quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Tudo bem quando acaba bem

Quando “Morde & assopra” estreou, em março deste ano, tinha uma pesada cruz para carregar: o arrebatador sucesso de “Ti Ti Ti”, novela anterior. Obviamente, tal expectativa chega a ser estapafúrdia e injusta, visto que cada trama tem um alcance próprio e é relativamente complicado comparar a recepção do público. Depois de um primeiro mês vacilante, a dupla Walcyr Carrasco/Rogério Gomes dava sinais de que não vingaria. A despeito dos comentários negativos, não é que “Morde & assopra” deu certo? Ao cerrar a cortina, na semana passada, a novela deixa telespectadores saudosos e muitos pontos positivos.

Os leitores podem discordar da afirmação acima, elencando uma série de pontos discutíveis (já bastante repetidos pelas revistas e colunas de jornais) no estilo de Walcyr Carrasco. Porém, há um fato que torna este autor indiscutivelmente bem-sucedido em suas novelas: os bordões. Criar um bordão não é tão fácil assim, é necessário que o escritor tenha uma profunda sensibilidade para captar e filtrar as reações do público. Walcyr é um dos poucos atualmente que tem esta capacidade. Em “Morde & assopra”, conseguiu emplacar bordões como “é osso”, “´Áureo, fecha o armário” e “tá puxado”, além de tipos engraçadíssimos como Xavier (Anderson de Rizzi), Áureo (André Gonçalves) e Elaine (Otaviano Costa).

Tal sensibilidade, aliás, permitiu que Walcyr conseguisse colocar a novela nos trilhos. Se, por um lado, foi um erro abortar o núcleo japonês, por outro, focar boa parte da novela nos núcleos de Dulce (Cássia Kiss Magro) e Minerva (Elizabeth Savalla) foi uma inteligente opção. Delas, falaremos adiante. Neste momento, é primordial dizer que, com as alterações, as tramas de Naomi robô (Flávia Alessandra) e Júlia (Adriana Esteves) sofreram muito. Eram histórias interessantes e que poderiam empolgar, mas que necessitavam de perfeita apresentação e tempo para o desenvolvimento dos personagens. Como os dois foram negados ao autor, pela necessidade de uma rápida resposta em termos de audiência, a novela foi obrigada a pegar um atalho para conquistar o público.

E é precisamente neste atalho que Walcyr Carrasco e Rogério Gomes se mostraram competentíssimos. A tábua de salvação da novela atende pelo nome Dulce. Walcyr nos apresentou um personagem tão humano, tão imbuído de sentimentos nobres e tocantes que foi difícil ao telespectador ficar indiferente. Para completar, com Dulce, Cássia Kiss Magro renova o arsenal de elogios para seu trabalho e prova que uma atriz com mais de 30 anos de carreira ainda consegue apresentar surpresas encantadoras em seus trabalhos. Sim, Dulce foi encantadora. E tal magia vem da generosidade de Walcyr e da inteligência de Rogério Gomes e equipe. Mas ela não seria a mesma sem a composição orgânica e a entrega incondicional que Cássia Kiss Magro prestou à sua personagem. Cássia viveu a personagem, não a representou.

Além de Cássia Kiss Magro, Elizabeth Savalla também experimentou um bom personagem, ainda que Minerva não represente uma novidade na carreira da atriz. Porém, valeu muito a pena acompanhar os dilemas de Minerva, Isaías (Ary Fontoura), e Virgínia (Bárbara Paz). Como consequência do sucesso deste núcleo, estão Alice e Lilian. As personagens de Marina Ruy Barbosa e Narjara Turetta cresceram na trama e as atrizes souberam esbanjar talento. Faz-se necessário comentar que, pela primeira vez em muitos anos, Narjara Turetta consegue um papel com história, nuances e importância na trama (diferente de sua participação em “Páginas da Vida”).

Entretanto, nem tudo foi festa na novela. O principal defeito de “Morde & assopra” foi ter apostado alto em um ator tão inexpressivo como Klebber Toledo. Sua participação como Guilherme sucumbiu em boa parte das cenas, tão inócuo é o talento do rapaz. Sem dúvida alguma, trata-se de um belíssimo homem. Porém, se ele não se dedicar mais ao ofício de ator, corre imensamente o risco de integrar o nem tão seleto grupo de homens como Mário Gomes ou Ricardo Macchi: lindíssimos, mas com talento limitado ou escravizado pela beleza.

Também merecem justíssimos aplausos Flávia Alessandra (perfeita composição de sua Naomi robô), Adriana Esteves (mesmo que, no início, tenha ressuscitado a personagem Catarina, de “O Cravo e a Rosa”), Mateus Solano (inteligente e sensível ao criar o apaixonado Ícaro), Marcos Pasquim (mesmo que Abner não tenha exigido muito), Carla Marins (em excelente retorno à Rede Globo), Klara Castanho, Vanessa Giácomo (Celeste tinha a dose exata de sensualidade, rebeldia e nonsense), Jandira Martini, Walderez de Barros, Carol Castro, Vera Mancini (com sua deliciosa Cleonice) e Paulo Goulart (mais um caso de excelente ator em um personagem banal).

Por fim, termino este artigo com a melancolia de ter acompanhado o trabalho de Paulo José e Emiliano Queiroz. Seja pela idade ou pelas limitações de saúde, é triste ver que o talento vulcânico dos dois esteja limitado pelas condições físicas. Espero que a participação deles na trama tenha feito o telespectador perceber que, por pior que seja a adversidade, é importante e vital que se continue. Até o último instante.


QUENTE
Além dos já citados acima, Marisol Ribeiro e Erom Cordeiro tiveram uma importante presença na trama com a questão do celibato religioso. Também merecem homenagens os diretores Pedro Vasconcellos, André Felipe Binder, Fábio Strazzer e Roberta Richard e a caracterização da novela, supervisionada por Valéria Toth. Por fim, o robô Zariguim foi um charme extra à novela!

MORNO
Caio Blat é um excelente ator. Porém, o personagem Leandro passou boa parte da trama se debatendo em um dilema que, no final, tornou-se banal: o amor do jardineiro pela Naomi Robô (Flávia Alessandra). Além disto, aos atingidos pelas mudanças na trama. Ana Rosa, coitada, quase não apareceu na novela!

FRIO
Paulo Vilhena (Cristiano), Luís Melo (Oséas), Nívea Stelmann (Lavínia), Rodrigo Hilbert (Fernando), Cissa Guimarães (Augusta). Chegaram a divertir, porém, noves fora, tais histórias não adicionaram nada à novela. A equipe de efeitos especiais também ficou a desejar com dinossauros em clara dissonância dos elementos reais.

(por Jordão Amaral)

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Sim, é a vida da gente!


Falar que “A vida da gente” foi uma grata surpresa após o término de “Cordel Encantado” é pouco. Falar que a estrutura da novela lembra o estilo de Manoel Carlos – o dos bons tempos e não o dos últimos anos – também é pouco. São tantos os acertos da nova novela das seis da Globo que fica difícil sabermos por onde começar.

Bem, comecemos falando do texto de Lícia Manzo. Talvez seja o que mais chama a atenção, além de ter personagens bem delineados. O texto da autora é tão preciso, tão interessante! Lícia, em oito capítulos, mostrou uma grande habilidade na construção das cenas e dos diálogos, apontou os conflitos dos personagens de maneira intensa. Difícil não se envolver e querer continuar acompanhando. De cara o público foi brindado com grandes cenas entre Ana (Fernanda Vasconcelos) e Eva (Ana Beatriz Nogueira).

A primeira semana da novela focou nas motivações dos personagens principais e na rede de conflitos em que Ana está envolvida por conta dos desejos e necessidades de sua mãe, Eva. Quantos jovens não tem suas vidas sacrificadas por causa dos pais? A trama pode não ser inovadora, mas a pergunta que fica é: quantas novelas conseguiram trabalhar esse conflito da maneira que está sendo tratada agora? Não me recordo de nenhuma.  

Não se trata aqui, neste caso, de uma mãe que deposita suas frustrações profissionais e aposta todas as fichas na carreira da filha. Eva não foi tenista nem tinha o sonho de ser. Trata-se da inversão de papéis, da mãe que deixa de ser mãe para ser filha. Eva depende da filha para sobreviver. Ana é quem tem que sustentar a casa e os caprichos da mãe e não o contrário.

Como se não bastasse esse conflito familiar, Ana ainda tem a vida sacrificada por ser o modelo de jovem responsável para os outros jovens. Ana não pode ser ela mesma, Ana não pode ter sua vida, Ana não pode viver os seus amores, Ana não pode nada. Ana é um modelo, é um padrão de comportamento para os outros. E é desse modelo que ela sobrevive e mantém o contrato com o patrocinador.

Ter sua vida anulada em prol dos outros é uma questão muito séria. Portanto, “A vida da gente” é muito mais do que a história da mulher que fica em coma cinco anos e quando acorda vê seu grande amor com a própria irmã. A trama vai muito além disso e é impossível não vermos um pouco da vida da gente ali.

Vale destacar a atuação de Maria Eduarda (Nanda), a atriz está muito à vontade no papel. Pelas chamadas da novela, a personagem tinha tudo para soar meio chata e antipática por conta das atitudes politicamente incorretas para provocar o pai, mas a boa atuação e desenvoltura dela em cena fez com que isso não acontecesse. E como não falar também de Nicette Bruno (Iná) num grande papel, já que a participação de Nicette em “Ti Ti Ti” não tinha função dramática alguma na história.

E, por fim, como faz diferença a direção de Jayme Monjardim! Como em todos os seus trabalhos, a fotografia salta aos olhos com imagens belíssimas em stock-shots e planos certeiros dos personagens. Parabéns a todos!


QUENTE
Não tem como não citar a abertura da novela, umas das melhores dos últimos tempos. Muito bonita e delicada.

MORNO
Agora é a hora de Rafael Cardoso mostrar se tem talento ou não. A beleza é o que menos importa em Rodrigo, diferente dos pegadores de plantão que ele interpretou em outras novelas. Rodrigo é muito mais do que isso. E, por enquanto, Rafael não mostrou a que veio, apesar de não comprometer.

FRIO
A novela começou num ritmo e nos últimos capítulos parece que deu uma acelerada. Não sabemos se é do próprio texto ou da edição. Mas que ficou estranho isso lá ficou!

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Novela nota mil


Reis, rainhas, cangaceiros, sertão nordestino... Lembro que à época da estreia da novela “Cordel Encantado” a nossa pseudocrítica caiu em cima, dizendo que as autoras estavam fazendo uma miscelânea e que a mistura poderia desandar. Ao longo desses cinco meses de exibição, Thelma Guedes e Duca Rachid deram um tapa com luva de pelica àqueles que desacreditaram sua história antes mesmo de estrear. “Cordel Encantado” é uma das melhores novelas dos últimos tempos!

Como dito em outros dois artigos sobre a novela, o trio de protagonistas formado por Bianca Bin, Cauã Reymond e Bruno Gagliasso foi um grande acerto da produção. Os três atores seguraram a grande responsabilidade com muita maturidade e segurança. Mesmo após o fim de “Cordel”, será difícil esquecer Açucena, Jesuíno e o grande vilão Timóteo Cabral. Acompanhado deste trio parada dura, não podemos esquecer de Nathalia Dill, Jayme Matarazzo, Carmo Dalla Vecchia, Domingos Montagner e Deborah Bloch. Isso só para citar os principais, pois o elenco inteiro merece elogios. Aliás, é muito difícil ter uma novela onde todas as atuações não ficaram aquém das expectativas. O trabalho de Amora Mautner e Ricardo Waddington foi excelente!

A novela, mesmo tendo uma duração menor do que normalmente tem uma produção, não apresentou em momento nenhum aquela barriga costumeira. A trama principal teve ação do começo ao fim, muita história para contar e ser desenvolvida. Duvido que todas as maldades dos vilões e as diversas separações do casal principal não mexeram com os nervos dos telespectadores. A trama tinha protagonistas que agiam e batalhavam por seus objetivos, não ficavam passivos, apenas reagindo às maldades dos vilões. Isso é um ponto de destaque para o sucesso da novela.

Os acertos foram inúmeros. Porém, existiram duas escorregadas, particularmente, que gostaria de colocar, para não dizer que só falei das flores. Sem querer ser moralista, o triângulo amoroso entre Zenóbio (Guilherme Fontes), Florinda (Emanuelle Araújo) e Petrus (Felipe Camargo) foi algo simplesmente execrável. Que Florinda se apaixonasse por Petrus ou que questionasse o amor que ainda sentia por Zenóbio ainda vá lá. Mas agir da maneira como agiu da metade da novela para frente foi demais! Uma mulher com uma conduta exemplar, casada, mãe de três filhos, deixar o marido após uma conversa séria e ir transar com o amante durante a madrugada foi difícil de aceitar. Mais ainda foi viver o romance com Petrus – sempre dizendo que ainda tinha dúvidas do que sentia – sem ter peso na consciência pela partida de Zenóbio para Amazônia.

Como se não bastasse, Petrus, após ter passado a novela inteira se declarando e virado a vida de Florinda de ponta cabeça – e colocado em risco a amizade com Zenóbio, diga-se de passagem -, leva um fora da amada no antepenúltimo capítulo e na cena seguinte já se apaixona por outra, Filó (Flavia Rubim). Sequer uma noite de sofrimento pela amada que tanto dizia amar. É o que chamamos de soluções urgentes de final de novela e que soam muito mal.

Outro ponto que sempre reparei ao longo da novela foi a conduta do temido Capitão Herculano (Domingos Montagner). No início da novela, a cidade inteira de Brogodó não podia sequer ouvir o nome do cangaceiro que já se borrava de medo. Ele, temido, sempre fez questão de mostrar pulso firme e ser um homem justo, porém cruel. Só que, durante a novela inteira, falou, ameaçou e, na verdade, nunca agiu. Em todas as situações metia os pés pelas mãos e não foi capaz, nos enfrentamentos com os vilões da novela e seus jagunços, de mostrar o seu principal DNA: o temido cangaceiro. Tudo da boca para fora. Herculano não tomava atitudes, só ameaçava. De temido acabou se tornando falastrão.

Por fim, “Cordel Encantado” é a prova de que ainda existe vida inteligente nas novelas e que as emissoras podem, sim, apostar no diferente sem medo de afugentar a audiência. O que mais vemos ultimamente é os responsáveis pelos departamentos artísticos das emissoras apostarem no mais do mesmo, naquilo que já deu certo anteriormente e tem maiores chances de dar certo novamente. Por isso, as novelas caíram nas mesmices, contando as mesmas histórias com elencos diferentes. É preciso inovar! É preciso peitar a audiência, como Thelma Guedes e Duca Rachid fizeram, e contar uma linda história!


QUENTE
Embora todo o elenco mereça destaque, não tem como deixarmos de falar das atuações de Zezé Polessa, Marcos Caruso e Osmar Prado. Era visível que os intérpretes de Ternurinha, Patácio e Batoré se divertiam muito em cena e essa diversão transbordava as telas.

MORNO
Não sei se era o personagem Petrus, mas Felipe Camargo passou a novela toda apagado. Em outras produções, até mesmo na caótica “Tempos Modernos”, ele mostrou mais força do que em “Cordel Encantado”.

FRIO
Nada foi frio em “Cordel Encantado”.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

1046, 1047, 1048...

No final de agosto, estreou mais uma temporada de “Malhação” (a 19ª, para ser mais preciso). Tenho dúvidas se o termo “temporadas” é o mais adequado, já que tudo é trocado entre as “fases”. A distinção entre esta – que é chamada de “Conectados” – e a trama anterior é visível. Sai o novelão de Emanoel Jacobina, entra o crepúsculo... E, no final, nada de fato mudou muito.


A entrada da roteirista Ingrid Zavarezzi foi um grande acerto da produção: focada no mundo jovem, obteve grande repercussão com a série “Beijo, me liga”, exibida recentemente pelo canal a cabo Multishow. Além disso, demonstra uma outra vantagem, a de incorporar as novas tecnologias em seus roteiros. Os diálogos são mais “tuitados”, o ritmo é mais rápido e as relações entre os personagens adolescentes são mais “internáuticas” (e, até por isso, um pouco mais frágeis). Ingrid Zavarezzi não trata o jovem como um simulacro de patricinhas e mauricinhos, com o irritante tom imbecil e raso. Transita do riquinho ao garoto morador de comunidade com bastante propriedade. São personagens críveis, o que nem sempre aconteceu nas outras temporadas.

Obviamente, a simplicidade de “Malhação – Conectados” surge da estreia de alguns atores e da própria inexperiência desta fase da vida. Não dá para se esperar grandes nuances ou interpretações viscerais de personagens e atores com 17, 18 anos. Porém, se a banalidade de interpretação e temas é alvo de constantes críticas, também é o principal motivo para manter o programa no ar. Esta faixa de horário está destinada a testar linguagens, atores e temas. Se dali saíram coisas como André Marques ou Sérgio Hondjakoff, é importante lembrar que “Malhação” revelou atores como Daniel de Oliveira, Daniele Suzuki, Bianca Bin, Cauã Reymond, Guilherme Berenguer, Marjorie Estiano, Fernanda Vasconcellos, Thiago Rodrigues, Graziela Schmitt, Sophie Charlotte, Mariana Rios, Sophia Abrahão, Micael Borges, Caio Castro, Nathália Dill (talvez a mais satisfatória revelação), entre outros. Possivelmente, os leitores discordarão de alguns nomes desta pequena lista, mas eu lhes justifico: das sete produções inéditas que estão no ar (independente do canal) cinco ostentam entre seus protagonistas, pelo menos, um ator surgido em “Malhação”.

Destas duas primeiras semanas, o elenco jovem não decepciona. O trio de protagonistas – Caio Paduan (Gabriel), Thaís Melchior (Cristal) e Bia Arantes (Alexia) – é o melhor exemplo da qualidade dos novatos. Não se pode dizer que já apresentam grandes interpretações, mas também não envergonham ninguém. Seguem atuações firmes e agradáveis, mesmo lidando com temas sombrios como a paranormalidade. Além destes, é importante destacar o trabalho de Pedro Tergolina. Apesar de Felipe, seu personagem, carregar o “merchandising social” desta fase (a integração do deficiente visual em um mundo excludente), o ator consegue fugir de arquétipos e caminhos fáceis para um tema já bastante trabalhado na TV. Também não se mostra irritante ou tatibitate como outros cegos, e neste caso refiro-me ao Jatobá, o enervante cego-Poliana que Marcos Frota fez em “América” (2005).

Do elenco adulto, não há muita coisa a se comentar neste início, por dois motivos. O primeiro é que os atores veteranos (como Letícia Spiller, Virgínia Cavendish e Anderson Müller) estão ali para dar suporte e proporcionar um diálogo de experiências com os estreantes. Segundo, porque nestas duas primeiras semanas o enfoque nos personagens adolescentes foi absolutamente primordial. Há que se elogiar a atuação de Regina Sampaio (Beatriz), agradabilíssima de se assistir. Todavia, Kadu Moliterno (Nelson) continua a reviver o maior personagem de sua carreira: ele mesmo. Desde a década de 1970 (para ser mais preciso, “O pulo do gato”, de 1978), a televisão tem trabalhado o mesmo arquétipo para este ator: o surfista saudável e boa gente. Raríssimos momentos ele teve para mostrar outras facetas (como em “O dono do mundo”, de 1991 ou “Anjo mau”, de 1997/98). Só que, conforme o tempo passa, tal arquétipo fica cada vez mais chato, e não pela idade de Kadu Moliterno, mas pela desnecessária repetição ad nauseam.

Um ponto questionável deste início foi a trama central. O tema da paranormalidade, associado à astrologia e a um mistério visivelmente inspirado na saga “Crepúsculo” promete e pode ser um trunfo desta “Malhação”, se bem trabalhado. Por ora, algumas coisas foram marteladas sem cerimônia: o número 1046 e a dor de cabeça do protagonista. Mas mesmas coisas, capítulo após capítulo, sem nada para complementar? O relógio que marca 10:46, o número da casa que é 1046... Mais um pouco e o personagem Gabriel, dono de tais dores de cabeça, conseguirá resolvê-las tomando um analgésico que custa, ora veja: R$ 10,46 a cartela!

De fato, com esta nova “Malhação”, nada mudou muito. Até porque a faixa de horário não permite alterações drásticas. O que fica destas duas primeiras semanas é a direção adequada do núcleo de José Alvarenga Jr. (Mário Márcio Bandarra e Ajax Camacho), as claras referências a sucessos teens na tentativa de agarrar um público volátil e temas um pouco mais sérios (o que obrigará a autora a desenvolver um roteiro mais amarrado, com personagens e tramas mais encaixadas). Ao blog Na TV, resta saudar a estreia em TV aberta de Ingrid Zavarezzi e desejar que seu trabalho seja bem recebido e, principalmente, fuja dos erros cometidos por Emanoel Jacobina (que se perdeu do primeiro ao último capítulo da temporada anterior).


QUENTE
A estreia de Ingrid Zavarezzi, já amplamente citada acima. Também merece destaque a forte influência das novas tecnologias, como Twitter e blogs, na trama e na construção dos personagens jovens. Do elenco, Regina Sampaio, Pedro Tergolina, Caio Paduan, Thaís Melchior e Bia Arantes são pontos positivos desta fase.

MORNO
O elenco adulto ainda não disse a que veio, o que é tradicional em se tratando de “Malhação”. Além disso, a massiva repetição do número 1046 pode aborrecer o telespectador, ainda mais o adolescente, que muda de canal (ou desliga a TV e vai para a Internet) no primeiro bocejo de tédio.

FRIO
Kadu Moliterno, pelos motivos já citados no artigo. Além disso, acredito que “Malhação” já está tão desgastada que se tornou um similar ao “Vale a pena ver de novo”: somente o nome de uma faixa de horário. Não adianta trazer bons profissionais para escrever aos jovens na TV. É preciso reformular muita coisa, inclusive o conceito de “Malhação”.

(por Jordão Amaral)

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Algo diferente no horário nobre


Passadas duas semanas da estreia de “Fina Estampa”, podemos perceber algo inusitado no horário nobre: uma novela com cara de trama das seis ou das sete. Diferente do tom policial apresentado em “Passione” e o melodrama rasgado de “Insensato Coração”, a história de Aguinaldo Silva tem mostrado uma perspectiva positiva da vida.

Geralmente, as novelas das nove trazem temas polêmicos a serem discutidos, grandes situações, vilões maquiavélicos, amores tortuosos, perseguições, mortes e afins. Costumamos dizer que os autores podem “pesar a mão” no melodrama. Já em “Fina Estampa”, vemos todas as noites personagens batalhadores em uma Barra da Tijuca bastante ensolarada.

Aguinaldo Silva, antes do início da trama, já havia alertado que iria tratar o universo cotidiano e familiar dos personagens, causando identificação imediata com o grande público. Percebe-se que é exatamente isso que está acontecendo. Apesar de não sermos brindados com grandes acontecimentos e diferentes tramas interessantes, os personagens conseguiram laçar o espectador de jeito. É inevitável querer saber onde é que aquelas pequenas situações vão dar.

Uma trama que se pauta na vergonha que um filho, no caso Antenor (Caio Castro), sente por sua mãe pobre e batalhadora, Griselda (Lilia Cabral), não pode ser considerada criativa. Ainda mais, quando é seguida de todos os lugares-comuns possíveis, como, por exemplo, o filho arrumar uma atriz decadente para apresentar e enganar a família rica da noiva. Sem contar que a grande vilã é uma perua, ainda por cima interpretada pela Christiane Torloni (que não consegue mais fugir desse tipo de personagem e, infelizmente, anda se repetindo bastante).

Outra questão cada vez mais comum é o déjà vu de elencos nas novelas da Globo. É muito ruim ver atores que, no primeiro semestre, participaram de produções de sucesso (por exemplo, “Ti Ti Ti”) e, poucos meses depois, já estarem mais uma vez em cena, como é o caso de Caio Castro, Sophie Charlotte, Christiane Torloni e Marco Pigossi. No caso deste último, a repetição é ainda pior: o personagem atual, Rafael, é parecidíssimo com o playboy Pedro que ele fez recentemente. São talentosos? Sim, bastante. Mas, assim como eles, existem muitos outros atores, novatos ou não, que merecem boas oportunidades na novela. Sem contar que Ísis Valverde e Rafael Cardoso também estavam escalados para a mesma novela.

Não podemos deixar de destacar a volta de Marcelo Serrado à Globo num papel bem diferente dos violentos vilões na Record. Serrado é um ator de composição, poderia fazer de Crô Valério uma caricatura. Mas, pelo contrário, criou um tipo afeminado e contido e que, com certeza, irá render boas risadas.

Apesar do elenco requentado, a novela levantou voo em céu de brigadeiro. E o que esperar, afinal, de “Fina Estampa”? A resposta é uma incógnita. Não dá para se prever onde a história vai parar. Mas que a trama é fraca, isso é. Ou será um êxito ou um fracasso retumbante. Leve demais para o horário das nove. Esse talvez possa ser um fator que faça de “Fina Estampa” um sucesso no horário. Pelos índices de audiência, comparados com as últimas novelas exibidas, dá para se acreditar nessa possibilidade.


QUENTE
O início de romance entre Griselda e Guaracy tem rendido boas cenas e situações. É divertido assisti-los! Outra vantagem de “Fina Estampa” foi ter afastado o tom funesto que “Insensato Coração” deixou no horário.

MORNO
Christiane Torloni ainda não encontrou o tom de Tereza Cristina. Ora está over, ora um pouco melhor. Mas fica difícil acreditar que uma perua daquelas possa vir a se tornar a grande vilã de uma novela das nove do jeito que está.

FRIO
A atuação de Wolf Maya e Totia Meirelles como o casal Álvaro e Zambeze é, no mínimo, sofrível. Impossível ver qualquer característica daquele casal riponga nas cenas dos atores. Também há que se comentar as cenas em que a doutora Danielle Fraser (Renata Sorrah) aparece sozinha, bebendo taças e taças de vinho. Heleninha Roitman manda lembranças!

domingo, 28 de agosto de 2011

Entrevista: Margareth Boury

Margareth Boury está no ar escrevendo a versão brasileira da novela “Rebelde”, na Record. É uma das autoras de novela que sempre prioriza o diálogo com o jovem, seja nas telinhas, seja fora dela. Muito simpática, nos concedeu essa entrevista, falando de sua carreira e, claro, de “Rebelde”.


Qual sua formação profissional? O que você aconselharia a um aspirante a autor (independente do veículo ou gênero) para ler, estudar e ver?
Eu fiz faculdade de jornalismo, mas nunca fiz uma entrevista ou escrevi uma matéria. Meu pai sempre foi de televisão, eu cresci indo ver gravação, naturalmente me interessei pelo assunto antes dos dezoito anos. Comecei como atriz, mas logo vi que eu era um fiasco! Escrever sempre foi divertido. Optei pela escrita aos 24 anos e nunca me arrependi. Autor é como uma antena parabólica imensa: a gente precisa ver quase tudo (o quase é porque não dá tempo de ver tudo), ler quase tudo. Sem preconceito, sem juízo de valor.

Quais são as influências literárias, teatrais e cinematográficas em sua escrita?
Na literatura? Puxa, muita gente. Eu leio muito e sem parar. Vou de biografia à romance água com açúcar – como eu disse, sem juízo de valor e sem preconceito. No Teatro eu gosto dos autores nacionais, mas como só tenho uma peça escrita e encenada, acho que nem teve influência.Cinema eu adoro Woody Allen, Almodóvar, Catherine Hardwicke(o filme Aos Treze foi marcante na minha dela e ela dirigiu), Julie Taymor (alem de outros que eu gosto, ela dirigiu Across The Universe, paixão!) e tem muitos outros, mas vou ficar com esses que representam um universo que eu amo.

Como se deu a transição de sua carreira de atriz para escritora?
Foi total falta de talento pra ser atriz, detectada pelo meu pai. E foi ele também quem sempre soube que eu escrevia melhor do que atuava. Mas eu fiquei uns seis meses perdida: queria ser atriz e recebi convite pra escrever. Como eu estava grávida do meu segundo filho, achei mais prudente escrever Caso verdade. Fiz um quase de brincadeira, uma comédia. Deu certo. O Mario Lucio Vaz me chamou e me contratou.

Ao longo da década de 1990, você trabalhou como colaboradora de alguns autores (Carlos Lombardi, Marcílio Moraes, por exemplo). Há algum tipo de influência que você consegue detectar deste período?
Sim! Claro! Primeiro do Lauro César Muniz, que me deu vários pulos do gato na carpintaria de novela. O Lombardi é especial, porque eu trabalhei com eles muito tempo e aprendi MUITO também. Os dois são passionais, devotados e foi ótimo aprender com eles. No detalhe: com o Lauro eu soltei a veia romântica. O Lombardi me passou a visão mais engraçada da cena. Não é só isso, mas isso resume.

Como colaboradora, você escreveu as novelas “Despedida de Solteiro”, “Malhação”, “Uga Uga”, “Kubanacan” e a minissérie “O Quinto dos Infernos”. Qual desses trabalhos tinha realmente a sua cara? Em qual deles você mais se divertiu escrevendo? Por que?
Ah, sem duvida nenhuma todas as que eu fiz com o Lombardi foram divertidas. Mas Uga Uga foi especial, marcou definitivamente a minha maneira de escrever: diálogos rápidos, muita coisa acontecendo e romance sem pudor algum.

Você é filha do diretor de televisão e de novelas Reynaldo Boury. Houve influência da parte dele para você atuar nessa área? O que aprendeu, profissionalmente, com o seu pai?
Como eu já disse, meu pai me deu toda a força do mundo para escrever. Aprendi a ler texto de novela com ele, ia com ele ver gravações. Ele foi um mega professor.

O tráfego de profissionais entre emissoras dos países da América hispânica é muito maior do que os países de língua portuguesa. Entretanto, em 2009, a Televisão Pública de Angola exibiu a novela “Minha terra minha mãe”, uma produção nacional com texto seu e direção de seu pai, Reynaldo Boury. Como foi a experiência? De que forma surgiu a ideia? Qual foi o resultado da produção? Quais dificuldades (e que tipo de pesquisa) você encontrou ao desenvolver uma sinopse e capítulos sobre um país estrangeiro?
Por partes, como diria Jack: eu escrevi Três novelas para Angola. A primeira foi uma adaptação de um romance de um autor angolano. Meu pai foi chamado para dirigir lá, precisava de texto, ele me chamou e foi uma experiência muito boa. Depois de uns quatro anos, eles voltaram a nos procurar com a idéia de fazer uma novela gravada aqui no Brasil, mas em estúdio, como se fosse em Angola – a televisão não tem estúdios e então vieram atores pra cá, Rio de Janeiro e foi feita Minha Terra, Minha mãe. O argumento era de um grupo de escritores angolanos e eu acrescentei algumas coisas, personagens, na verdade. Eu tinha um consultor para revisar o texto dos angolanos – pois tinha brasileiro e angolano na trama. A dificuldade é a de sempre: sentar na frente do micro e fazer escaleta, depois os diálogos... ah! Sim, a novela foi um sucesso em Angola.

Você foi roteirista do seriado “A diarista”, com grande sucesso com o público. Porém, não há uma tradição realmente forte no Brasil em seriados (talvez, a modalidade mais desenvolvida aqui seja justamente a sitcom). Como você avalia este trabalho? Dentro de sua experiência, há algum caminho para se construir um estilo brasileiro de seriados?
Eu gostei muito de escrever “A Diarista”. Estava saindo de Kubanacan, e essa novela deixou todos nós exaustos. Foi uma delícia escrever menos e ter mais tempo para pensar nas tramas. Eu acho que a gente pode fazer seriado, sitcom, o que for. O que precisa é investimento na área e isso, uma pena, não tem mesmo. A novela é longa e se paga, todo mundo já sabe disso. Eu sou uma viciada em seriado, vejo quase tudo e morro de inveja! Mas eu prefiro os sérios, ou os do tipo House e Castle, que tem humor na medida certa.

Você é uma das poucas autoras da televisão que privilegia um diálogo direto com os jovens em suas tramas. Atualmente, o que é o jovem brasileiro para você? Como você busca o diálogo com este adolescente do século XXI? Em sua opinião, há uma boa representação deles na TV? E as novas tecnologias, como elas são absorvidas (ou integradas) pela TV para que se aproxime dos jovens?
O jovem é sempre muito inquieto, adora uma novidade exatamente uns dez minutos. A gente tem que ficar ligada pra não perder o ritmo com eles. Eu procuro ficar atenta nos sites (face, twitter, Orkut) e interagir com eles. Essa garotada sabe o que quer e precisamos escutar. Eu tento. 

Sabemos que os jovens atuais estão cada vez mais precoces, fumam, bebem, não saem para tomar um suco de acerola no Gigabyte, como é mostrado em “Malhação”, por exemplo. Você acha que é possível ter um diálogo real com os jovens atuais diante da censura da classificação indicativa? A classificação indicativa acaba alienando a sociedade?
Olha, que eles estão bebendo muito, fumando muito e usando muita droga todo mundo sabe. Mas quem escreve, quem faz a novela (seja Rebelde, Malhação ou qualquer outro produto voltado para os jovens), não tem como driblar a classificação, que é muito subjetiva também. Os autores acabam levando a culpa de uma coisa que absolutamente não é nossa: eu adoraria ver o jovem agindo na TV como ele age na vida. Era uma maneira de alertar a família, de dar um cutucão de realidade na galera. Mas não rola. E sim, eu acho que acaba alienando. É como você ter um filho e não falar jamais dos defeitos dele, não enxergar que ele os tem e que você pode fazer alguma coisa: nem que seja pagar uma terapia.

Muitos profissionais da televisão (não só autores, como diretores, atores e especialistas) apontam que a telenovela precisa renovar o seu quadro de autores para diversificar e arejar o gênero. Para você, de que maneira é possível fazer esta associação entre experiência e novidade?
O que eu acho mesmo é que o público odeia novidade. Se a gente sai um pouco do eles conhecem, eles rejeitam. Para renovar, é preciso arriscar. 

Ao entrar na Record, por volta de 2006, você encontrou um mercado de trabalho aquecido para os autores de TV. Cinco anos depois, você tem alguma avaliação de como estão as oportunidades para autores, veteranos e novatos? Quais as vantagens, para você, de concorrência tão forte entre Record, SBT e Globo?
Olha, depois de mim, a Record investiu em outras pessoas e continua investindo em autores novos. Eu acho a concorrência fantástica, o mercado fica mais aberto e todo mundo consegue um lugarzinho ao sol.

Sua primeira novela como autora-solo foi “Alta estação” (2006). Gostaria que você nos contasse como surgiu o convite para a Record, como nasceu o projeto da novela e quais experiências você guarda deste trabalho.
Eu fui na Record chamada pelo Hiran Silveira. E fui para fazer novela pra um púbico jovem. Comecei a desenvolver “Alta Estação” só depois de ter sido contratada. A Record, na época, queria “pegar” o público jovem e me encomendou uma sinopse aberta. O titulo era “E Aí?”, virou “Alta Estação” depois de aprovada – o que, diga-se de passagem, é super normal de acontecer em qualquer emissora (mudar o nome). Na época, a novela sofreu muito com mudança de horário e algumas outras coisas que não vem ao caso agora. Mas eu guardo boas lembranças da novela: meu filho decolou como ator e recebeu um prêmio; conheci gente que até hoje freqüenta a minha casa e serviu pra conhecer meus erros.

A novela “Rebelde” apresenta um texto bastante ágil, um elenco fortemente jovem e uma edição diferenciada. Quais são os seus objetivos com esta novela? Houve alguma dificuldade na adaptação do original mexicano (lembrando que a versão da Televisa foi muito bem aceita pelo público brasileiro)?
O objetivo é sempre fazer uma novela de sucesso, ter seu trabalho reconhecido e trabalhar cada vez mais. Eu não tive dificuldade pra fazer a adaptação. Medo sim, dificuldade, não. 

Quais as principais mudanças da versão brasileira de “Rebelde” e a original?
Aqui tem mais personagem fora do colégio, tem a Vila Lene inteira. E como faz tempo desde que a versão mexicana foi ao ar, tem muita coisa nova: lá era jornal, aqui é twitter. Lá tinha conflito religioso (um judeu e uma católica), aqui isso não existe. O núcleo aro descendente nosso é forte – lá não tinha. E vai por aí...

Como você monta sua equipe de colaboradores e como é a divisão de trabalhos entre vocês durante a escrita dos capítulos?
Eu trabalho com pouca gente. Prefiro. Faço a escaleta (que é o capítulo sem o dialogo). Assim que termino a cena escaletada, escrevo as iniciais de quem vai fazer os diálogos da cena. Mando para os colaboradores. Eles tem um prazo pra entregar as cenas. Quando chegam, eu junto às minhas e reviso o capítulo todo. E começa tudo de novo.

Você mantém um blog na Internet, apesar de estar sem tempo para atualizá-lo. Como é o seu diálogo com seus leitores?  Quais são os prós e contras de se estabelecer uma ligação tão estreita entre você e o internauta que te acompanha?
Pois é, ando sem tempo mesmo de atualizar o blog, que eu comecei de farra e foi ficando gostoso de fazer. Agora nem vejo, tem muita gente que usa o blog pra pedir emprego, pra pedir foto dos atores e eu não posso fazer nada! Fico chateada, porque eu gosto de interagir com quem vê a novela.

O que você achou do blog NaTV? Algum recado para os leitores?
Vocês são ótimos. Sempre leio o blog. Recado? Sou péssima nisso, mas vamos tentar: divulguem, leiam, prestigiem esse povo que trabalha pra vocês conhecerem um pouco dessa loucura deliciosa que é a televisão.

(por Beatriz Villar)

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Difícil exercício

Certa vez, Eva Wilma, ao relembrar seus personagens em novelas para o projeto “Memória Globo”, relatou a seguinte teoria: “Foram personagens que eu costumo chamar de ‘carrega-piano’, porque elas não têm grandes ‘olés’ (...), não tem ‘olé’ nenhum. Mas carregam o piano. Se não fizer bem feito, os outros [personagens] todos dançam”. Acredito que a definição da grande dama das artes no Brasil pode explicar um pouco a trajetória dos personagens Marina (Paola Oliveira) e Pedro (Eriberto Leão), em “Insensato coração” e a constante queixa que preencheu a imprensa “especializada” em teledramaturgia.

Primeiramente, é importante notar que, apesar de uma certa imobilidade destes personagens quanto à ação, Pedro escapa da classificação do meio para o final da novela. O caso dele é um pouco diferente de sua partner Marina. Pedro segue uma progressão dramática muito difícil até determinado ponto da história. Visto como um herói por salvar um avião comercial de um sequestro, entra em conflito ético após se apaixonar por Marina, “melhor” amiga de sua noiva Luciana (Fernanda Machado), às vésperas de seu casamento. A situação se complica, pois, ao sofrer um acidente de avião, acaba responsabilizado pela morte de Luciana e perde a licença de piloto (além de ficar temporariamente paralítico). Então, o personagem mergulha em um período de depressão, crises, cadeia e fisioterapias. Representar a depressão é muito complicado em televisão, principalmente em telenovelas, que exigem ação contínua por parte do público e das revistas “especializadas”. O deprimido é caracterizado pela completa incapacidade de agir, de atuar em seus problemas. Quem viu o filme “Melancolia” sabe muito bem do que estou tratando. Para o público, esta fase blue de Pedro soou muito pálida, fraca, pouco empolgante, principalmente se levarmos em consideração o histórico do ator Eriberto Leão em personagens firmes (como o Zeca Diabo de “Paraíso”, em 2009, ou o Dimas de “Sinhá-moça”, de 2006). Rompido este bloqueio, após a recuperação dos movimentos das pernas, entre outros fatos, o personagem pôde acontecer, mostrar sua importância na trama, mesmo que estivesse ainda presa à ingenuidade de acreditar em seu irmão, Léo (Gabriel Braga Nunes). No último mês de novela, então, Pedro conseguiu influir de maneira direta no rumo da história, sendo responsável inclusive por desmascarar Léo para Norma (Glória Pires).

Já com Marina, o “destino” foi mais cruel. O personagem, programado para ser uma mulher moderna e arrojada, terminou na telinha sempre presa a uma moral de mocinha, mesmo que uma mocinha modernosa. O conflito inicial (apaixonar-se pelo noivo da “melhor” amiga) ficou estranho quando, na mesma época, Marina relatou para sua prima Bibi (Maria Clara Gueiros) que Luciana não era tão amiga assim dela. Bem, caímos aqui em um dilema ético, porém, parece-nos que nossa sociedade baniu este conceito da vida prática. Passado este primeiro desafio, a personagem teve que lutar por seu amor, mas o grande obstáculo era a depressão de Pedro, o que é altamente subjetivo no caso da telenovela. Aqui, abro parênteses para explicar que não digo que está errado em se falar da depressão, mas que, em televisão, ao se lidar com este tema, todo o cuidado do mundo é pouco, já que o tom soturno pode afastar o telespectador, por melhor que seja a trama. Enfim, voltando à Marina, após muitos desencontros, ela se casa com Léo, para tentar esquecer Pedro. Estão nesta fase as melhores oportunidades para a personagem Marina se tornar atuante, movimentar a história. Mantém um caso amoroso extraconjugal com Pedro, passa a investigar as tramoias de Léo e o ápice de sua influência na trama é quando Marina tenta gravar uma confissão do marido para incriminá-lo. Logo depois de brincar de ser espiã, Marina volta a trilhar um caminho morno, sem grandes reviravoltas.

Discordam da exposição? Então, vejamos a participação de cada um nos acontecimentos que antecedem a morte de Norma. Pedro, Marina e Raul (Antonio Fagundes) decidem que Norma deve encarar realidade para entender e aceitar que Léo a usará novamente. Para tal, tentam contar a ela que uma pulseira dada por Léo, na realidade, fora roubada de Marina. Mesmo com a revelação da designer, Norma não se rende imediatamente e busca Wanda (Natália do Vale) para confirmar o que foi dito. Norma percebe que Léo mentiu e dá uma chance a Pedro e Marina de contarem tudo o que sabem. Então, é criada uma armadilha para que Léo confesse que não ama Norma. O responsável por colocar tal estratagema em prática é Pedro, que provoca o irmão até arrancar dele a confissão, ouvida por Norma. Depois deste micro clímax, Pedro vai embora mas, no caminho, decide voltar, preocupado com a reação de Norma. Chegando à fatídica casa, dá de cara com Raul e o corpo da enfermeira. Pedro, Raul, Wagner (Eduardo Galvão) e Jandira (Cristina Galvão) são conduzidos à delegacia, prestam depoimentos, etc. Depois desta rápida retomada dos capítulos 181 e 182, eu lhes pergunto: se Pedro teve tamanha presença na ação da trama, onde estava Marina? A personagem de Paola Oliveira ficou presa em seu escritório, aguardando periódicos relatórios de Pedro via celular. A inércia da personagem nesta situação é apenas um dos muitos exemplos que se pode encontrar ao longo da trama.

Outro detalhe que passou desapercebido da imprensa é que, estruturalmente, “Insensato coração” contou com mais de um protagonista. Temos o que eu chamaria de “protagonização compartilhada” entre os personagens Marina, Pedro, Norma, Léo, Raul, Wanda, Carol (Camila Pitanga), André (Lázaro Ramos), Cortez (Herson Capri) e Natalie (Deborah Secco). Cada um deles é protagonista de sua subtrama e, na junção de todas estas subtramas é que surge a espinha dorsal da novela (tal união acontece de modo efetivo após o capítulo 100). Trata-se, então, de uma construção sofisticada e complexa de novela, o que é positivo para o gênero, mas leva a alguns efeitos colaterais, como a ausência de um protagonista absoluto (levando à divisão desta força entre muitos personagens).

Entretanto, vale salientar que, desde janeiro, Paola Oliveira e Eriberto Leão receberam inúmeras críticas: falta de química, antipatia, entre muitas outras maledicentes que não vejo sentido em reproduzir aqui. Tais críticas são prejudiciais em uma análise, já que os dois mostraram grande profissionalismo e excelente espírito de equipe, de coletivo. Não adianta querer uma soberba performance de um ator, atuação esta além de sua responsabilidade, pois tal trabalho acabará acentuando desníveis no elenco e destruirá algo chamado unidade. Cada personagem tem seu espaço exato para preencher, podendo evoluir ou não dependendo das necessidades da trama, e não do peso comercial do nome do ator que o ocupa. O de Marina e Pedro era este apresentado. Este caso me faz recordar o problema que Taís Araújo encontrou quando protagonizou “Viver a vida”, em 2009. Sua personagem teria sido ofuscada por Luciana (Alinne Moraes) e Tereza (Lília Cabral). Reclamava-se que Taís não demonstrava empatia nem empolgava como Helena. Porém, poucos na época pararam para sublinhar que Taís Araújo estava cumprindo o papel a que lhe era destinado, nem mais, nem menos. Então, é mais do que merecido ressaltar mais uma vez a competência de Paola Oliveira e Eriberto Leão, profissionais em grande crescimento e capazes de segurar voos mais ambiciosos.

Gilberto Braga e Ricardo Linhares têm seguido um estilo de protagonistas bem parecido nas últimas três novelas (atenção aos caluniadores: “seguindo estilo parecido” não quer dizer “estão se repetindo”). Em “Celebridade” (2003/04), novela da qual Ricardo Linhares participou como colaborador, Maria Clara (Malu Mader) e Fernando Amorim (Marcos Palmeira) tiveram uma relação bastante ofuscada pelo brilho de vilões como Laura (Claudia Abreu), Marcos (Márcio Garcia), Renato Mendes (Fábio Assunção), Ana Paula (Ana Beatriz Nogueira), etc. Fora isto, a atuação de cada um na trama ficou presa por diversos motivos. Como exemplo, Maria Clara só passou a reagir aos golpes de Laura quando perdeu tudo e percebeu que a doce e proativa assistente era, na realidade, a víbora responsável pelo seu declínio. Já Fernando esteve a novela inteira preso nos problemas conjugais com Beatriz (Deborah Evelyn), nas chantagens do sogro Lineu Vasconcellos (Hugo Carvana) e na recente morte do filho Fábio (Bruno Ferrari), o que teve por consequência uma depressão do personagem Inácio (Bruno Gagliasso). Já em “Paraíso tropical” (2007), Gilberto e Ricardo criaram uma protagonista, Paula (Alessandra Negrini), que não tinha grande impacto de ação. Ela recebia e amortecia a ação de outros, como a irmã gêmea Taís (Alessandra Negrini). Diferente de seu par romântico Daniel (Fábio Assunção) que, por estar contra Olavo (Wagner Moura) em uma luta de poder no grupo Cavalcanti, teve melhores oportunidades para dominar sua trama para agir, aproximando-se mais do que esperamos de “protagonista” clássico.

O que podemos tirar de lição do casal principal de “Insensato coração”? Primeiro, não deve ser uma regra fixa que todo personagem seja obrigado a dar muitos olés ao longo de uma história. O personagem está naquela trama porque exerce uma função específica naquela engrenagem, mesmo que seja o de “carrega-piano”. Segundo, que atualmente temos uma imprensa “especializada” ávida por encontrar boatos e crises em todos os setores da televisão. Como a telenovela ainda é o carro-chefe de investimentos e audiência, desce-lhe o chicotinho sem piedade e sem uma justa análise. Terceiro e último, se compararmos a trama de Marina e Pedro com a de Norma, onde houve uma agressiva e amarga mercantilização dos sentimentos, pudemos acompanhar uma história de amor que nos incentiva a pensar que vale muito a pena preservar e batalhar por bons sentimentos, ainda que estejamos em uma atualidade bem estranha (“bebês voadores” do sexto andar, crimes cometidos por cinquenta reais ou impunidade descarada, entre muitos outros). Tal conclusão chega a me dar um conforto mesmo. Ou será que a função da teledramaturgia não é também nos alentar?

(por Jordão Amaral)