domingo, 10 de abril de 2011

Entrevista: Thelma Guedes

Thelma Guedes faz parte da nova geração de autores da TV Globo. Por muitos anos foi colaboradora de Walcyr Carrasco e passou a assinar novelas como autora-titular, ao lado de Duca Rachid, com o remake de "O Profeta". Após o sucesso de "Cama de Gato", Thelma assina nova novela junto com Duca, "Cordel Encantado", que estréia amanhã. Uma ótima entrevista para vocês acompanharem!




Ao contrário de muitos colegas (que vieram do jornalismo, Rádio e TV, ou do próprio teatro), você é formada em Letras. Como você avalia o diferencial que este curso te trouxe para a TV?
Como sempre digo, cursar Literatura foi importantíssimo para a minha vida, em muitos sentidos. Eu era uma leitora voraz, mas sem nenhuma sistematização. O curso foi bom para me tornar uma leitora menos ingênua, para dar um rumo à minha literatura e me deixar um pouco mais segura, com maior domínio sobre a linguagem e a criação literária. Pra mim foi importante. Mas não acho que seja fundamental para se escrever novela fazer o curso de Letras. Acho essencial sim que qualquer autor tenha muita bagagem, referências literárias, fílmicas, mas isso pode vir de outras experiências: ler muito, observar, assistir cinema e TV, se manter antenado no mundo, em contato com a nossa matéria-prima primordial: a vida! Isso sim faz toda diferença!

Sua primeira novela solo com Duca Rachid foi um remake (O Profeta, 2006). A segunda, uma trama contemporânea inspirada na história de Jó (Cama de Gato, 2009). Agora, "Cordel encantado" traz o nordeste, reis, cangaço e lirismo como características bastante fortes. É proposital esta busca por renovar a temática das suas novelas? Qual é a orientação para a busca de novos temas a explorar?
Não, não foi proposital. A gente é mesmo muito assim, eclética. Gostamos de muitos temas, muitas questões nos interessam. Os projetos vão surgindo ao sabor de nossos papos, observações, leituras, ideias jogadas ao vento... Acho que é esse acaso que nos orienta!

Onde está presente a Thelma Guedes poeta em suas novelas?
Acho que em nada! (RS) São registros absolutamente diversos. Talvez a única ligação que haja entre a minha poesia e as minhas novelas seja a visão que eu tenho do mundo. Esta estará em tudo o que eu fizer e escrever. Porque tudo que eu escrevo tem verdade. Eu não escreveria nada em que eu não acreditasse.

Por que um período tão grande entre o remake de “O Profeta” e “Cama de Gato”? A concorrência para emplacar novelas na Globo está grande entre os autores?
Não acho que tenha havido um intervalo tão grande assim. Entre um projeto e outro foram só dois anos e meio. Período mais que razoável para que um autor se recicle. Agora entre Cama de Gato e Cordel Encantado é que foi praticamente emendado. Porque queríamos muito escrever Cordel, que era um sonho antigo. Lutamos por este projeto. Ele teria que ser agora, senão acho que o momento dele passaria! Quanto à concorrência, acredito que ela seja grande em todos os setores. Mas não fico pensando nisso. Duca e eu amamos tanto o que fazemos que em cada reunião de trabalho nossa temos ideia de uma novela... A gente simplesmente não para de pensar em histórias. Não ficamos pensando em concorrência. Nunca sequer tocamos no assunto. Se temos uma boa história, sentamos, escrevemos e oferecemos à emissora.

De que forma você e Duca Rachid conseguem dividir a liderança de uma novela? Como é organizado o trabalho entre vocês duas, desde a primeira ideia, passando pela sinopse, até chegar aos últimos capítulos?
A gente funciona muito bem em dupla. Uma tem uma ideia; a outra aumenta; a primeira aumenta mais um pouco; a outra enlouquece a idéia. Quando chegamos à história que queremos contar nem sabemos mais de quem foi a ideia inicial. É uma loucura. Assim é com a ideia da história. Mas no dia-a-dia, a gente se encontra diariamente, estruturamos o capítulo juntas, passamos para os colaboradores. Depois relemos, mexemos, passa tudo pelas duas. Construímos uma dinâmica criativa incrível, que funciona maravilhosamente bem.

Como é a divisão de trabalho com os colaboradores?
Passamos a estrutura de cada capítulo para eles, com as cenas divididas. Eles devolvem, nós juntamos, revisamos. Mexemos. Devolvemos para eles lerem, opinarem, darem idéias. Ouvimos todos e quase sempre acatamos as críticas e ideias, porque eles são feríssimas. Sempre temos um colaborador mais próximo, funcionando como um co-autor, um braço direito, que faz a primeira montagem do capítulo e a primeira revisão, já dando uma enxugada. Em Cama de Gato foi o Júlio Fischer. Nesta está sendo a Thereza Falcão. Também colocamos um colaborador sempre do lado da produção. Tem sempre um deles em contato com o pessoal do site. Sabemos dividir bem o trabalho. Todo mundo se sente motivado, vestindo e suando a camisa junto. As nossas novelas são de fato um trabalho em equipe. E só queremos feras com a gente!!! Amamos a nossa turma!!! Eles são o máximo. Neste momento estamos trabalhando com umas mulheres incríveis: Thereza Falcão, Manuela Dias, Daisy Chaves. E na pesquisa a Luciane Reis. Agora vão entrar o Júlio Fischer e o Alessandro Marson que sempre trabalharam com a gente.

Você colaborou com Walcyr Carrasco em “O Sítio do pica-pau amarelo”, “Esperança”, “Chocolate com Pimenta” e “Alma Gêmea”. Como surgiu essa parceria?
Há alguns anos atrás, eu era bem atuante na associação de roteiristas (ARTV). Usando da minha experiência como produtora de eventos (eu era divulgadora na Editora da USP antes de ser roteiristas de TV), eu promovia cursos, debates, encontros com roteiristas. Num desses eu convidei o Walcyr. Ele foi com a minha cara. E acho que, vendo como eu era organizada e ativa, ele acabou me chamando para trabalhar. Foi uma parceria muito legal. Devo muito a ele!

Qual era seu papel como colaboradora nas novelas do Walcyr?
Eu sempre digo que, como colaboradora, eu fazia tudo para deixar o Walcyr livre para criar. O Walcyr não faz escaleta. Ele tem um processo criativo muito intuitivo e ágil. Ele escreve um capítulo inteiro às vezes em duas, três horas. Então, ele me mandava o capítulo pronto, para eu revisar. Eu, além de revisar, enxugar, eu dava opinião (enchia o saco dele! Eu era uma pentelha, coitado! RS RS RS). Cuidava da memória da novela. Ficava atenta a problemas de continuidade. Ficava com o editor, resolvendo problemas de tamanho de capítulo, para não perder os ganchos. Eu servia como uma rede de segurança do Walcyr. E com isso aprendi muito.

Como foi a mudança de relação com ele quando você deixou de ser colaboradora dele, passou a assinar uma novela, “O Profeta”, e ele se tornou supervisor?
A mudança foi grande, claro! E não poderia ser diferente.  Era o mestre dando a oportunidade para seus aprendizes (no caso a Duca e eu) darem os primeiros passos. O mestre com muito cuidado e receio de que os discípulos errassem. Por sua vez, os discípulos querendo andar com as próprias pernas. Uma tensão que teve um final muito feliz. Somos muito amigas do Walcyr, super gratas a ele por ter nos dado a oportunidade para que nos tornássemos autoras.

Qual foi o papel de João Emanuel Carneiro em “Cama de Gato”? Ele deu pitacos importantes na condução e ritmo da trama? Quais?
Poxa, o João é um marco na nossa historia. Também devemos muito a ele. Porque foi ele quem escolheu a nossa sinopse, dentre tantas que ele leu. Temos muitas afinidades artísticas e estéticas com ele. E ele deu grandes contribuições à nossa história. Talvez do que mais me lembro são dos questionamentos dele em relação às motivações dos personagens. Esses questionamentos acabavam definindo melhor as suas trajetórias. Em relação ao ritmo propriamente não houve muita mudança. Porque, tanto ele quanto nós duas, temos uma tendência à aceleração das coisas. Não gostamos de tramas paradas.

As tramas de “Cama de Gato” foram desenvolvidas exatamente como previstas desde o início ou tiveram mudanças ao longo do caminho? O que mudou, por exemplo?
Que eu me lembre, tudo estava planejado. O difícil foi manter a morte da Débora e do Alcino, mediante os apelos do público. Mas fomos corajosas e mantivemos! Porque achamos que isso era importante para aquelas histórias que queríamos contar.

Júlio Cortázar diz em “Valise de Cronópio” que o conto é uma luta contra o tempo, quase um duelo contra o cronômetro. A poesia trabalha com a dimensão de minimizar para poder maximizar os sentidos. Você credita à experiência nestes específicos gêneros literários uma narrativa mais coesa e rápida em suas novelas?
Não sei não. Acho difícil fazer esse tipo de análise sobre mim mesma, estando dentro de mim... rs Além do mais, na novela eu escrevo em parceria. E tanto eu quanto a Duca somos assim, ansiosas para ver uma história acontecer logo, sem muita embromação. Às vezes, corremos até demais. Recentemente, a nossa co-autora, Thereza Falcão, deu um toque para uma determinada trama que estava acelerada demais. Disse: Poxa, mas a gente nem pôde curtir um pouco isso... Então, Duca e eu voltamos atrás, dando mais tempo para a trama se desenvolver. E de fato não consigo relacionar muito o que escrevo em conto e poema com a criação da novela. São registros absolutamente diferentes. Pra mim, o conto é um golpe bem dado no leitor. Tem que ser rápido e profundo, para ficar nele, deixar uma forte impressão. Um poema é um sopro, um enigma, um desafio à imaginação. É o dizer sem revelar. É a esfinge, o mistério da vida, que não se consegue oferecer, só rondar. É uma gota de perfume, que instiga os sentidos do leitor. A novela não. É o contrário! Uma epopéia, rica, cheia, longa, histórias dentro de histórias, digressões, um grande painel, um novelo de tramas, que enreda, prende, brinca, oferece. Nela é tudo muito!

Como trabalhar uma narrativa com um ritmo ágil sem desenvolver as diversas tramas de maneira superficial?
Esta é a nossa grande pergunta! O grande desafio e objetivo perseguido por todos os autores!

Você e Duca deixam os atores mexerem no texto, inserirem cacos ou eles devem falar ipsis litteris tal qual está no roteiro?
A gente deixa um pequeno espaço de manobra para o ator. Mas bem pequeno mesmo. Porque pensamos muito em cada palavra que colocamos lá... E cada palavra a mais ou diferente pode ter implicações no futuro do personagem. Um futuro que o ator não conhece ainda. Quem detém a trajetória, a história do personagem somos nós.

Paola Oliveira foi protagonista de “O Profeta”, a vilã de “Cama de Gato” e seria a protagonista de “Cordel Encantado”. Ela é um talismã para vocês?
Encarar a Paola como apenas um “talismã” seria diminuir o valor dela como atriz. Na verdade, queríamos a Paola na novela por ela ser uma grande atriz e porque a adoramos! Mas nem sabíamos se ela seria mesmo a Açucena. Aliás, a Bianca Bin foi o primeiro nome cogitado para este papel. A ideia era oferecer para a Paola o papel que ela quisesse fazer!

O que podemos esperar de “Cordel Encantado”, que estréia amanhã, dia 11, às 18h?
Eu, claro, sou suspeita para afirmar qualquer coisa sobre esta novela. Então, eu pergunto: O que se pode esperar de uma novela onde reis, rainhas, príncipes, princesas, marqueses, duquesas andam pelo sertão brasileiro, convivendo entre cangaceiros, profetas, coronéis? Onde um rei de um reino europeu descobre que seu grande amor é uma cozinheira negra e sertaneja? Onde se misturam grandes amores, intrigas palacianas, duelos, conflitos entre coronéis e bandoleiros? Só pode ser um grande caldo de vida, sonho, emoção, humor, não é?

Participaram ativamente da escalação do elenco?
Sim, nossos diretores e nosso produtor de elenco nos ouviam e nós duas os ouvíamos, trocamos impressões e ideias, até chegar neste elenco fantástico juntos!

“Cordel Encantado” será uma novela de apenas cinco meses, assim como foi "Cama de Gato". Essa é uma opção sua e da Duca ou da empresa?
Da empresa sim, com total aprovação nossa! É ótimo que essa história seja contada sem "mais delongas"!

Você acredita que houve uma aposta maior em “Cordel Encantado”, em termos de produção, elenco etc após o sucesso de “Cama de gato” ou isso é bobagem?
Acredito que um trabalho bem sucedido dá um pouco mais de confiança por parte de empresa em relação a nós duas. É natural. Mas Cama de Gato também foi uma grande aposta muito bem produzida e com um elenco de primeiríssima!

Vocês estão lançando algum autor novato na equipe de colaboradores da novela?
Há uma colaboradora nossa que colabora em novela pela primeira vez: a Manuela Dias. Antes, ela trabalhou em seriados. O último foi Aline. E ela está se saindo super bem. Ela é o máximo! A Thereza Falcão e a Daisy Chaves já são veteranas em colaboração. Precisam agora se aventurar com projetos próprios. Posso dizer o mesmo de Júlio Fischer e Alessandro Marson. Os dois são feras, disputados a tapa pelos autores!

Por que a renovação de autores de novelas é tão lenta?
Não acho que seja tão lenta não. Ultimamente muitos novos autores vêm sendo lançados. Nós somos um bom exemplo disso. Mas temos vários outros.

Nosso colaborador, Jordão Amaral, escreveu um artigo dizendo que nossa dramaturgia na época de “Vale Tudo” era mais ousada e o público também. Você concorda com a afirmação?
Respeito a opinião do Jordão. Aliás, ouço muito esse tipo de comentário. Mas sabe o que eu acho de verdade? Que é a coisa mais difícil ter hoje o distanciamento para fazer esse tipo de análise com clareza. Ainda é cedo, porque estamos ainda vivendo um grande momento da transição da telenovela e da televisão em geral, mediante tantas mudanças na sociedade e nos suportes de entretenimento. Não acho que a gente deva ficar preso ao passado e ficar comparando o tempo todo o que foi feito com o que se faz hoje. Eu amo as novelas de anos atrás. Mas o público mudou. A vida mudou. Os desafios dos autores hoje são absolutamente diferentes. Não gosto nada desse saudosismo. Aliás, muitos autores que fizeram a historia da televisão brasileira estão aí, criando novelas maravilhosas. Mas sinceramente, não me preocupo com essa reflexão. Deixo este trabalho para os especialistas. A minha tarefa é fazer o melhor possível o meu trabalho hoje!

Como conquistar uma boa audiência, atrair público, para a frente da televisão e fazê-lo acompanhar sete meses de novela?
Caramba! Que pergunta difícil essa... A resposta a ela é a fórmula que eu persigo! E acho que todos os autores perseguem, né?

A AR – Associação de Roteiristas – já se manifestou contrária à Classificação Indicativa de programas de TV realizada pelo Ministério da Justiça. Você apóia essa posição? Acredita que seja mesmo uma censura velada do nosso governo? Ela limita a criação do autor?
Não acho que a posição da Associação seja uma censura ao governo. São posições e interesses diferentes em jogo, só isso. Eu defendo a liberdade de criação com responsabilidade. Mas ao mesmo tempo entendo que haja a preocupação do governo em relação a abusos que possam ocorrer em relação ao que é veiculado por um meio de massas tão abrangente como se tornou a televisão. Mas acho que as emissoras devem se auto-regularem. Na minha opinião, a consciência e responsabilidade de quem faz o produto deve ser o melhor caminho.

O que achou do blog? Tem algum recado para nossos leitores?
Achei um espaço muito bacana, super interessante porque fala de maneira serio sobre televisão. Vocês estão de parabéns! Bom, vou aproveitar o espaço que vocês estão me oferecendo para convidar os leitores do blog, que certamente apreciam televisão, a assistirem Cordel Encantado. Porque realmente é um trabalho feito com o coração. Um presente que a gente quis dar ao telespectador! Dia 11 de abril lembrem de ligar a TV às 6 da tarde, tá? Provem o primeiro capítulo! É uma delícia!

(por Beatriz Villar)

2 comentários:

  1. Excelente entrevista.

    Acho que o grande mérito de um entrevistador é justamente perguntar as coisas que o leitor gostaria de perguntar. Por mais óbvio que isso venha a parecer, tem muita gente tarimbada por aí que não coloca isso em prática...

    Por outro lado, as respostas da autora foram precisas e consistentes. Apesar de já ter galgado os degraus mais difíceis da carreira, emplacando dois sucessos em uma grande emissora, ela se mantém humilde e generosa. Isso é muito bacana.

    ResponderExcluir
  2. Linda essa entrevista com a Thelma Guedes. Ela e a Duca Rachid são realmente muito talentosas e com certeza "CORDEL ENCANTADO" será mais um grande sucesso.

    ResponderExcluir