segunda-feira, 4 de abril de 2011

Entrevista: Alcides Nogueira

Alcides Nogueira é um dos maiores dramaturgos brasileiros. Dono de ampla bagagem no teatro e na televisão, ele nos brinda com uma rica entrevista, inaugurando um novo espaço aqui no blog NaTV. Deliciem-se!


Você já escreveu novelas, minisséries e peças teatrais de sucesso. Qual dos formatos você prefere?
Gosto dos três. Cada um deles tem sua magia, seu alcance, sua amálgama. Mas, sem dúvida alguma, as peças teatrais e as minisséries dão ao autor uma oportunidade maior para reflexão e carpintaria.


Até que ponto o Alcides Nogueira "dramaturgo" colabora ou está presente no Alcides Nogueira "autor de televisão"? E o que o Alcides Nogueira "dramaturgo" ganhou após o surgimento do Alcides "autor de televisão"?
Houve uma transfusão sanguínea entre os dois. O dramaturgo aprendeu com a telinha a ser mais ágil em suas peças; o autor de televisão trouxe do teatro a verticalidade para estofar cenas e personagens. É bacana, muito bacana, essa troca.

Como você vê a crise no cenário teatral brasileiro atual?
Não acho que haja uma crise. O teatro está fechando um ciclo e abrindo outro. Claro que isso provoca muitas indefinições. Mas há novos autores, atores, diretores etc que já estão agitando, de maneira muito criativa, a cena brasileira.

Você faz parte da primeira leva de colaboradores a se tornar autor-solo em televisão. Como você acredita que deva ser a prática para a adição de novos autores?
Essa. É a maneira mais natural para se dominar o ofício de novelista. Eu aprendi o beabá com o Negrão. Foi como seu colaborador que entendi a engenharia necessária a uma novela. Com o Silvio de Abreu eu fiz o pós-graduado. Talvez as escolas e oficinas ensinem técnicas etc... mas você aprende, MESMO, é na estiva, é no dia-a-dia, é com os mestres.

Quais são as influências da literatura e da dramaturgia universal em seus trabalhos?
Sempre li muito. Desde criança. Cresci em meio a uma família onde a literatura é como o pão. Não me imagino sem um livro. Mesmo quando estou escrevendo (como agora, quando o tempo fica totalmente escasso), não deixo de ler nem que seja uma página. Ou morro de inanição.

Existem influências que você identifique em sua escrita para a televisão dos autores com quem trabalhou?
Sem dúvida. Aprendi a fazer as trilhas (histórias) de personagens com o Negrão; a escaletar (armar o capítulo) com o Silvio; a burilar os diálogos com o Gilberto Braga; a não me distanciar dos núcleos com o Lauro César. Claro que, com o tempo, fui criando meu próprio estilo (trazendo, como disse, também elementos teatrais). Mas tive o privilégio de beber na sabedoria desses autores.

Você trabalhou ao lado de Silvio de Abreu em diversas novelas, tais como “Torre de Babel”, “A Próxima Vítima”, “Rainha da Sucata”, “Deus nos Acuda” etc. Como era a divisão de trabalho entre vocês? E como você faz a divisão do trabalho com seus colaboradores hoje em dia?
O Sílvio sempre gostou de trabalhar com pequenas equipes. Na “Sucata” eu entrei já com a novela bem adiantada. Ele estava passando por problemas familiares, o Gilberto Braga tinha dado uma força e depois saído para preparar “O Dono do Mundo” e ele me convidou. Já em “Próxima Vítima” e “Deus nos Acuda”, o Silvio contava com Maria Adelaide Amaral e comigo. Em “Torre de Babel” e “Filhas da Mãe”, com Bosco Brasil e comigo. O Sílvio dá total liberdade para a criação de cenas, mas não abre mão nem da autoria nem da condução das tramas. E isso é muito bom, porque é o que caracteriza a assinatura, o estilo de uma história. De certa forma, eu faço mais ou menos isso. A responsabilidade final é do autor-titular.

Apesar de não ter sido um êxito de audiência, “Força de um desejo” é uma novela das mais aclamadas. Lembro que, na época, não conseguiam detectar o motivo da novela não ter tido um alto ibope. Tem alguma teoria para isso?
Acho que ninguém conseguiu detectar o motivo até hoje! É muito esquisito. O engraçado é que, quando foi reprisada no Vale a Pena Ver de Novo, foi um super sucesso. Gosto muitíssimo dessa novela. A história era muito boa, e o elenco e direção, estupendos!

Como foi sua parceria com Gilberto Braga nessa novela? Não pensa em repeti-la?
Foi uma parceria muito gostosa. Adoro o Gilberto. Sempre houve uma sintonia muito afinada entre toda a equipe. Sérgio Marques foi um nome essencial. Quanto a repetir a parceria, qualquer prognóstico é sempre imprevisível. Temos nossos próprios projetos... O Gilberto e o Ricardo formam uma ótima dupla... O tempo dirá.

A AR – Associação de Roteiristas – já se manifestou contrária à Classificação Indicativa de programas de TV realizada pelo Ministério da Justiça. Você apóia essa posição? Acredita que seja mesmo uma censura velada do nosso governo? Ela limita a criação do autor?
Não conheço a posição da AR. Eu acredito que há, sim, necessidade de mecanismos para que a televisão (que é um veículo invasivo) siga certos parâmetros, que devem ser criados pelos próprios autores e emissoras, e nunca impostos pelo Ministério da Justiça. Há que se achar um meio para isso. Não é fácil. Mas também não é impossível. Censura? NUNCA MAIS!

A que um autor de novelas tem que estar ligado hoje em dia para chamar a atenção do público? Era mais fácil escrever novela anos atrás do que atualmente?
Hoje é dificílimo escrever novelas. Houve uma mudança muito grande no perfil do espectador. Fora a internet e o aparecimento de outras mídias. O autor, hoje, tem de estar muito mais antenado que antes a TUDO o que acontece, para não virar anacrônico. Não é fácil, já que a velocidade da comunicação é sempre crescente. Mas também (sempre digo isso) há a necessidade de outros mecanismos de aferição de audiência. Os de hoje estão defasados.

Havia sido veiculado na imprensa que você teve uma sinopse de novela das seis aprovada pela Globo. Logo em seguida, veio a idéia do remake de “O Astro”. Foi pego de surpresa?
Fui. A idéia do remake de “O Astro” (uma brilhante idéia do Roberto Talma) pegou a mim e ao Geraldo Carneiro de surpresa. A novela vai ficar para 2012. Mas a estratégia da Globo está correta. Recontar uma história de Janete Clair (para mim, a nossa autora mais importante) é a melhor maneira de prestar uma homenagem aos sessenta anos da teledramaturgia brasileira.

O remake de uma telenovela é um tipo de trabalho que não é tão comum no Brasil quanto é no México, por isso ainda não existe aqui um parâmetro rígido para a escrita que limite tal trabalho. Atualmente, você assina uma regravação da novela "O Astro", de Janete Clair. Como é o seu trabalho diante de uma novela que já foi exibida? Como você condicionou sua criação diante de uma obra que até hoje ainda é referência para muitos telespectadores? Até que ponto deve-se respeitar a autora original ou não na hora de adaptar seu texto?
Essa questão é muito complexa. Já passei por isso quando fiz o remake de “Ciranda de Pedra”, onde tinha de lidar com a criação da Lygia Fagundes Telles (autora do livro) e a do Teixeira Filho (autor da novela). Acredito que o melhor seja seguir as tramas principais e inserir nossas próprias criações. É o que Geraldo Carneiro e eu pretendemos fazer com “O Astro”, até porque o mundo mudou muito de 1977 até hoje. E Janete era uma autora muito atenta ao quotidiano. O quotidiano de 2011 é o mesmo de 1977? Obviamente, não! Hoje, uma garota do subúrbio carioca não é como a Lili, é muito mais esperta. Mais sambada do que eu, com 61 anos!!!! Ser fiel à autora é tentar olhar o mundo pelo mesmo ângulo (mesmo que nem sempre com as mesmas palavras). Você precisa encontrar o trilho correto onde corram as duas linhas: a criação original e a nova leitura. Pode parecer estranho mas, muitas vezes, para que o espírito da criação seja mantido é preciso, SIM, desrespeitar a autoria original. Há um outro elemento que deve ser levado em conta: a memória afetiva do espectador. No caso de “O Astro”, ela é muito forte. A novela fez muito sucesso, tocou o imaginário de muita gente. Mas a memória afetiva é particular, intransferível. Guardamos da obra original apenas aquilo que nos interessou. E nem sempre somos exatos. Quando escrevi a segunda versão de “Ciranda de Pedra” fui muito mais fiel ao livro da Lygia do que à novela do Teixeira. Muita gente se queixou.   Na telinha do cérebro a gente exibe o que quer. Conclusão: o espectador também trai a criação original. Isso fica muito claro quando há os grupos de avaliação de uma novela. As mulheres que participam da discussão misturam tudo: novelas que estão sendo exibidas com outras que ficaram no inconsciente delas... Eu adoro, porque é uma coisa meio “Tia Júlia e o Escrevinhador”. E sou antropofágico desde que me conheço por gente!

O que podemos esperar de "O Astro"?
Geraldo Carneiro e eu manteremos as tramas centrais criadas por Janete, que são geniais! Absolutamente geniais!!!! Mas traremos a ação para 2011. Como eu disse, isso acarreta mudanças. Fora que não será uma novela, mas uma série, com sessenta capítulos. Muitas subtramas ficarão de fora. Isso é bom, pois elimina a famosa “barriga” dos folhetins. Nós esperamos corresponder às expectativas de quem conhece a obra... e cativar a geração que não assistiu. Tomara! Por exemplo: vamos manter Felipe Cerqueira como o assassino de Salomão Hayalla? Mas de que maneira contaremos isso? Melhor assistir rsrsrs.

Quem são os atores já confirmados no elenco de "O Astro"? Qual a equipe de autores?
A série está sendo escrita por Alcides Nogueira e Geraldo Carneiro, com colaboração de Tarcísio Lara Puiati, um jovem autor muito talentoso. Direção-geral de Mauro Mendonça Filho, núcleo Roberto Talma (autor do projeto). Por enquanto, temos Rodrigo Lombardi (Herculano Quintanilha), Carolina Ferraz (Amanda), Daniel Filho (Salomão Hayalla), Regina Duarte (Clô Hayalla), Thiago Fragoso (Márcio Hayalla), Alinne Moraes (Lili), Antonio Calloni (Natal), Guilhermina Guinle (Beatriz), Fernanda Rodrigues (Jôse) e outros que estão sendo fechados. Um timaço.

Pode nos dizer em primeira-mão pelo menos um nome de ator que já está confirmado no elenco de “O Astro” e que ainda não saiu na imprensa? Um só, vai... (risos)
Posso, mas sei lá se não acabará sendo uma informação antiga: Humberto Martins como Neco, o antigo comparsa de Herculano Quintanilha.

Como é sua rotina de trabalho?
Quando se começa a escrever uma novela ou minissérie, não há rotina que se sustente. Há muita interferência, pois o autor não apenas escreve, como também administra, falando constantemente com a emissora, com diretores, com a produção... Eu trabalho cerca de 15 horas por dia. De manhã, não existo. Acordo tarde. Prefiro tratar primeiro das outras questões e, então, mergulhar fundo na escrita (normalmente varo a noite até o dia nascer). E não há fim de semana, nem feriado, nem nada. É melhor esquecer cinema, teatro, sexo, diversão... Você entra num túnel e sai dele meses depois, detonado. Aí, eu fujo de São Paulo. Normalmente passo um bom tempo na Europa. Sempre entrando por Paris e, aí, para mais algum lugar.

Você interfere diretamente na escalação do elenco de suas novelas e minisséries?
Sim, mas é uma tarefa (cada vez mais difícil) que cabe não só ao autor, mas também aos diretores e à emissora. Muitas vezes há concordância... Mas nem sempre. Aí, entra a conciliação. Em “O Astro”, a escalação ficou, quase toda, por conta de Roberto Talma.

A sinopse de novela das seis que já havia sido aprovada vai entrar no ar independente de "O Astro" ou o projeto foi adiado? Qual o tema principal da trama?
Ela já tinha sido aprovada. Com o projeto “O Astro”, ela ficou para o ano que vem. É uma novela minha e do Mario Teixeira, que se passa no moderno ambiente rural (rico e progressista) do interior de São Paulo. Mas, depois de um certo tempo, tudo envelhece em televisão. Mario e eu iremos reavaliar o que fica e o que não fica na trama central. Por enquanto só consigo pensar nos truques de Herculano Quintanilha.

Qual seu melhor trabalho no teatro? E qual você acha que não foi tão bom assim?
Impossível responder. Cada trabalho é um filho e eu sou corujão. Ou o melhor será o próximo trabalho. Mas há peças que me deixaram muito feliz, como “Lua de Cetim”, “Feliz Ano Velho”, “Pólvora e Poesia”... Todas fizeram grande sucesso e foram muito premiadas.

Qual seu melhor trabalho na televisão? E qual você acha que não foi tão bom assim? Por que e o que faria de diferente?
O melhor, como já disse, será o próximo. “De Quina pra Lua”, minha primeira novela-solo, não foi nada bem. Culpa só minha. Ainda não tinha a experiência necessária para tocar uma novela. Sem dúvida hoje eu faria diferente. Puxaria mais para a comédia rasgada. Talvez (hoje em dia, na tv, tudo é talvez) fosse o tom certo que, na época, eu não vi.

O que você desejaria realizar em TV ou teatro, mas ainda não conseguiu?
Hahahahaha isso muda a cada dia! Minha cabeça não pára. E juro que gostaria de dar um descanso a ela.

O que achou do blog? Tem algum recado para os nossos leitores?
O blog é ótimo. Inteligente, não faz concessões, é antenado. Gostei dos comentários que li, diretos e centrados. Para os leitores: a internet é o espaço da total liberdade! Continuemos...

(por Beatriz Villar)

3 comentários:

  1. Parabéns pelo blog e pela entrevista com Tide, de quem sou fã e admirador. Sucesso para "O astro", atração mais esperada do ano.

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  2. Olá, tudo bom?
    Adorei a entrevista com o Tide, ele é de longe o novlista mais simpático, que eu também tive a honra de entrevistar lá "No Mundo dos Famosos", eu também estou ansioso por esse remake, vai ser uma ótima oportunidade pra nós, da nova geração, conhecer essa fascinante história que a grande Janete Clair criou. Parabéns pela entrevista, abraços!

    www.jeffersonbalbino.zip.net

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  3. Bela entrevista! É sempre muito bom ver um diálogo inteligente e despretensioso como esse. Tomara que "O ASTRO" seja tão interessante que a Globo extenda o remake do grande sucesso da Janete Clair por mais do que sesseta capítulos. "MERDA PARA O ALCÍDES!" Como se diz no teatro: BOA SORTE!

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