quinta-feira, 5 de maio de 2011

"Dizendo a cena final, a vida como ela é"

Nesta semana terminou a novela “Ribeirão do Tempo”, uma das maiores em número de capítulos e tempo de exibição na Rede Record (250 capítulos em quase um ano). Uma novela diferente, inovadora em alguns aspectos e que faz o resgate de características das telenovelas clássicas dos anos 1970 e 1980. Estivemos durante todo este tempo diante de uma obra incomum, grande mérito, em primeiro lugar, de seu autor, Marcílio Moraes.


A estrutura da novela já é um grande indício do exercício de linguagem que Marcílio Moraes faria. Não temos aqui um protagonista: o principal personagem da novela é a cidade de Ribeirão do Tempo, papel este formado pelo conjunto do elenco. Em seu perfil, agrega dramas, comédias, política, variados tipos de amor e cenas de ação (especialidade da Record). A cidade atuou como um grande panorama da história universal, onde personagens e fatos reais das mais diferentes épocas serviram de inspiração para a novela. Talvez por isso que os primeiros capítulos não pareceram tão bem amarrados, com uma enxurrada de personagens e histórias a serem apresentados. Isso acabou prejudicando o interesse do público logo de início.

Para a política, Marcílio trouxe dois personagens que foram soberbamente construídos: o professor Flores (Antonio Grassi) e Nicolau (Heitor Martinez). Os dois atores se apresentaram de forma irretocável e suas tramas foram construídas de modo perspicaz, com qualidade semelhante às grandes novelas de Dias Gomes, Lauro César Muniz, Walter George Durst e Benedito Ruy Barbosa. Enquanto o professor Flores prosseguia em sua pacata vida, envolvido em um divertido triângulo amoroso com Léa (Angelina Muniz) e Cloris (Patrícya Travassos), dava prosseguimento a um miraculoso golpe político. Já Nicolau inicia a trama como um desajustado, um inconsequente. Após a morte de seu pai, o senador Érico (Henrique Martins), ele assume a vaga por ser o suplente e inicia uma escalada rumo à presidência do país, caminho este construído através de muita manipulação, loucura, crimes e morte. Os dois personagens simbolizam o que o poder faz quando em mãos erradas ou administrado por mentes doentias. Não se espante se através deles, você, caro leitor, encontrar muitos políticos famosos ao mesmo tempo...

Além da política, a novela abordou assuntos importantes como o alcoolismo, o abuso de poder, os esportes radicais, o incentivo à leitura, etc. Entre estes, um dos mais importantes temas tratados foi a pedofilia, através dos personagens Nicolau e Diana (Letícia Medina). A favor de Marcílio Moraes, o horário de exibição de “Ribeirão do Tempo” permitiu trabalhar esta história de forma consistente, séria e ousada, sem ser apelativa ou demagógica.

Porém, estamos falando de telenovela e, como tal, há a abundância de histórias românticas e casais apaixonados lutando pela felicidade. O diferencial de Marcílio Moraes neste caso foi ter construído pares românticos com referências específicas. Temos a história da Cinderela, com Filomena (Liliana Castro) e Tito (Angelo Paes Leme); o triângulo amoroso atrapalhado (com os personagens professor Flores, Léa e Cloris); o famoso Romeu e Julieta, com Sônia (Louise D’Tuani) e André (Vítor Facchinetti), entre outros. Desta forma, a novela conseguiu agradar a diversos gostos.

Entretanto, nada foi tão charmoso quanto o casal “dama e vagabundo” (ou também o par romântico gato e rato): Arminda (Bianca Rinaldi) e Joca (Caio Junqueira). O relacionamento cheio de contrastes entre a bela executiva bem-sucedida e o atrapalhado detetive formado por correspondência trouxe bons momentos de suspense, comédia e drama. Caio Junqueira, para variar, em um grande momento!

Ao encerrar a novela, Marcílio Moraes nos deixa a impressão de um trabalho competente, ousado, que se alimentou de boas situações episódicas (como a Lei Úmida criada por Querêncio, de Taumaturgo Ferreira), a segura direção de Edgard Miranda (que repetiu muitos recursos já utilizados em “Chamas da Vida”, o que não é legal) e um elenco de altos e baixos, mas que, no geral, conseguiu dar corpo à interessante trama. Todavia, a desorganização da Record em programar as novelas, fazendo com que elas sejam sucessivamente esticadas, impede um maior sucesso. A Record precisa aprender que telenovela não é loja de tecido e que toda trama tem um tempo certo para terminar.


QUENTE
Apesar de um elenco repleto de altos e baixos, os personagens foram bem defendidos por Bianca Rinaldi, Caio Junqueira, Antonio Grassi, Heitor Martinez, Taumaturgo Ferreira, Jacqueline Laurence (sempre elegante em sua interpretação), Juliana Baroni, Ana Paula Tabalipa, Raymundo de Souza e Letícia Medina. Também é importante ressaltar a cidade cenográfica, muito bem feita e adequada ao tom da novela.

MORNO
Há atores (como Solange Couto, Flávia Monteiro e Cássio Scapin) que já apresentaram excelentes trabalhos, mas que há anos estão no básico feijão-com-arroz. Cada trabalho é uma oportunidade para se reinventar. Foi assim que surgiu Dona Jura, Carolina e Nino na carreira deles...

FRIO
A Record, que tanto quer imitar a Globo, poderia aprender com a concorrente nas coisas boas: capítulos longos demais se tornam chatos, respeitar horários de exibição é importantíssimo – afinal, anunciam a novela para às 22h15 e ela sempre entra às 22h30 – e, por fim, a exclusão da abertura (exibindo os créditos em cima da cena) é um dos maiores absurdos que emissora poderia fazer. Sem contar, claro, na quantidade de nomes que aparecem ao mesmo tempo, onde não se consegue ler nem metade, um desrespeito com todos os profissionais envolvidos!

(por Jordão Amaral)

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