quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Cena aberta: Maria Adelaide Amaral

Pedimos à Maria Adelaide Amaral que nos enviasse uma das cenas que ela mais gostou de ter escrito, entre todos os trabalhos que já fez para a televisão. A autora selecionou uma sequência das cenas finais da minissérie JK, que escreveu ao lado de Alcides Nogueira. "Além de ter proporcionado a mim e ao Alcides muito prazer, dá uma ideia do quanto cinematográfica uma obra de teledramaturgia pode ser", disse Adelaide.




CENA 43.     FAZENDINHA. SALA. Interior. Dia.
ABRE EM JK SENTADO, VENDO TELEVISÃO. ASSISTE, INTERESSADO, À NOVELA “ANJO MAU”. NISSO, ELE OUVE UM BARULHO. VOLTA-SE E VÊ O PAI PISCANDO PARA ELE, DO CAIXÃO (CAP. 01/CENA 10), VOLTA-SE PARA OUTRO LADO E VÊ O AVÔ AUGUSTO ELIAS SORRINDO PARA ELE (CAP. 01/CENA 52 – O AVÔ DANDO UM LIVRO PARA ELE), DEPOIS ENTRA UM INSERT DELE COM NANÁ (CAP. 24/CENA 8 - OS DOIS DANÇANDO NO BAILE DO ITAMARATY) E UM INSERT DE DONA JULIA MORRENDO (CAP. 47/CENA 49). JK COMEÇA A CHORAR, COMOVIDO. CORTA.

CENA 44.      APTO. DE VERA BRANT. SALA. Interior. Dia.
VERA BRANT LÊ, EM UMA POLTRONA. TELEFONE TOCA. ELA ATENDE.
VERA BRANT — (FONE) Alô... Eu... Doyle?  
DOYLE             — (OFF) Vera, é verdade que o Juscelino morreu?  
VERA BRANT — (FONE) Que loucura é essa, Doyle?  
DOYLE             — (OFF) Estão dizendo que ele morreu... 

VERA BRANT — (FONE) Mentira! Ele está na fazenda... Foi pra lá ontem, com o Carlos Murilo, a Déa, o Ildeu, a Neusa e o César.  Eu também ia, mas um dos meus moleques ficou doente... Doyle, por favor, não divulgue essa notícia. Se souber de alguma coisa, eu ligo. (DESLIGA)
CORTA DESCONTÍNUO PARA VERA DE NOVO AO TELEFONE.
VERA BRANT — (FONE) Castelinho, o Doyle acabou de me ligar perguntando a mesma coisa... Não é verdade... Como? Foi a Sarah quem te telefonou? Ela recebeu uma chamada do Jornal do Brasil? Eu vou ver o que aconteceu! (DESLIGA)  
CORTA RENTE.

CENA 45.      FAZENDINHA. SALA. Interior. Dia.
ABRE EM JK RODEADO DE JORNALISTAS. VERA BRANT, CARLOS MURILO, DÉA, ILDEU, NEUSA, CÉSAR PRATES ALI. TODO MUNDO JÁ COM CHAMPANHE. JK PROPONDO UM BRINDE.
JUSCELINO K.    — A ocasião merece um brinde!Afinal, acabei de ressuscitar!
TODOS BRINDAM. E RIEM. CORTA.
CENA 46.     apto. de jk e sarah. sala. Interior. Dia.
SARAH, MÁRCIA, MARIA ESTELA, CORONEL AFFONSO, CIRLENE. ABRE EM CIRLENE DANDO UM COPO DE ÁGUA COM AÇÚCAR PARA SARAH.
MÁRCIA          — Foi só um boato, mamãe, não fique assim! (BEIJA SARAH)
MARIA ESTELA   — Papai está vivo, mamãe! Aproveite e façam as pazes!
CIRLENE         — É isso mesmo!  
MÁRCIA          — Eu tenho que ir pro Teatro...
CORONEL AFFONSO          Podem ir tranqüilas... Eu fico com a sua mãe!  
CORTA EM CONTINUIDADE PARA SARAH E O CEL. AFFONSO.
SARAH             — Ontem escrevi um carta tão irada para ele!... Ainda bem que a Cirlene não pôs no correio!...(CHORA) Eu sou louca por esse homem, eu sou muito apaixonada por ele, coronel Affonso!
ELE SEGURA A MÃO DELA, SOLIDÁRIO, E CORTA.
CENA 47.     APTO. DE MARISA. SALA. Interior. Dia.
MARISA E SALOMÉ. ABRE EM SALOMÉ.
SALOMÉ          — Ele está vivo, Marisa. Já desmentiram o boato!...
MARISA           — Mas eu tenho medo. Ele vem sendo seguido... A vida dele corre perigo, Salomé!
SALOMÉ            A nossa também! O que estamos vivendo é uma noite sem fim, Marisa...uma noite eterna...
CORTA.
CENA 48.     fazendinha. sala. Interior. Noite.
JK SÓ COM VERA, DÉA, C. MURILO. JK, MELANCÓLICO.
DÉA                  — Quer um uísque, presidente?
JUSCELINO K.    — Não,  obrigado... a bebida não está me descendo bem...
CARLOS MURILO   — Como foi que surgiu esse boato? Parece que de repente todos os jornalistas do Brasil foram avisados que você tinha morrido!   
VERA BRANT — Isso foi balão de ensaio pra eles verem se haveria comoção no país, caso matassem o Juscelino!  
JUSCELINO K.    — Querem saber de uma coisa? Hoje, seria muito mais útil ao meu país morto do que vivo!
CARLOS MURILO    Vamos falar de coisas alegres, presidente: o que é que o senhor está pensando fazer na sua  festa de aniversário?  
JUSCELINO K.    — (SOMBRIO) Pela primeira vez na vida não tenho a menor idéia do que irei fazer no meu aniversário!
CONGELA NO ROSTO DE JK E CORTA RENTE PARA A FOTO DO ACIDENTE COM A LEGENDA: DUAS SEMANAS DEPOIS, NO DIA 22 DE AGOSTO DE 1976, JUSCELINO KUBITSCHEK DE OLIVEIRA FALECIA NUM ACIDENTE DE AUTOMÓVEL NA VIA DUTRA. NELE MORREU TAMBÉM GERALDO RIBEIRO, SEU LEAL MOTORISTA. CORTA RENTE.
CENA 49.      SAGUÃO DO PRÉDIO DA MANCHETE. ambiente. Ext. NOITE.  
ABRE NOS DOIS CAIXÕES (O DE JK E O DE GERALDO RIBEIRO) COLOCADOS LADO A LADO. COROAS DE FLORES, VELAS ETC (COMO NAS FOTOS). HÁ POUCA GENTE AINDA. DE LUTO FECHADO, SARAH ESTÁ PRATICAMENTE SEDADA. COM ELA, MARIA ESTELA, RODRIGO E O DR. ALUÍSIO SALLES. MÁRCIA CHEGA. ABRAÇOS E CHORO CONVULSIVO DAS FILHAS E DA MÃE. ESTÃO TAMBÉM OS FAMILIARES DO MOTORISTA NEGRO GERALDO RIBEIRO (A MULHER ELZA, AS FILHAS LOURDES E ELZA E O IRMÃO DESTAS, MAIS VELHO QUE ELAS, TARCÍZIO – TUDO FIG.). ALGUNS AMIGOS E PARENTES CONSOLANDO SARAH, AS FILHAS E RODRIGO. SOBRAL PINTO VAI PARA SARAH.
SOBRAL PINTO  — Que país é este em que um homem do porte de JK morre sem ter o direito de servir ao seu povo?
SARAH CHORA. CAM MOSTRA A EMOÇÃO DAS PESSOAS QUE CHEGAM, BEIJAM O CAIXÃO ETC... LUCIO COSTA E NIEMEYER SE APROXIMAM DA FAMÍLIA. COMOÇÃO. CORTA P/ GERALDO CARNEIRO COM C. H. CONY.
GERALDO CARNEIRO       Cony, até parece que todos os noticiários estão censurados... A televisão não está mostrando o fato como devia.  (T) Como está Bloch?  
CONY              — Ainda em estado de choque!....
CORTA.
CENA 50.     escritório de adolpho BLOCH. Int. Noite.
BLOCH POR ALI, MUITO TRISTE. ALGUMAS PESSOAS, ENTRE ELAS RENATO ARCHER, CONVERSAM EM VOZ BAIXA. AMBIENTE DE EMOÇÃO. MURILO MELO FILHO ABRE A PORTA E ENTRA CARLOS LACERDA. SILÊNCIO. ELE VAI PARA BLOCH.
CARLOS LACERDA            — (EMBARGADO) O Juscelino morreu... e uma parte de nós foi com ele... A nossa geração, Bloch... 
CAI NOS BRAÇOS DE BLOCH, E AMBOS CHORAM MUITO. ENTRA OFF DE CARLOS LACERDA QUE ATRAVESSA AS PRÓXIMAS DUAS CENAS.
CARLOS LACERDA            — (OFF) O acidente em que morreu o presidente Juscelino repõe a verdade perante a nação. Recorda, brutalmente, que no Brasil, Juscelino foi a prova que a democracia tanto quanto necessária, é possível! Seus erros não foram maiores do que os que são praticados pelos que renegaram seus compromissos com a democracia. Seus acertos, sim, foram muito maiores. Ele foi grande na generosidade. Soube perdoar, soube esquecer... Combatê-lo foi difícil, precisamente porque em vez de se vingar ele procurava compreender. Sua cordialidade era tão brasileira que faz desejar não tenha morrido com ele essa característica, entre todas a melhor, do povo donde saiu o filho de d. Julia.
CENA 51.      FRENTE DO PRÉDIO DA MANCHETE. ambiente. Exterior. Dia.
ABRE COM A CAM MOSTRANDO UMA FAIXA, COMO SE ALGUÉM TIVESSE PINTADO UM LENÇOL NUM PRÉDIO PRÓXIMO: O SOL VEIO TE DAR ADEUS. IMAGENS DE FILMES E FOTOS CLIPADAS COM IMAGENS DE NOSSOS PERSONAGENS, MOSTRANDO A MULTIDÃO ENTRANDO NO HALL DO PRÉDIO. MUITOS SOLDADOS FISCALIZANDO. CORTA RENTE PARA:


A continuação vem no próximo post no final da semana...

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Uma pequena grande homenagem


Ternura, carinho, reverência, afeto, respeito, saudade. São estes alguns dos sentimentos que transbordaram nos quatro capítulos da microssérie “Dercy de Verdade”. A missão de Maria Adelaide Amaral, autora da microssérie e da biografia “Dercy de cabo a rabo”, foi explorar os mais variados vértices da personalidade de Dercy Gonçalves: a debochada, a malandrinha, a sofredora, a mãe, a batalhadora, a injustiçada, a mulher, a vencedora... Este desafio ao qual a autora se impôs deixa a seguinte impressão: Dercy merecia há anos uma releitura que a fizesse justiça.

Muitas foram as felicidades desta produção, a começar pela importância da homenageada. Dercy Gonçalves tem uma trajetória única nas artes do Brasil, nunca percorrida nem seguida por nenhuma outra artista. Talvez porque não tivessem coragem para tal ou porque não houvesse talento comparável ao de Dercy... Em seus 101 anos de vida, atuou em todas as correntes e modalidades para uma atriz/comediante. Começou em teatros mambembes, cantou em shows na Praça Tiradentes, atuou no cinema, foi estrela dos famosíssimos espetáculos de Walter Pinto, adaptou com irreverência e escracho alguns clássicos do teatro. Na televisão, soube se mostrar versátil, completa: atriz, comediante, apresentadora. Em leitura rasa, a personalidade Dercy Gonçalves estava diretamente ligada ao uso de palavrões. Contudo, são poucos os que conseguiram perceber que Dercy Gonçalves sabia chegar ao telespectador e comunicar-se com ele como ninguém.

A escalação das “Dercys” também é merecedora de tributos os mais laureados. Para Heloísa Périssé (a Dercy adulta), sobram elogios por sua composição da personagem. O maior exemplo são as cenas dramáticas. Heloísa Périssé é conhecidíssima por seu trabalho como comediante, detalhe este que não escapou à microssérie. Porém, foram nas cenas tensas, tristes e dramáticas que Périssé esbanjou competência ao definir nuances para seu tom de voz, seus olhares, seu gestual. Fafy Siqueira não ficou por menos e também surpreendeu em sua Dercy já idosa. O ineditismo surgiu porque Fafy, grande imitadora, já havia apresentado uma imitação de Dercy Gonçalves. Nada mais natural do que esperar dela um repeteco. Todavia, Fafy fugiu da imitação e ofereceu ao público momentos excelentes de uma personagem com estofo, matéria, conteúdo.

Os homens na vida de Dercy (Fernando Eiras, Cássio Gabus Mendes, Tuca Andrada, Ricardo Tozzi e Armando Babaioff) deram total suporte para o trabalho das protagonistas, o que possibilitou o brilho de todos. Destaco aqui o trabalho de Tuca Andrada (sempre excelente), de Cássio Gabus Mendes (terno e atencioso) e de Fernando Eiras. Apesar de ter participado apenas do primeiro capítulo, Fernando Eiras teve uma aparição espetacular e exata como Pascoal, o primeiro marido de Dercy. Para finalizar o elenco, a microssérie foi um excelente momento para Walter Breda (Manoel, o pai de Dercy), Rosi Campos (Bita, a irmã) e Drica Moraes (Clô Prado), apesar de sua rápida passagem pela trama.

Obviamente, alguns tropeços impediram um resultado final ainda mais satisfatório. O primeiro deles está na sonoplastia. Para tentar transmitir a ideia de brejeirice da protagonista, repetiu-se um sem número de vezes as mesmas músicas que (supõe-se) remetem aos anos 1920. O problema é que estas trilhas foram executadas mesmo quando Dercy já estava na década de 1960 ou 1970. O destaque para esta falha fica por conta da insistente repetição da versão instrumental do tema de abertura da novela “Chocolate com Pimenta”.

Outro fator problemático foi a curta duração da trama (ou a falta de recorte para a história). Como a produção foi baseada na biografia de Dercy, muita coisa acaba aparecendo na tela, mas fica sem grandes explicações. Foi um festival de personagem entrando e saindo, tramas que poderiam render muito e que, apressadas, não contaram nada. “Dalva e Herivelto”, por exemplo, não exibiu toda a vida dos dois cantores, mas abordou apenas um episódio em comum: a polêmica separação do casal. Faltou esta restrição para que o texto fosse mais coeso, mais forte.

Um grande exemplo disso é a cena em que Manoel (Walter Breda) espanca Dercy (Heloísa Périssé) por ela ter chegado tarde em casa. Enquanto apanha, Dercy canta uma música que só faz aumentar a fúria do pai. Não conseguimos ouvir nem a música direito, imersa em tantos gritos. Entretanto, basta procurar na biografia que está lá, na página 22, tudo bem explicadinho: a melodia em questão falava sobre uma criança órfã – e Dercy conviveu pouquíssimo com a mãe. Um detalhe importantíssimo para a história de Dercy que, exibido como foi, perdeu muito de sua relevância.

Mesmo assim, as falhas foram menores que os acertos. E estes agigantaram uma produção de pequena duração. A admiração de Maria Adelaide Amaral e Jorge Fernando pela homenageada estava ali, em cada cena, em cada frase dita, em cada take exibido. O saldo final foi altamente positivo, mas poderia ter durado mais capítulos. Para matar esta vontade que uma produção tão carinhosa nos deixou, só nos resta correr para ler a biografia...

(por Jordão Amaral)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Finalmente, o jogo começou

Atribui-se a Janete Clair a seguinte máxima: “Quanto mais história o novelista gastar, mais história ele terá para contar”. Sorte ou azar, todas as noites tal conselho se vê eficaz em “Vidas em jogo”, da Record. Cristianne Fridmann amargou alguns meses de uma novela sem definição nem emoção por acreditar que precisava segurar a trama do bolão até a metade a novela para torná-la atraente. Ledo engano.

Em entrevistas durante a estreia da trama, Cristianne afirmou que, a partir do capítulo 100, começariam misteriosas mortes entre os personagens envolvidos com a aposta na loteria. Não sei se a novelista cumpriu à risca o prometido número de capítulos, mas o fato é que, até chegar ao primeiro assassinato, o de Belmiro (Ricardo Petráglia), muitas semanas foram recheadas com pequenos episódios que em nada colaboraram para a estrutura da trama.

Tal arquitetura novelística foi parecida com a de “Insensato Coração”. Divide-se a novela em dois grandes blocos. No primeiro, trabalham-se as relações entre os personagens, de modo a complicá-los em trapaças, armações, invejas, amores, parcerias e mágoas, apenas cozinhando a novela (e o público) em banho-maria. A finalidade desta primeira etapa da novela é preparar o público e os personagens para a segunda parte, onde o autor resolve partir para o “tudo ou nada” e, daí, passa à trama propriamente dita, com muitos pontos de clímax e revelações fundamentais para o seguimento da novela.

E, assim como em “Insensato Coração”,  a primeira parte de “Vidas em jogo” é tediosa, claudicante e travada. A Record apresentou uma excelente estratégia de marketing no dia do sorteio premiado, ao inundar o centro do Rio de Janeiro com cédulas falsas (do escopo ambiental, tal propaganda é péssima; já do publicitário, a ação foi perfeita). Todavia, a novela se arrastou em previsíveis desencontros entre Francisco (Guilherme Berenguer), Patrícia (Thaís Fersoza) e Rita (Julianne Trevisol), além de apelar para muitas sequências gratuitas de violência e ação (o que forçou a sempre constrangedora presença dos personagens Cléber e Maurício, vividos por Sandro Rocha e Mário Gomes de forma igual e estranhamente inexpressiva). Resultado deste primeiro “blocão” da novela: um amontoado de personagens e tramas sem muita lógica conexa e, pior, a ausência de uma espinha central para a trama.

Esta primeira etapa era mais do que necessária para, por exemplo, criar fundamentos para a curva dramática da personagem Patrícia. De menina mimada e estagiária de vilã, ela se comove com uma gravidez atípica (será mãe de uma criança com síndrome de Down) e consegue reverter valores errôneos que cultivava. Só que a novela não precisaria ter evitado tanto começar os assassinatos dos jogadores do bolão, ponto decisivo para o desenrolar das tramas mais interessantes. O que foi contado em, mais ou menos, cem capítulos, poderia ter durado cinquenta, sessenta no máximo.

Entretanto, como novela é uma obra aberta e todo dia ergue-se um pedaço da construção final, Cristianne Fridmann parece ter retomado as rédeas de sua criação. A partir da explosão que vitimou os personagens Belmiro e Hermê (Bia Montez), a narrativa ganhou os contornos que necessitava para se tornar atraente e concreta (sem abrir mão do mistério). Agora, é possível afirmar que há uma trama central, personagens atuantes e uma trilha a se seguir (sem torná-la, no entanto, previsível).

O grupo de ganhadores da loteria passa a ser o personagem central. Além dos desafios que devem cumprir para se apossar de metade do prêmio, os personagens envolvidos devem lidar com os efeitos colaterais que a súbita riqueza lhes trouxe. Um deles é Regina (Beth Goulart) que prejudica seus oponentes em sua obstinada caça ao dinheiro. Nesta segunda parte da trama, Regina descobre-se soropositivo. A inclusão do tema da AIDS na novela foi excelente. Primeiro porque o tema está em discussão com o relaxamento de precauções das pessoas mais jovens (apesar da periculosidade da doença). Segundo, pois tal assunto foi tratado de forma convincente e natural, fazendo parte da vida dos personagens.

Cada um dos infectados reagiu à sua maneira, sem aquele artificial comportamento de “I will survive”. Cléber partiu para a negação da doença e, como tal, continuou a infectar outras pessoas. Andréia (Simone Spoladore) fora infectada ao ter sido estuprada por Cléber. Então, lida com o trauma da violência que sofreu e com as novas limitações que o HIV lhe traz. Para Regina, a AIDS causa revolta e ódio, mas, principalmente, um superpoder ao personagem. Afinal, ela está diante de uma morte cruel, possível e próxima. Por isso, não tem mais nada a perder. Regina se torna capaz de atitudes imprevisíveis e inconsequentes, já que não há limitações como o temor pela segurança de sua própria vida.

Outro ponto interessante desta nova “fase” é a revelação de que Augusta (Denise Del Vecchio) é um transexual. Diferente de Sílvio de Abreu e o segredo de Gerson (Marcello Antony) de “Passione”, Cristianne Fridmann foi ousada e feliz ao tratar do tema de modo instigante. Assim como em “Chamas da vida”, onde a autora falou de piromania, neste trabalho a abordagem do transexual deu um sabor a mais aos capítulos com a revolta e preconceito de Raimundo (Rômulo Arantes Neto), ainda que o ator derrape em cenas que exijam maior dramaticidade.

No quesito ação, a trama também foi beneficiada com a aceleração das progressões dramáticas. As cenas de tiroteio, fugas e violência deixaram de ser gratuitas e a direção conseguiu acertar o tom para manter a tensão do telespectador durante o capítulo. Foram excelentes as sequências da morte de Ivan (Silvio Guindane) e da fuga de Rita. Porém, justamente pela sofisticação dos estratagemas, fica complicado, por exemplo, engolir que Rita tenha sido presa pelo sequestro de Patrícia apenas porque um brinco da bailarina foi achado no cativeiro. Pior foi a inocente e fantasiosa cena em que os policiais, revistando o esconderijo de Rita, não a encontram porque não olharam justamente o local mais previsível: embaixo da cama. As intrigas são bem armadas, entretanto, algumas soluções ainda ficam a dever.

Nesta segunda parte, a novela de Cristianne Fridmann ganhou exatamente o que lhe faltava nos primeiros capítulos: contorno, definição, estrutura para que se sustentasse. Embora alguns pontos permaneçam falíveis, a produção encontrou uma unidade dramatúrgica com elementos que interagem, desafiam-se, multiplicam-se. Enfim, agora, Cristianne Fridmann tem uma boa história para contar.

(por Jordão Amaral)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O mapa astral de “O astro”

Assim como fiz no início do ano, sobre o remake de “Ti Ti Ti”, retomo agora o tema para apresentar uma comparação entre as duas versões da novela “O astro”, embora a novela já tenha terminado há algumas semanas. Ainda que se trate de um grande sucesso de Janete Clair, com fortíssima lembrança do público, a sociedade brasileira mudou de tal forma nos últimos trinta e tantos anos que uma releitura foi a melhor tática a se adotar no caso deste remake. Vejamos então algumas novidades que Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro inseriram na trajetória de Herculano Quintanilha.

O número de capítulos e o horário veiculado são duas mudanças que, a princípio, podem parecer factuais, desprezíveis até. A novela de Janete Clair teve 186 capítulos e foi transmitida às 20h, entre dezembro de 1977 e julho de 1978. Com a diminuição de capítulos (no remake foram 64) e a veiculação da obra às 23h, os autores desta nova versão tiveram dois desafios: o primeiro deles era condensar e agilizar a trama de tal modo que uma novela de sete meses pudesse ser recontada em um prazo muito menor. O segundo fato era que o horário permitiu que se tratasse de temas polêmicos da primeira versão (como o homossexualismo) de forma mais clara e mais aprofundada.

Com a aceleração da narrativa, respeitou-se a macro estrutura da novela de Janete Clair. Em linhas gerais, a caminhada de Herculano (Rodrigo Lombardi) foi semelhante à de 77 (vivida pelo icônico Francisco Cuoco). Mas, o encadeamento de episódios foi completamente alterado, partindo-se muitas vezes do zero. Por exemplo, na primeira versão, Amanda (Dina Sfat) é pedida em casamento por Herculano, mas abandona-o às vésperas de uma viagem que concretizaria tal enlace pois descobre que o amado fora responsável pela separação de Márcio (Tony Ramos) e Lili (Elizabeth Savalla). Após algum tempo, Amanda não consegue esquecer o bruxo e procura Herculano, pedindo-o em casamento. Já em 2011, Amanda (Carolina Ferraz) e Herculano (Rodrigo Lombardi) se casam, mas, logo depois, Samir (Marco Ricca) chantageia o mágico com um DVD de sua despedida de solteiro. Herculano conta a verdade para Amanda, que pede a separação. Tudo em dois capítulos.

Além disso, Herculano teve uma alteração em seus poderes. Na versão original, Herculano Quintanilha (Francisco Cuoco) era, como anunciava seu cartão de visitas, telepata, grafólogo, astrólogo, quiromante e cartomante. Ou seja, era um bruxo pois, através da vidência, conseguia desanuviar os mistérios do ser humano. Na segunda versão, Herculano (Rodrigo Lombardi) é astrólogo, cartomante e, principalmente, mágico. Além de contar com um guia, Ferragus (Francisco Cuoco), Herculano agora é um bruxo porque, através do dom de iludir, consegue influir no destino dos que estavam à sua volta.

A história de amor entre Márcio e Lili também teve nova roupagem. Na versão de Janete Clair, após se apaixonarem, Lili (Elizabeth Savalla), convencida por Herculano (Francisco Cuoco), engravida de Márcio (Tony Ramos) para se manter ligada a ele, independente da família Hayala. Só que a mãe do rapaz, Clô (Tereza Rachel), não suporta a ideia de ver o filho casado com qualquer uma – e, pior, ser avó tão precocemente. Então, a fútil socialite pede a ajuda de Herculano para colocar Lili na cadeia e fazê-la pensar que seu infortúnio se deve a uma armação de Márcio. Casal desunido, Salomão Hayala (Dionísio Azevedo) morre e deixa uma carta à família, onde pede ao filho para que se case com Jôse (Sílvia Salgado). Os dois se casam e o filho de Lili nasce. Trata-se de um menino e seu nome é Francisco. Torturada por ciúmes e complexo de inferioridade, Jôse também tenta engravidar. Demora muito, mas, quando consegue finalmente dar um herdeiro digno à família Hayala, Jôse descobre que tem uma complicação (gravidez tubária rota) e morre após uma forte hemorragia. Márcio se desespera e entra em um período de forte depressão, mas, ajudado por Lili, recupera sua vida e retoma seu casamento com a moça.

A história de Lili também teve novos contornos no aspecto familiar/profissional. Se no remake, seu algoz era Neco (Humberto Martins), na primeira versão Lili (Elizabeth Savalla) viveu um grande conflito com sua mãe, dona Consolação (Eloísa Mafalda). Abandonada pelo marido com três pequenas filhas para criar, Consolação fez de um tudo para sobreviver e, obcecada por se mostrar capaz da tarefa de excelente mãe, destinou a cada uma das filhas um caminho na vida. Para Lili, Consolação ansiava os belos passos de uma bailarina clássica. Só que Lili quis se aventurar pela seara da igualdade dos sexos, tentando na época profissões tipicamente masculinas, como taxista, barbeiro ou ascensorista. Depois de muito brigar com a mãe, Lili passa a trabalhar como secretária do Dr. Hernani Menezes (Maurício Barroso), dono de uma concessionária de carros e de uma rede de supermercados. Um belo dia, seu patrão recebe o convite para o noivado de Márcio (Tony Ramos) e Jôse (Sílvia Salgado) e, com segundas intenções, convida Lili para acompanhá-lo. Lili, consciente de que o patrão nada sabe dos laços que a une a Márcio, vê nesta uma boa oportunidade para a revanche e vai ao tal noivado, causando um imenso desconforto nos presentes. Este episódio é interessante, pois fora reaproveitado no remake em condições diversas – Salomão (Daniel Filho) assume a função de Hernani e a tal festa (não mais um noivado) é levada aos primeiros capítulos.

Por falar na família de Lili, faz-se necessário comentar sobre o casal Laura e Neco, drasticamente diferentes na primeira versão. Em 1977, estes personagens tinham a função de contraponto cômico na trama, o respiro da novela. Neco (Flávio Migliaccio) era um sujeito malandro, mas medroso, paspalho. Em Guariba, rouba o amigo Herculano (Francisco Cuoco) para poder se casar com Laura (Ângela Leal). Anos depois, estabelece-se como dono de uma barbearia no bairro carioca de Engenho Novo. É achado por Herculano, que passa a pressioná-lo a repor o dinheiro que roubou. Para se ver livre das ameaças, Neco viaja para o Acre, a fim de vender dois terrenos que possui por lá, e deixa sua recatada, submissa e doce Laura à sua espera. Quando volta, encontra Laura completamente mudada. A esposa assumiu o comando da barbearia, voltara a dançar, enfim, readquiriu sua independência. Neco tenta aceitar, quase consegue entender a nova postura da esposa. Porém, Laura aparece grávida e, pelas contas, o filho não pode ser de Neco, já que passara bom tempo no Acre. Depois do nascimento da criança, Neco cisma que o filho é de Herculano e, por vingança, trai novamente o amigo, entregando-o a seu mais ferrenho inimigo: Samir (Rubens de Falco).

A relação de ódio entre Samir e Herculano também é diferente entre as duas versões. Enquanto em 2011, Samir (Marco Ricca) buscava o poder do Grupo Hayala, em 1977, os objetivos eram outros. Na verdade, Samir (Rubens de Falco) e Amanda (Dina Sfat) eram casados e, no início da trama, estavam em um processo de desquite. Ele queria que a esposa se dedicasse mais ao casal enquanto ela estava absolutamente imersa nos problemas da construtora da família. Logo após a separação, Amanda se envolve com Herculano, o que enfurece Samir. A fúria logo se torna ódio mortal quando o bruxo, através de Márcio (Tony Ramos) inicia sua escalada dentro do Grupo Hayala. Samir busca a união do clã Hayala (não a presidência da empresa) e enxerga em Herculano um dilapidador do patrimônio da família. Então, começa sua perseguição para desbancar o vidente de sua poderosa condição de oráculo de Márcio.

Por fim, a morte de Salomão Hayala. Felipe (Edwin Luisi) e Clô (Tereza Rachel) mantinham um caso amoroso. E aqueles que não sabiam, pelo menos, desconfiavam. Um deles era Salomão que, procurando desmanchar a história, descobriu que a construtora de Amanda (Dina Sfat) tinha uma imensa dívida. O Grupo Hayala poderia emprestar dinheiro, mas Salomão condicionou o empréstimo à saída de Felipe do Brasil. Cerqueira (Ênio Santos), diretor financeiro da construtora e pai de Felipe, pressionou-o a aceitar as condições de Salomão. Com a concordância de Felipe, o dinheiro foi emprestado e o rapaz fora passar um tempo em Paris, mas não antes sem assinar uma carta onde confessava fazer parte de uma quadrilha de traficantes de drogas e listava cada um dos participantes, entre eles Mara Célia (Marília Barbosa), Henri (José Luiz Rodi) e Niltinho (Betinho). Tal listagem estava em poder de Salomão e era uma precaução caso Felipe descumprisse o acordo. Só que Felipe retorna ao Brasil em sigilo e sua primeira atitude é chamar Clô e contar sobre a lista. Os dois decidem aproveitar uma viagem de Salomão para São Paulo, a fim de procurar onde tal confissão estava escondida. Quando chegam à casa de Clô, descobrem que Salomão, avisado por Magda (Ida Gomes), voltou ao Rio de Janeiro de surpresa. Clô entra em casa para distrair o marido. Porém, Henri também foi atrás deles para ajudar na busca. Salomão, desconfiado, desce à garagem para flagrar Felipe, mas encontra Henri. Nervoso, Henri inventa que precisa de dinheiro emprestado, porém, Salomão não acredita no cabeleireiro e força-o a falar a verdade. Aproveitando-se da situação, Felipe mata Salomão com um golpe na cabeça. O corpo é levado de casa e aparece no dia seguinte na Estrada da Boa Vista. Clô, desconfiada do amante, pega a lista que achou e entrega a Herculano. Tempos depois, Herculano é pressionado a devolver a listagem e entrega-a para a polícia, solucionando o caso da morte de Salomão Hayala.

Como pudemos ver por estes rápidos pontos ressaltados, o remake de “O astro” teve uma dinâmica diferente dos anteriores. Em “Ti ti ti”, foi preciso erguer uma terceira novela, com a mescla de duas tramas, o que necessariamente obrigava a autora do remake Maria Adelaide Amaral a fazer concessões e associações de tramas e personagens de Cassiano Gabus Mendes. Já em “Uma Rosa com Amor”, o trabalho de Tiago Santiago foi de adaptação e atualização dos capítulos originais de Vicente Sesso.  Para “O Astro”, Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro mantiveram intacta a trajetória de Herculano Quintanilha, mas reorganizaram as tramas de Janete Clair e inseriram novas histórias para que o bruxo pudesse em 2011 conquistar novamente o público, assim como em 1977.

(por Jordão Amaral)

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Duelo de Titãs


Dificilmente haja melhor título para uma produção que reúne Alcides Nogueira, Geraldo Carneiro, Mauro Mendonça Filho, Roberto Talma, Rodrigo Lombardi, Carolina Ferraz, Regina Duarte, Daniel Filho, Thiago Fragoso, Alinne Moraes, Rosamaria Murtinho, Francisco Cuoco e tantos outros. Após o ponto final de “O Astro”, a sensação que fica é a de que tivemos não só um belíssimo espetáculo, mas o mais bem-sucedido remake de uma novela de Janete Clair.

Grande parte do mérito está na dupla de autores titulares, Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro. Com os colaboradores Tarcísio Lara Puiati e Vítor de Oliveira, eles apresentaram um texto forte, denso, matizado e alternaram momentos de tensão, drama, amor, comédia e lirismo. Reescrever esta famosa novela poderia fazer com que o autor, medroso por arriscar, tentasse encarnar Janete Clair. Felizmente, Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro enfrentaram o desafio com grande talento e rara beleza. Aliás, deve-se registrar a inspirada ideia de se colocar em flashback cenas da novela original. Além de uma inteligente metalinguagem, foi uma inesperada homenagem a Dina Sfat, intérprete da personagem Amanda em 1977.

Outro mérito de “O Astro” foi trazer novamente a novela como um espaço para experimentação de linguagens. Esta prática, muito comum durante a década de 1970, foi deslocada para as minisséries e as séries ao longo da década de 1980, restando à novela trilhar caminhos batidos e surrados. Encontrar na telenovela a função de ousar só faz crescer e revitalizar um gênero que os brasileiros conhecem como poucos no mundo.

Todavia, há que se puxar a orelha pelo desfecho da morte de Salomão Hayala (Daniel Filho). Ficou estranho um crime em que todo mundo deu uma ajudinha para despachar a vítima. Inácio (Paschoal da Conceição) envenenou. Youssef (José Rubens Chachá), a mando de Nádia (Vera Zimmermann), golpeou. Clô (Regina Duarte) empurrou. Só faltava revelar que quem deu o veneno a Inácio foi Úrsula (Débora Bloch), de “Cordel Encantado”...

O elenco soube aproveitar muito bem o lapidado texto que receberam. Rodrigo Lombardi conseguiu fazer de seu Herculano Quintanilha um personagem novo, e não uma cópia do original de Francisco Cuoco (brilhantemente aproveitado na trama como Ferragus). Carolina Ferraz esteve agradável, simpática e competente na pele de Amanda. Se não brilhou mais, a culpa está no próprio personagem. Amanda tem, em sua essência, um problema muito complicado para se resolver: ela depende das oscilações de Herculano, Samir (Marco Ricca), Jôse (Fernanda Rodrigues) e Assunção (Reginaldo Faria). Não há uma chama própria para guiar a personagem. Sobre tal, Dina Sfat comentou em 1978 durante uma entrevista para a Revista Amiga: “Amanda não foi uma personagem do coração da Janete. Herculano, Márcio e Lili foram. Então, não sendo do coração, ela foi uma personagem difícil de segurar e de fazer. Ficou muito envolvida no eixo central da história e foi conduzida. Ela não determinou nada. E como na vida, Amanda foi uma mulher incoerente que sempre escondeu seu lado fraco”.

As atuações de Regina Duarte, Daniel Filho e Marco Ricca valem não só um parágrafo, mas um capítulo inteiro. Os três souberam valorizar cada palavra, cada reação que lhes atribuía o texto. Todavia, pensemos rapidamente na composição dos personagens. Salomão é um imigrante libanês self-made-man sem estudo. Samir é o irmão calculista e ambicioso. Clô, apesar de fútil e refinada, é uma personagem corroída pelo desprezo e o grande desnível cultural entre ela e seu marido Salomão. Só que, na interpretação, Clô foi uma mulher de extremos, com exageros de reações que reslavaram no kitsch. Samir, apesar de engenhoso, comportou-se de maneira violenta, ao contrário da meticulosidade e discrição que se exigia dele. Já Salomão esteve elegante e charmoso – ainda que rude, exigente e cruel. Ou seja, as atuações foram brilhantes sim, mas criaram ruído entre o desempenho cênico e a psicologia dos personagens.

Para fechar o elenco, Thiago Fragoso e Alinne Moraes encantaram com seu casal Márcio e Lili. Tato Gabus (Amin), José Rubens Chachá, Vera Zimmermann, Carolina Kasting (Jamile) e Bel Kutner (Sílvia) deitaram e rolaram, fazendo dos personagens um bom momento em suas carreiras. O mesmo para Guilhermina Guinle. Apesar de ter um bom trabalho nas últimas novelas, foi com Beatriz que ela teve seu melhor desempenho até agora. Simone Soares foi outra grande surpresa, dando a Laura uma luz própria. Antonio Calloni (Natal), Fernanda Rodrigues, Selma Egrei (Consolação) e Reginaldo Faria abrilhantaram ainda mais este elenco de astros com interpretações significativas. Juliana Paes (Nina) foi um eficaz reforço para os capítulos finais. Por fim, o belíssimo trabalho de Rosamaria Murtinho. Na última semana, Magda esteve na lista dos mais comentados do Twitter. Prova de que Rosamaria emocionou muito no papel da mulher que amou demais e foi pouco amada. A cena do suicídio, então, foi de uma força e delicadeza poucas vezes encenadas na televisão.

A direção de Roberto Talma, Mauro Mendonça Filho, Alan Fiterman, Fred Mayrink e Noa Bressane é um constante acerto. As cores da trama foram carregadas para condensar a história em 64 capítulos, o que poderia descambar para uma estética do exagero (fatalmente trágico para a produção). No entanto, eles souberam dosar a mão e apresentaram uma direção de bom gosto, com planos e imagens impecáveis.

Depois do último capítulo, é muito difícil se desligar de um grande personagem. Carregamos, por exemplo, Odete Roitman e Nazaré Tedesco até hoje conosco. Mas, o que fazer quando a tristeza está em se despedir de uma equipe inteira? Tão talentosos, viscerais e pungentes foram os artistas de “O Astro”, que só nos resta o consolo de termos presenciado um raro momento de felicidade e inteligência na televisão.


QUENTE
O elenco, citado acima, e os diretores, com total mérito. E, mais do que justo, os autores Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro pelo excelente roteiro.

MORNO
Os efeitos especiais melhoraram ao longo da trama (vide a cena em que Herculano se transforma em um pássaro). Já a atuação de Humberto Martins foi problemática, cheia de caras e tipos, mas sem consistência.

FRIO
Alguns personagens não tiveram qualquer importância na trama (exemplos são Izak Dahora, Lara Rodrigues, Natália Soutto, Jefferson Goulart, Hanna Romanazzi). Em contrapartida, Ellen Roche (Valéria) muito apareceu, mas pouco apresentou...

(por Jordão Amaral)

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Tudo bem quando acaba bem

Quando “Morde & assopra” estreou, em março deste ano, tinha uma pesada cruz para carregar: o arrebatador sucesso de “Ti Ti Ti”, novela anterior. Obviamente, tal expectativa chega a ser estapafúrdia e injusta, visto que cada trama tem um alcance próprio e é relativamente complicado comparar a recepção do público. Depois de um primeiro mês vacilante, a dupla Walcyr Carrasco/Rogério Gomes dava sinais de que não vingaria. A despeito dos comentários negativos, não é que “Morde & assopra” deu certo? Ao cerrar a cortina, na semana passada, a novela deixa telespectadores saudosos e muitos pontos positivos.

Os leitores podem discordar da afirmação acima, elencando uma série de pontos discutíveis (já bastante repetidos pelas revistas e colunas de jornais) no estilo de Walcyr Carrasco. Porém, há um fato que torna este autor indiscutivelmente bem-sucedido em suas novelas: os bordões. Criar um bordão não é tão fácil assim, é necessário que o escritor tenha uma profunda sensibilidade para captar e filtrar as reações do público. Walcyr é um dos poucos atualmente que tem esta capacidade. Em “Morde & assopra”, conseguiu emplacar bordões como “é osso”, “´Áureo, fecha o armário” e “tá puxado”, além de tipos engraçadíssimos como Xavier (Anderson de Rizzi), Áureo (André Gonçalves) e Elaine (Otaviano Costa).

Tal sensibilidade, aliás, permitiu que Walcyr conseguisse colocar a novela nos trilhos. Se, por um lado, foi um erro abortar o núcleo japonês, por outro, focar boa parte da novela nos núcleos de Dulce (Cássia Kiss Magro) e Minerva (Elizabeth Savalla) foi uma inteligente opção. Delas, falaremos adiante. Neste momento, é primordial dizer que, com as alterações, as tramas de Naomi robô (Flávia Alessandra) e Júlia (Adriana Esteves) sofreram muito. Eram histórias interessantes e que poderiam empolgar, mas que necessitavam de perfeita apresentação e tempo para o desenvolvimento dos personagens. Como os dois foram negados ao autor, pela necessidade de uma rápida resposta em termos de audiência, a novela foi obrigada a pegar um atalho para conquistar o público.

E é precisamente neste atalho que Walcyr Carrasco e Rogério Gomes se mostraram competentíssimos. A tábua de salvação da novela atende pelo nome Dulce. Walcyr nos apresentou um personagem tão humano, tão imbuído de sentimentos nobres e tocantes que foi difícil ao telespectador ficar indiferente. Para completar, com Dulce, Cássia Kiss Magro renova o arsenal de elogios para seu trabalho e prova que uma atriz com mais de 30 anos de carreira ainda consegue apresentar surpresas encantadoras em seus trabalhos. Sim, Dulce foi encantadora. E tal magia vem da generosidade de Walcyr e da inteligência de Rogério Gomes e equipe. Mas ela não seria a mesma sem a composição orgânica e a entrega incondicional que Cássia Kiss Magro prestou à sua personagem. Cássia viveu a personagem, não a representou.

Além de Cássia Kiss Magro, Elizabeth Savalla também experimentou um bom personagem, ainda que Minerva não represente uma novidade na carreira da atriz. Porém, valeu muito a pena acompanhar os dilemas de Minerva, Isaías (Ary Fontoura), e Virgínia (Bárbara Paz). Como consequência do sucesso deste núcleo, estão Alice e Lilian. As personagens de Marina Ruy Barbosa e Narjara Turetta cresceram na trama e as atrizes souberam esbanjar talento. Faz-se necessário comentar que, pela primeira vez em muitos anos, Narjara Turetta consegue um papel com história, nuances e importância na trama (diferente de sua participação em “Páginas da Vida”).

Entretanto, nem tudo foi festa na novela. O principal defeito de “Morde & assopra” foi ter apostado alto em um ator tão inexpressivo como Klebber Toledo. Sua participação como Guilherme sucumbiu em boa parte das cenas, tão inócuo é o talento do rapaz. Sem dúvida alguma, trata-se de um belíssimo homem. Porém, se ele não se dedicar mais ao ofício de ator, corre imensamente o risco de integrar o nem tão seleto grupo de homens como Mário Gomes ou Ricardo Macchi: lindíssimos, mas com talento limitado ou escravizado pela beleza.

Também merecem justíssimos aplausos Flávia Alessandra (perfeita composição de sua Naomi robô), Adriana Esteves (mesmo que, no início, tenha ressuscitado a personagem Catarina, de “O Cravo e a Rosa”), Mateus Solano (inteligente e sensível ao criar o apaixonado Ícaro), Marcos Pasquim (mesmo que Abner não tenha exigido muito), Carla Marins (em excelente retorno à Rede Globo), Klara Castanho, Vanessa Giácomo (Celeste tinha a dose exata de sensualidade, rebeldia e nonsense), Jandira Martini, Walderez de Barros, Carol Castro, Vera Mancini (com sua deliciosa Cleonice) e Paulo Goulart (mais um caso de excelente ator em um personagem banal).

Por fim, termino este artigo com a melancolia de ter acompanhado o trabalho de Paulo José e Emiliano Queiroz. Seja pela idade ou pelas limitações de saúde, é triste ver que o talento vulcânico dos dois esteja limitado pelas condições físicas. Espero que a participação deles na trama tenha feito o telespectador perceber que, por pior que seja a adversidade, é importante e vital que se continue. Até o último instante.


QUENTE
Além dos já citados acima, Marisol Ribeiro e Erom Cordeiro tiveram uma importante presença na trama com a questão do celibato religioso. Também merecem homenagens os diretores Pedro Vasconcellos, André Felipe Binder, Fábio Strazzer e Roberta Richard e a caracterização da novela, supervisionada por Valéria Toth. Por fim, o robô Zariguim foi um charme extra à novela!

MORNO
Caio Blat é um excelente ator. Porém, o personagem Leandro passou boa parte da trama se debatendo em um dilema que, no final, tornou-se banal: o amor do jardineiro pela Naomi Robô (Flávia Alessandra). Além disto, aos atingidos pelas mudanças na trama. Ana Rosa, coitada, quase não apareceu na novela!

FRIO
Paulo Vilhena (Cristiano), Luís Melo (Oséas), Nívea Stelmann (Lavínia), Rodrigo Hilbert (Fernando), Cissa Guimarães (Augusta). Chegaram a divertir, porém, noves fora, tais histórias não adicionaram nada à novela. A equipe de efeitos especiais também ficou a desejar com dinossauros em clara dissonância dos elementos reais.

(por Jordão Amaral)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Sim, é a vida da gente!


Falar que “A vida da gente” foi uma grata surpresa após o término de “Cordel Encantado” é pouco. Falar que a estrutura da novela lembra o estilo de Manoel Carlos – o dos bons tempos e não o dos últimos anos – também é pouco. São tantos os acertos da nova novela das seis da Globo que fica difícil sabermos por onde começar.

Bem, comecemos falando do texto de Lícia Manzo. Talvez seja o que mais chama a atenção, além de ter personagens bem delineados. O texto da autora é tão preciso, tão interessante! Lícia, em oito capítulos, mostrou uma grande habilidade na construção das cenas e dos diálogos, apontou os conflitos dos personagens de maneira intensa. Difícil não se envolver e querer continuar acompanhando. De cara o público foi brindado com grandes cenas entre Ana (Fernanda Vasconcelos) e Eva (Ana Beatriz Nogueira).

A primeira semana da novela focou nas motivações dos personagens principais e na rede de conflitos em que Ana está envolvida por conta dos desejos e necessidades de sua mãe, Eva. Quantos jovens não tem suas vidas sacrificadas por causa dos pais? A trama pode não ser inovadora, mas a pergunta que fica é: quantas novelas conseguiram trabalhar esse conflito da maneira que está sendo tratada agora? Não me recordo de nenhuma.  

Não se trata aqui, neste caso, de uma mãe que deposita suas frustrações profissionais e aposta todas as fichas na carreira da filha. Eva não foi tenista nem tinha o sonho de ser. Trata-se da inversão de papéis, da mãe que deixa de ser mãe para ser filha. Eva depende da filha para sobreviver. Ana é quem tem que sustentar a casa e os caprichos da mãe e não o contrário.

Como se não bastasse esse conflito familiar, Ana ainda tem a vida sacrificada por ser o modelo de jovem responsável para os outros jovens. Ana não pode ser ela mesma, Ana não pode ter sua vida, Ana não pode viver os seus amores, Ana não pode nada. Ana é um modelo, é um padrão de comportamento para os outros. E é desse modelo que ela sobrevive e mantém o contrato com o patrocinador.

Ter sua vida anulada em prol dos outros é uma questão muito séria. Portanto, “A vida da gente” é muito mais do que a história da mulher que fica em coma cinco anos e quando acorda vê seu grande amor com a própria irmã. A trama vai muito além disso e é impossível não vermos um pouco da vida da gente ali.

Vale destacar a atuação de Maria Eduarda (Nanda), a atriz está muito à vontade no papel. Pelas chamadas da novela, a personagem tinha tudo para soar meio chata e antipática por conta das atitudes politicamente incorretas para provocar o pai, mas a boa atuação e desenvoltura dela em cena fez com que isso não acontecesse. E como não falar também de Nicette Bruno (Iná) num grande papel, já que a participação de Nicette em “Ti Ti Ti” não tinha função dramática alguma na história.

E, por fim, como faz diferença a direção de Jayme Monjardim! Como em todos os seus trabalhos, a fotografia salta aos olhos com imagens belíssimas em stock-shots e planos certeiros dos personagens. Parabéns a todos!


QUENTE
Não tem como não citar a abertura da novela, umas das melhores dos últimos tempos. Muito bonita e delicada.

MORNO
Agora é a hora de Rafael Cardoso mostrar se tem talento ou não. A beleza é o que menos importa em Rodrigo, diferente dos pegadores de plantão que ele interpretou em outras novelas. Rodrigo é muito mais do que isso. E, por enquanto, Rafael não mostrou a que veio, apesar de não comprometer.

FRIO
A novela começou num ritmo e nos últimos capítulos parece que deu uma acelerada. Não sabemos se é do próprio texto ou da edição. Mas que ficou estranho isso lá ficou!