segunda-feira, 9 de maio de 2011

Trair uma ideia

O assunto do mundo da teledramaturgia na mídia nos últimos dias gira em torno da audiência de “Morde & Assopra”, aquém das expectativas do horário das 19h. Muitas mudanças estão sendo cogitadas, segundo nossos jornalistas. Não sei se algumas são verdadeiras ou não, mas acendem uma questão importantíssima nas novelas dos últimos anos: será que vale mesmo a pena trair uma ideia e se tornar refém do público?

Novela é uma obra aberta, o que permite um diálogo com o espectador que a assiste, e feita por uma empresa que visa lucro. Disso todos nós estamos cansados de saber. Mas emissoras tão poderosas e com possibilidades de investimentos, tal qual a Rede Globo, não podem peitar o público e contrariá-lo de vez em quando? É o que tenho me perguntado ultimamente. Afinal, qualquer reclamação do público gera mudanças numa novela. Lembro de um episódio de “Paraíso Tropical” em que o público reclamou que o VILÃO Olavo (Wagner Moura) era muito mau. Os autores até deram uma amenizada. Mas o vilão não pode ser mais mau porque o público não quer? Como devem ser contadas as histórias, então?

“Morde & Assopra” é uma novela que fala de dinossauros (através da personagem de Adriana Esteves, uma paleontóloga) e robôs (através de Mateus Solano, um cientista, e Flávia Alessandra, a própria robô). Temática mais do que clara na sinopse e aprovada pelo artístico da emissora. Um mês após a estréia, a audiência não correspondeu às expectativas da empresa, foram feitos aqueles horrorosos grupos de discussão e resolveram tirar a robô Naomi de cena. Que a Naomi verdadeira iria aparecer, isso eu já tinha cantado a bola na crítica que eu fiz na primeira semana de novela. Agora, tirar a robô é demais! A novela não é sobre isso? Como que, com apenas um mês no ar, um grupo de discussão e os poderosos da emissora podem afirmar com tanta precisão que um personagem foi rejeitado e uma história não deu certo? Eles não confiam nas habilidades do autor contratado? Por que não o deixam provar ao público que aquela história vale a pena ser contada e assistida?

Alguns outros casos de autores que tiveram que trair uma ideia em busca de audiência me vem à mente. Cabe dizer, desde já, que nenhuma das mudanças feitas elevou a audiência delas.

“As Filhas da Mãe”, novela de Silvio de Abreu exibida em 2001, veio ao ar com uma linguagem inovadora. Além de ter trazido recursos já utilizados em novelas anteriores, como os personagens olharem para a câmera e fazerem algum comentário para o espectador, Silvio se utilizou da narrativa de cordel, um rap que levava a história adiante e uma linguagem clipada, onde as cenas não se repetiam nem as histórias eram retomadas. Apresentou números aquém do esperado e o autor teve que abrir mão dessa linguagem inovadora. A audiência subiu por conta das mudanças? Não.

“Agora é que são elas”, novela de Ricardo Linhares exibida em 2003, apresentou apenas uma trilha sonora interessante. A história não era boa, o elenco não era bom, a direção do Roberto Talma não era boa. No entanto, tinha um mote principal que não pôde ser seguido: uma cidade comandada por mulheres, onde elas é que saíam para trabalhar e sustentavam a casa, enquanto seus respectivos maridos cuidavam da casa e dos filhos. O primeiro grupo de discussão realizado pela emissora torceu o nariz para essa história de mulher ser chefe de família e o marido fazer as vezes de “dona-de-casa”. Então, a narrativa inteira foi mudada por conta disso. A audiência subiu? Não.

“Tempos Modernos”, novela de Bosco Brasil exibida em 2010, apresentava uma história chata e mais do que batida. O elenco não era bom, a estrutura dramatúrgica da novela era estranhíssima e a direção de José Luiz Villamarim deixou muito a desejar e a supervisão de Aguinaldo Silva foi só para inglês ver. Vieram os grupos de discussão, a crise da novela e, óbvio, mudanças: tiraram o Frankstein – que daria o nome da novela anteriormente! -, mataram o interessantíssimo vilão interpretado por Guilherme Weber e transformaram a vilã de Grazzi Massafera em mocinha. A audiência subiu? Não.

O que pretendo dizer com isso tudo? Que, às vezes, é muito melhor você agradar ao público fiel de uma novela, fazendo com que a história principal seja contada sem drásticas mudanças, como previsto na sinopse, do que tentar agradar o público que não gosta da mesma, deixando-a sem identidade. Não estamos falando de emissoras, no caso a Globo, que está falida e não pode se dar ao luxo de arriscar. Ter 25 pontos de ibope numa novela das sete ou 20 numa novela das seis não vai diminuir a quantidade de anunciantes, muito menos fazer com que a próxima novela mantenha o mesmo patamar. Levar uma história até o final, “enfrentar” o público e investir naquela ideia aprovada só despertará admiração e respeito. Sem ficar a famosa pergunta no ar: “o que teria sido ´Tempos Modernos´ e ´Agora é que são elas´ sem as mudanças, o que os autores pretendiam com aquela história?”, por exemplo. De repente, algo muito mais interessante do que o que foi ao ar por pressão e imposição.

Talvez o grande erro esteja no artístico da emissora que não é capaz de prever o que pode dar uma boa novela ou não antes de ir ao ar. Agora o público ser brindado com mudanças drásticas por pressão desse mesmo artístico – coisa que todo mundo nega, mas todo mundo sabe que existe – é demais. Infelizmente, “Morde & Assopra” é mais uma vítima dessa incompetência. A novela tem vários outros problemas que não estão relacionados ao robô da Flávia Alessandra, assim como o robô Frank não era o problema de “Tempos Modernos”.

Além disso, esses grupos de discussão são péssimos. Primeiro, porque representam o que uma minúscula parcela do público de novela pensa; segundo, porque, a partir do momento que você é chamado para participar de um grupo desses e tem consciência de que pode interferir no rumo da história e na trajetória dos personagens, é óbvio que você vai encontrar defeitos e querer dar pitacos; terceiro, porque nenhum desses grupos aponta realmente os erros dessas novelas (vide os casos citados acima, em que todas as mudanças foram em pontos que não eram os verdadeiros problemas); quarto e último, porque, hoje em dia, época em que as redes sociais imperam, os autores tem maneiras muito mais eficazes de saber o que funciona ou não numa novela, podendo dialogar e até debater com esse público sobre o que os incomoda e convencer ou ser convencido de que aquele é o melhor caminho, ao invés de reunir um grupinho mixo para representar a opinião de milhares de pessoas, o que, claramente, é fora de propósito.

Walcyr, não traia sua ideia, por favor!

3 comentários:

  1. Deve ser realmente um trabalho de Hércules manter a sinopse de uma novela assim como ela foi planejada. Muitas vezes é preciso um pouco de tempo para a novela engrenar. Vamos ver.

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  2. Depois de um sucesso como TiTiTi tinha que ser uma outra novela de "responsa" para manter o nível. E, sair de uma Maria Adelaide para um Walcir Carrasco, realmente é o fim

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  3. Isso me faz lembrar começo do seriado Lost. Sawyer era o badboy da turma, como não poderia deixar de ter. Mas a audiência pediu a cabeça dele, julgavam que ele era malvado demais. Ao invés disso os autores aplicaram uma técnica melhor: mostrar a motivação dele. Então mostram um flashback de um momento traumático em sua infância que justificava ele se tornar revoltado. Depois disso a audiência passou a gostar tanto dele, que acabou virando um dos principais heróis da série.

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