terça-feira, 19 de abril de 2011

Entrevista: Ulysses Cruz

Ulysses Cruz está na categoria dos diretores teatrais mais bem conceituados e premiados, a maioria de suas peças foi sucesso de público e crítica. Trabalha na TV Globo, atualmente, na linha de shows. Também foi diretor de algumas novelas e minisséries. Trabalhou no "Domingão do Faustão" e já está às voltas com o "Criança Esperança", ao lado do diretor Wolf Maya. É sobre teatro, novela e programas televisivos que ele fala nesta entrevista.


Pensando que, na década de 1980, você se destaca como um grande diretor com releitura de clássicos da dramaturgia e da literatura, como “Corpo de Baile” e “O despertar da primavera”, você acredita que a TV pode oferecer um espaço para que você elabore trabalhos semelhantes? Caso tivesse oportunidade, em condições ideais, o que você transporia para a TV?
Sim, a TV é plural, há espaço para tudo desde que existam pessoas interessadas em assistir. TV não é arte, é negócio. Quando se faz arte, projeta-se o futuro; TV é o aqui e agora. Penso que poderíamos ter uma das melhores TVs do mundo caso a qualidade de nosso telespectador fosse melhor. TV aberta é espelho de uma sociedade. Ela tem de buscar comunicar-se com esse grupo de pessoas nesse tempo e espaço. Quanto maior o nível cultural de um povo, melhor será sua TV. Nosso país não acha importante a cultura, é abstração para a grande maioria de nosso povo. Então fica impossível lidar com algo mais elevado ao espírito. Ou melhora- se a educação e a cultura de nosso Brasil, ou teremos que assistir diante dos nossos olhos a barbárie. Melhorar a condição cultural não é tarefa da TV. Ela pode ajudar, mas primeiro o brasileiro tem de querer boas escolas, bom teatro, acesso aos livros e aos bens culturais e depois cobrar dos governos.

Dadas as devidas proporções, que tipo de diálogo o diretor televisivo Ulysses Cruz tem com seu público de televisão que é diferente do diálogo que o diretor teatral Ulysses Cruz tem com seu público de teatro?
Eu trabalho na linha de shows da TV Glogo. Nesses dias, terminei minha colaboração no “Domingão do Faustão”, onde era o diretor artístico. Como tal, pude trabalhar varias possibilidades junto com Fausto Silva, que é figura interessada em mostrar o que o Brasil tem de melhor. Transformamos nosso telão de alta definição que ocupa o maior espaço de nosso cenário em suporte para exibir arte brasileira. Já mostramos mês a mês alguns dos maiores pintores brasileiros de todos os tempos: Portinari, Tarsila, Rubens Gerchmann, Anita Malfatti, Gustavo Rosa e muitos outros. Fausto os apresenta com uma pequena biografia repetida várias vezes durante o show. Uma beleza sem par e emocionante. Arte desse porte num programa de auditório só a ousadia de Fausto Silva pode permitir. Ano passado, durante minha primeira temporada no Domingão, começamos e foi um sucesso. Este ano, os principais museus de nosso país estão disponibilizando seu acervo de arte brasileira para exibição no programa. Fausto e eu estamos trabalhando em ideias para trazer música clássica também. Penso que esse tipo de coisa aproxima o diálogo dos dois diretores, o de teatro e o de TV.

Qual o ponto de contato entre seu trabalho no teatro e na televisão?
O desejo de que o público merece sempre o melhor dentro do que é possível fazer, oferecer o melhor, o mais humano, o mais sensível, contra a brutalidade, a favor da poesia, da emoção, da surpresa, do inusitado.

Como você definiria um estilo “Ulysses Cruz” para dirigir os atores em TV?
Minha última incursão na teledramaturgia foi em “Eterna Magia”. Alguns anos, portanto. Mas penso que essa pergunta seria mais interessante se feita para os atores que trabalharam comigo nesse momento: Irene Ravache, Cassia Kiss, Cleyde Yáconis, Thiago Lacerda, Werner Shunemann, Cauã Raymond, Eliane Giardini. Eles podem te dizer coisas interessantes desse momento.

Você é um diretor reconhecidamente detalhista, com um apuro impressionante em tudo que faz. Como é o seu processo de criação?
Sou detalhista porque acredito que a diferença de qualidade está exatamente nos detalhes. O acabamento final de uma cena dá-se pela obsessão de querer que todos os detalhes se harmonizem para que o todo ganhe força. Uma cena com unidade tem mais força e atinge mais. Gosto de instigar os atores a buscar o refinamento de suas escolhas, não trabalhar apenas com a primeira opção. Gosto de pedir a eles que leiam. A leitura estimula a imaginação e esta reage em forma de emoção. Comigo também é assim, busco inspiração em tudo que esta a minha volta. É uma questão de olhar. Quando você realmente está concentrado, teu olhar sobre todas as coisas se modifica. Daí começa algo dentro de você que não para mais. Tenho dificuldade em parar.

Você reconhece ainda hoje no meio teatral certa resistência à televisão? Para você, quais motivos originariam tal resistência?
Isso não existe mais. O que existe é a inadequação ao veículo, mas resistência, não. Afinal, todos precisamos trabalhar e TV é trabalho cotidiano.

Sua última peça teatral foi “Olhe para trás com raiva”, ano passado, do autor londrino John Osborne. Foi muito bem de crítica, assim como foi “O Zoológico de Vidro”. Que balanço você faz dessas duas peças?
Que boa pergunta! O “Zoo" reacendeu minha vontade de estar numa sala de ensaio e num teatro. O "Olhe para trás" foi uma dificuldade e uma superação, pois era uma peça muito difícil no que concerne a execução e comunicação. Eram também duas peças de exceção. Quase não se faz teatro desse gênero hoje em dia. Gostei demais de trabalhar com esses elencos e todos os profissionais de grande qualidade que os produtores conseguiram reunir nesses dois projetos. Elas ainda não terminaram, ambas devem voltar no final desse ano.

Qual seu próximo trabalho no teatro? Pode falar um pouco sobre ele?
Vou dirigir no segundo semestre "Três dias de chuva" (Three Days of Rain) com Otavio Martins, Alexandre Slavieiro e mais uma atriz ainda não confirmada, personagem espetacular feito muito recentemente na Broadway por Julia Roberts. Tenho um projeto também ainda para este ano com o ator Bruce Gonlewiski, que admiro muito. Isso está confirmado para depois de meu trabalho no show do “Criança Esperança” - dia 20 de agosto, ao vivo do Rio de Janeiro - onde sou o diretor geral, do núcleo Wolf Maya. Este é o terceiro que faço.

Fiz a mesma pergunta para o Alcides Nogueira na entrevista com ele, mas acho que seja importante repeti-la a você: como vê a crise teatral no cenário brasileiro atual?
E alguma vez o teatro não esteve em crise? Infelizmente, teatro é atividade para poucos. Mesmo uma peça de enorme sucesso, ao final de anos em cartaz, será vista por poucos e corajosos escolhidos. O que importa é você querer ser um deles e não perder esse barco, pois teatro, quando acontece de fato, é experiência inesquecível, reveladora, modificadora.

Quais novelas você dirigiu, além de “Sabor da Paixão” e “Eterna Magia”? Como foram esses trabalhos?
Estive envolvido em muitas novelas e minisséries nesses 14 anos de TV Globo. De cada uma delas guardo excelentes momentos de encontros, desencontros, lutas, conquistas, perdas e danos. Como qualquer pessoa que trabalha com paixão. Mas sobrevivi.

“Eterna Magia” foi a primeira novela que você assinou a direção-geral. Ela foi bastante criticada, não manteve a média de ibope de sua antecessora, “O Profeta”. O que aconteceu?
Não me lembro sinceramente de críticas à novela “Eterna Magia”, que terminou, inclusive, com a disputa de Irene Ravache ao Emmy Internacional como melhor atriz. Foi um trabalho difícil, polêmico, pois lidava com magia e alguns setores de nossa sociedade, os mais religiosos, não gostaram nem um pouco do tema. Um exagero desmedido, pois era novela das seis.

De quais idéias iniciais você teve de abrir mão como diretor nessa mesma novela para tentar atrair a audiência do público?
Muitas, mas com a convicção de que novela não é obra autoral. Suas ideias tem de ser divididas com muita gente. Acho que “Eterna Magia” foi injustiçada e os índices de audiência estiveram na média para o horário.

O que faria de diferente se tivesse que dirigir "Eterna Magia" hoje?
Lutaria ainda mais para que não nos desviássemos da linda ideia da Beth.

Como era sua relação com Elizabeth Jhin na época?
Excelente. Ela foi generosa, ótima companheira de trabalho. Elizabeth Jhin é uma lady. Espero um dia termos a oportunidade de fazermos algo juntos.

Por que, desde então, está sem dirigir novelas? Ainda tem vontade? Algum plano nesse sentido para o futuro que você possa nos revelar em primeira-mão?
Eu sou um soldado escalado atualmente para trabalhar na linha de show e estou feliz com essa descoberta. Há um enorme espaço ali para ser explorado e criado, diferente das novelas onde quase tudo já foi feito. Além do quê, novela é atividade conservadora e eu não tenho esse perfil conservador infelizmente. Não tenho tido tempo de elaborar um projeto de dramaturgia para o horário pós-novela, acredito que é uma ideia boa e que será bem recebida. Mas eu não tenho conseguido tempo. Dia desses farei.

O público de televisão "emburreceu"?
O Brasil piorou do ponto de vista cultural. Outro dia vi no Jornal Nacional que o brasileiro está gastando mais com roupas que com educação. Em curto prazo, isso vai dar merda. Famílias de baixa renda não têm como oferecer educação de qualidade aos filhos, as escolas e o currículo escolar brasileiros são uma piada de mau gosto, onde a carga horária é cada vez menor. Nossa presidente diz que no setor da educação vai tudo bem, o ministro da educação esta sendo cogitado a ser prefeito de SP. Isso tudo não tem nada a ver com televisão.

Com quais atores e atrizes você gosta de trabalhar?
Todos os bons. E são muitos hoje em dia.

Como foi trabalhar durante meses no “Domingão do Faustão”? Qual marca sua você conseguiu imprimir no programa?
Boa pergunta para Fausto Silva responder. Eu gostei muito de poder contribuir com algumas ideias no “Domingão”. Gostei enormemente de minha relação com Fausto Silva, que é um profissional exigente, que trabalha de verdade, incansavelmente em seu programa a semana toda e uma das pessoas mais generosas que já conheci. Nosso encontro se transformou em amizade que sei que será pra toda vida. Além disso, o “Domingão” tem uma equipe de gente espetacular muito bem regida por Jayme Praça e um grupo de diretores jovens que farão diferença num futuro próximo: Henrique Mathias, Adriano Ricco, Gustavo Alves, Cris Gomes. Sempre que o “Domingão” precisar de mim estarei a postos.

Por que todas as mudanças que você e Wolf Maya realizaram no “Criança Esperança”? Tem sentido uma resposta positiva por parte do espectador?
O “Criança Esperança” é nossa emoção maior dentro da TV, pois em 25 anos de existência já ajudou mais de cinco milhões de crianças a ter uma infância mais digna. Criança tem que brincar e alegrar nossas vidas. Precisam ser ajudadas a conquistar tão básicos direitos. Wolf e eu não paramos de pensar em como conseguir mais pro “Criança”. Estamos só começando.

O que desejaria realizar em TV ou teatro, mas ainda não conseguiu?
No teatro, quero fazer Shakespeare, sempre Shakespeare. Na TV, tudo.

Tem algum recado para nossos leitores?
Participem de tudo, mas participem.

(por Beatriz Villar)

Um comentário:

  1. É sempre bom ver gente inteligente, culta e educada falando com sinceridade e realismo do que acontece no meio artístico e no país. Chega de "artistas" alienados!

    ResponderExcluir