carmo Soares (Julieta) tiveram sensibilidade e talento em doses exatas.

Um ponto altamente positivo do programa foi um elenco de nomes desconhecidos pelo público de TV. Profissionais do teatro e do cinema como Ida Celina (ainda que sem grandes oportunidades como a psicóloga Regina), Cacá Amaral (Saldanha) e Maria do Carmo Soares (que há muito tempo não aparece em produções globais) trazem uma densa bagagem que a televisão, sempre acusada de ser um veículo fugaz, ainda não aproveitara como merecido.

Porém, se houve o benefício em se escalar atores com trajetórias profissionais alheias à televisão, também encontramos em “O Brado Retumbante” aquele feijão com arroz irritante. Pense rápido, caro leitor: quantas vezes você já viu José Wilker (Floriano Pedreira) interpretar um sujeito corrupto, amoral e cínico? Com certeza, muitas. E o que dizer de Otávio Augusto (Beijo), que volta à televisão para fazer o mesmo contraponto cômico que ele faz desde há muito? Talvez, tenha-se reiterado os mesmos rótulos dos famosíssimos atores para contrabalancear o impacto (leia-se risco) de escalar atores que o grande público não conhece. Resultado: talentos versáteis como José Wilker e Otávio Augusto continuam a ser desperdiçados em aparições medíocres.

Para fechar a questão do elenco, há que se destacar a presença de mais quatro atores: Maria Fernanda Cândido, Mariana Lima (Fernanda), Luiz Carlos Miele (Senador Nicodemus) e Hugo Carvana. A primeira vem de uma carreira inconstante, alternando trabalhos excelentes (como em Terra Nostra – 1999/00 – ou Um Só Coração – 2004) e participações pífias (como a Fabiana de Paraíso Tropical, em 2007). Aqui, Maria Fernanda prova que é capaz de construir personagens com nuances sutis e vibrantes. Só falta melhorar a entonação que não acompanha suas expressões. Mariana Lima e Luiz Carlos Miele entram na categoria de hors concours. São talentosíssimos e esbanjam inteligência e empatia em seus raros trabalhos na televisão. E Hugo Carvana (que participou apenas do último episódio como o ex-presidente Mourão) nos presenteou com uma interpretação vigorosa, delicada e comovente.

Postas as considerações sobre o elenco, vamos ao que, na minha opinião, foi o maior problema da minissérie: o texto. Como já disse anteriormente, o protagonista foi construído com grande complexidade, o que poderia brindar o telespectador com grandes tramas, sacadas perspicazes e momentos empolgantes. Nada disso aconteceu. O que vimos foi um grande pastiche de filmes americanos e situações reais. A maior prova desta mistura de referências é que o programa não teve uma identidade definida. Não foi um drama, também não chegou a ser puro melodrama, algumas cenas flertaram com a comédia elegante, outras tentaram ser sarcásticas mas só conseguiram ser cínicas mesmo. Teve de tudo e não foi nada disso.

Outro aspecto estranho foi a inconstância na qualidade dos capítulos. Alguns foram tão bons que ficou difícil de acreditar que a mesma equipe foi capaz de escrever outros tão constrangedores. Vejamos o caso dos capítulos 03 (sobre o projeto de responsabilidade pública e o posterior atentado a Paulo Ventura) e 04 (aniversário de Antônia e o escândalo dos livros didáticos). O roteiro para o atentado sofrido pelo protagonista foi ágil, forte, coeso e interessante. Contudo, eis que chegamos ao capítulo 4, o coletivo de obviedades e chavões nesta produção. A problemática dos livros didáticos foi tratada com tanta superficialidade e despreparo que se apelou diversas vezes para ideias clichês e/ou irrisórias. O clímax da vergonha alheia foi o embate entre Antonia e Neide (Sandra Corveloni), entremeado de falas impagáveis e generalizações burras.

Possivelmente, o grande problema de “O Brado Retumbante” tenha sido esse: superestimou-se a trama. Com grandiosos toques cinematográficos, narrou-se uma história que não tinha pegada. Faltou empatia. Entre mortos e feridos, salvou-se o público, que foi migrando calmamente para a Record e seu “Rei Davi”. A temática do poder político é fascinante, mas também traiçoeira. Afinal, em um país onde seus representantes são capazes das mais variadas peripécias dignas de Sherazade para levar adiante as mutretas, a moralização de Paulo Ventura soou, no máximo, como repeteco da Temperatura Máxima...

(por Jordão Amaral)

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